1. O Contexto
Um dos objetivos da missão é que a Palavra habite entre todas as famílias
da humanidade hoje tão verdadeiramente como quando Jesus viveu aqui. Através do Espírito, o corpo de Cristo
hoje também deve estar presente entre povos em todas as culturas e nações em
todos os tempos para apresentar Jesus. Logo no início da igreja, no
Pentecostes, a ação sobrenatural do Espírito Santo sendo derramado sobre os que
ouviram o sermão de Pedro, que eram de muitas nacionalidades diferentes, em sua
própria língua, confirma a intenção divina de que Sua igreja se espalhe nas
diferentes culturas.
Missão envolve mais do que simplesmente persuadir pessoas a aceitar o evangelho intelectualmente. É necessário que o evangelho penetre em cada aspecto da vida das pessoas, individual e coletivamente – um processo dinâmico que envolve transpor as culturas.
Por isso, é imprescindível entender os elementos que influenciam a identidade das pessoas e suas comunidades, e que constituem a cultura. Paul Hiebert define cultura como “um sistema mais ou menos integrado de ideias, sentimentos e valores e os padrões de comportamento e produtos associados com eles, que é compartilhado por um grupo de pessoas” (Anthropological Insights for Missionaries, p. 30). Cada cultura ainda apresenta subculturas, associadas a regiões geográficas, dialetos, costumes, etc.
No dia a dia, essas três dimensões agem simultaneamente. As pessoas pensam a respeito de coisas, têm sentimentos sobre elas e fazem julgamentos sobre o que é certo e errado com base nos pensamentos e sentimentos. A dimensão mais profunda da cultura é a cosmovisão. Esta é formada pelas pressuposições e estruturas mentais que explicam, dão significado e avaliam a realidade. Segundo Hiebert, a cosmovisão ajuda a responder as questões existenciais, dar segurança emocional, validar as normas culturais, integrar a cultura de uma pessoa, monitorar as diferenças culturais e avalizar a realidade (Transforming Worldviews, p. 30).
O que mais importa aqui são alguns princípios básicos sobre o relacionamento do cristão com a cultura. Primeiramente, vale ressaltar que nenhuma cultura está livre da influência do pecado. Por outro lado, dificilmente uma cultura está tão completamente perdida que não demonstre aspectos da bondade e graça de Deus. Em segundo lugar, Lesslie Newbigin ressalta que o evangelho sempre é expresso em termos condicionados culturalmente (Foolishness to the Greeks, p. 4), no entanto, o relacionamento entre evangelho e cultura é complexo e multidimensional. O evangelho, por exemplo, assimila alguns aspectos da cultura e rejeita outros, exortando a transformação.
Quatro passos simples para iniciar este estudo poderiam ser enumerados assim:
3. Apesar dos traços de pecado, a estrutura da cultura é utilizada por
Deus para os Seus propósitos;
4. O processo de sensibilidade à cultura começa com a leitura e o estudo
da Bíblia.
Essa relação entre o evangelho e a cultura
está presente em toda a Bíblia e no processo de transmissão da mesma. Os quatro
evangelhos são exemplos de esforços feitos para contar a história de Jesus para
auditórios diferentes, com diferentes características culturais; Paulo explica
essa relação no seu ministério: “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos.
Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1Co 9:22).
A missiologia vê na encarnação de Cristo o modelo missionário por excelência, a validação da importância do contexto e os princípios para o relacionamento com a cultura. O estudo sobre a historicidade e natureza de Cristo, que não é o objetivo aqui, combina o aspecto humano e o divino necessários para a missão do Messias e exalta o aspecto encarnacional do plano da salvação. Portanto, o prólogo do evangelho de João e sua revelação sobre a identificação de Deus com a humanidade através de Jesus para demonstrar Seu amor e Seus propósitos salvíficos lançam luz sobre esse modelo a ser imitado pelos Seus discípulos.
René Padilla sugeriu que, em certo sentido, “Deus Se contextualizou
Quando Jesus ensinava as verdades eternas, Ele usava, com frequência, os recursos e ilustrações locais utilizando linguagem, histórias e provérbios conhecidos, apesar de desafiá-los a um novo entendimento. Ele fala sobre pescar, semear, sal, luz, com o objetivo de apresentar os princípios do reino de Deus. E então ordena que os discípulos atentem para as necessidades das pessoas que eles encontrarão (Mt 10:8).
Essa compreensão deve resultar em maior humildade ao reconhecer o que Deus realizou através de Jesus (Fp 2:6-8) e ao se engajar na missão de Deus.
O Evangelho torna-se verdadeiras boas-novas
quando provê respostas para um povo particularmente vivendo em um tempo
específico. O objetivo final, no entanto, não é simplesmente tornar o evangelho
compreensível, mas permitir que o poder do evangelho atue naquele contexto para
a transformação daquelas pessoas. Se o nascimento e vida de Jesus demonstram a
importância do Seu ministério encarnacional, Sua morte e ressurreição apontam
exatamente para o aspecto transformacional.
O grande perigo de não se compreender o relacionamento entre o contexto e o evangelho é que podemos ficar satisfeitos com pessoas que mudam o comportamento exterior no processo de evangelismo, mas não mudam sua cosmovisão, algo mais interior. O resultado a médio e longo prazos é que os desafios do viver diário eventualmente levam aquela pessoa a retornar à sua orientação anterior. Na prática, ou o cristianismo se estabeleceu sempre num nível muito superficial ou houve um mero sincretismo, isto é, diluição da verdade ou mistura de elementos essenciais do cristianismo com elementos pagãos.
Se a apresentação do evangelho ignorar o contexto local, seguramente aquela cultura, ou alguma característica dela, não será desafiada pela verdade bíblica. Por isso, como Paulo de Oliveira identifica, “o propósito final da missão adventista é criar uma cosmovisão moldada biblicamente em qualquer contexto cultural” (Worldview: Vital for Mission and Ministry in the 21st Century).
A cosmovisão das pessoas a ser alcançadas provê a estrutura para a comunicação, as perguntas e necessidades daquelas pessoas são um guia para a ênfase da mensagem e os dons culturais daquelas pessoas tornam-se o meio de expressão (Evangelical Dictionary of World Missions, p. 225). Daí a importância de estudar e ser sensível ao contexto. Uma vez que se conheça aqueles a quem se está pregando, será mais fácil apresentar o evangelho de forma eficaz. Esse princípio é válido para o testemunho individual e para o planejamento das igrejas.
1. Na prática, o primeiro passo é
identificar os fatores
básicos que informam
sobre o seu público: geografia, demografia, costumes e valores, principalmente,
espirituais. Pense na sua igreja e na diversidade entre os membros.
2. Em seguida, é importante analisar as maiores necessidades das pessoas, o que ajuda justamente a
mostrar a relevância do evangelho para elas. Aqueles que estão em um momento de
transição ou sob tensão, experimentando mudanças drásticas (divórcio, doença
terminal, casamento, vícios, perda de emprego, morte de parentes próximos,
problemas familiares, etc) costumam ser mais receptivos ao evangelho.
3. Finalmente, deve-se focalizar as necessidades espirituais. Cada pessoa é diferente e está num
estágio diferente na jornada espiritual. Por isso, a importância daquilo que a
lição chama de evangelismo sequencial. É importante dar leite àqueles que estão
iniciando, mas também é importante adicionar berinjela e pimentão aos que já
têm condições de desfrutar do sabor e nutrientes sofisticados desses alimentos.
Um dos maiores erros cometidos nesse
sentido é imaginar que todos são iguais e que existe um método “tamanho único”. Isso implica em ignorar o papel do
cristão nesse processo de aplicar o evangelho à sua vida, interagir com seu
próximo e apresentá-lo como um testemunho vivo, que é a resposta para o vazio e
os problemas específicos de cada um. Esse processo não pode ser engessado em
programas, mas estimulado através deles, para que cada membro possa exercer seu
ministério. Explorando um pouco mais a ilustração da alimentação, verifica-se
que na sociedade de hoje, a insistência no alimento enlatado se tornou a norma,
mas o plano de Deus envolve uma refeição caseira.
“A igreja, através do Espírito Santo, continuamente desafia, incorpora e transforma elementos da cultura para que esteja sob o senhorio de Cristo” (Evangelical Dictionary of World Missions, p. 225). Como disse Orlando Costas, o teste final é articular “a fé de maneira que seja não apenas intelectualmente coerente, mas espiritualmente elevadora, e portanto capaz de levar o povo de Deus a ser transformado na sua maneira de viver e estar comprometido com a missão de Deus ao mundo” (citado em Contextualization in the New Testament, p. 305).
As orientações oficiais da igreja sobre esse assunto destacam que a contextualização é motivada pela responsabilidade de cumprir a comissão evangélica em um mundo diverso, sendo fiel às Escrituras e significativo para a nova cultura. A contextualização intencional é bíblica, legítima e necessária. Sem ela a igreja corre os riscos de má comunicação e incompreensão, perda de identidade e sincretismo. A unidade da igreja global requer exposição regular de uns aos outros, à cultura dos outros e à compreensão dos outros, “a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade do amor de Cristo” (Ef 3:18) (http://www.adventist.org/beliefs/guidelines/main-guide7.html).
Apocalipse 5:9 é uma descrição do encontro futuro dos salvos que representa a missão encarnacional de Deus, através do Seu Espírito e da Sua igreja, em todas as culturas.
4. O Meu Contexto
Testemunhar envolve contar a sua história
de transformação, como foi abordado na primeira lição, um processo para a vida
toda. Por isso, é importante começar estudando a própria cultura (e
subculturas), já que ninguém consegue se divorciar dela, e tentar descobrir por
que as coisas são feitas do jeito que são feitas. O que é que nunca foi
desafiado pelo evangelho na minha maneira de pensar e agir? Quais são os
costumes culturais que nunca foram tocados pela verdade bíblica? Será que
existe alguma parte do “jeitinho brasileiro” que colocamos numa categoria
intocável pela Bíblia?
Algumas perguntas que você pode se fazer, especialmente aplicadas à religião:
O que o brasileiro (você) faz (comportamento)?
O que o brasileiro acha bom ou melhor
(valores)?
O que o brasileiro pensa ser verdadeiro
(crenças)?
O que o brasileiro pensa ser real
(cosmovisão)?
Depois desse exercício diário de humildade e santidade, devemos nos colocar nas mãos de Deus para o Seu propósito de nos tornar agentes de transformação.
Apesar de a missão ser inclusiva (a todo o mundo e todos os grupos étnicos), em geral, será mais natural, para você, testemunhar àqueles com quem você tem mais identificação cultural. Pessoas da sua região, estado, cidade, bairro, seguramente têm mais em comum do que as demais.
Lembre-se de como você pensava antes de aceitar a Jesus e tornar-se membro da igreja. Quanto mais tempo passa, menos a gente pensa como antes – o que, em alguns aspectos, é muito positivo, pois representa uma transformação.
Portanto, o cristão mantém sua identidade como um indígena, no sentido de pertencer àquela cultura, e ao mesmo tempo um peregrino, porque sua identidade suprema está no reino de Deus.
Ellen G. White afirmou que “muitos não compreendem a necessidade de se adaptarem às circunstâncias, e ir ao encontro do povo. Não se identificam com aqueles a quem desejam auxiliar em atingir a norma bíblica do cristianismo. Alguns deixam de ter êxito, porque confiam unicamente no poder do argumento, e não clamam sinceramente a Deus em busca de Sua sabedoria para dirigi-los, e de Sua graça para lhes santificar os esforços (Obreiros Evangélicos, p. 381).
“A transformação de uma cultura ocorre quando o povo de Deus vive no temor do Senhor e caminha na luz da Palavra de Deus” (Sherwood Lingenfelter, Transforming Culture, p. 180). O Pacto de Lausanne afirma que “Com a bênção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local”. “Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar esvaziar-se de tudo exceto de sua autenticidade pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar transformar e enriquecer a cultura; tudo para a glória de Deus.”
Ilustração
Certa vez, uma menina explicou a encarnação desta maneira: “Algumas pessoas não estavam ouvindo os sussurros de Deus, então Ele enviou Jesus para proclamar a salvação em alta voz.” O pensamento do cientista J. Robert Oppenheimer de que “a melhor maneira de transmitir uma ideia é embalá-la em uma pessoa” complementa a explicação.
Certa vez, uma menina explicou a encarnação desta maneira: “Algumas pessoas não estavam ouvindo os sussurros de Deus, então Ele enviou Jesus para proclamar a salvação em alta voz.” O pensamento do cientista J. Robert Oppenheimer de que “a melhor maneira de transmitir uma ideia é embalá-la em uma pessoa” complementa a explicação.
Certamente a humanidade tem se apresentado ensurdecida pelos altos sons competidores e pelas consequências inflamatórias das próprias decisões. A mensagem da salvação em Cristo precisa ser dada com a clareza e eloquência encontradas no testemunho de um discípulo de Jesus, como você.
Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade
Andrews mecdias@hotmail.com

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