quinta-feira, 12 de abril de 2012

O ministério de cada cristão (comentário ao estudo nº 02)




I. Milagre e Mandado
Como foi mencionado na semana passada, a aliança entre Deus e Seus filhos envolve relacionamentos e responsabilidades que se tornam evidentes nos milagres e mandados de Deus ao ser humano. J. Herbert Kane (no livro Christian Missions in Biblical Perspective) fala sobre a relação entre o milagre e o mandado na parceria divino-humana em três momentos: criação, redenção e julgamento. Segundo ele, Deus atua de acordo com Seu plano e propósito, mas por razões que somente podem ser compreendidas completamente por Deus, Ele oferece essa oportunidade ímpar de o ser humano participar com Deus.

A parte de Deus é o milagre e a parte humana é o mandado. Veja esta relação na criação:

O Milagre de Deus
O Mandado do Ser Humano

Deus criou os céus e a Terra, e a preparou para a chegada do homem.

O homem foi incumbido de cultivar o jardim e subjugar a Terra.


Deus criou as primeiras formas de vida animal e vegetal.

Depois de criados, os animais e as plantas passaram a se reproduzir, cada um segundo a sua espécie.


Deus criou o primeiro casal, Adão e Eva, à Sua imagem e semelhança.

O ser humano foi capacitado a procriar, multiplicar e encher a Terra.


Alguns dos outros exemplos da cooperação divino-humana, no Antigo Testamento, pela qual Deus cumpre Seu propósito são: o ministério de Noé antes, durante e após o Dilúvio; a libertação do povo de Israel do Egito através da liderança de José; a monarquia de Davi e a interferência da rainha Ester.

No Novo Testamento, essa iniciativa divina é vista, como nunca antes, em Jesus Cristo. O milagre é presenciado em três eventos principais: encarnação, morte e ressurreição. A salvação da humanidade não poderia ter acontecido de outra maneira, a não ser através desses três requisitos. Jesus não somente demonstrou o amor de Deus, mas também o mandado, pois Ele declarou que viera fazer a vontade do Pai que O enviara e não a Sua própria (Mt 26:42; Jo 4:34; 5:30; 6:38; 8:29; 17:4)

Mesmo nos momentos específicos da Sua atuação, Jesus revelou o princípio da parceria divino-humana. Na multiplicação dos pães e peixes, por exemplo, Ele fez questão de solicitar a cooperação dos discípulos. Jesus perguntou a respeito do alimento (Mc 8:5; Jo 6:5) e então pediu que eles o distribuíssem (Mc 8:7) e recolhessem o que havia sobrado (Jo 6:12). Na ressurreição de Lázaro, talvez o maior dos milagres de Jesus, o mesmo princípio foi visto. Jesus chegou ao sepulcro e ordenou: “
Tirai a pedra” (Jo 11:39). Qual foi a razão desse pedido? Jesus estava prestes a operar o milagre da ressurreição de Lázaro, e Ele não conseguia mover uma pedra? Jesus poderia fazer um pequeno movimento circular com o dedo indicador no sentido anti-horário e todos veriam a pedra rolar lentamente descobrindo a entrada da gruta. Mas esse não era o milagre; era o mandado – o privilégio humano na cooperação com Deus.

No mandado missionário, de acordo com o livro de Atos, aparentemente os discípulos perceberam que a transição no milagre com a ascensão de Cristo e a descida do Espírito Santo significava o começo de uma poderosa fase na missão. O livro de Atos  descreve a história da missão na igreja apostólica seguindo o modelo da parceria divino-humana e aplicando essa fórmula para o avanço do reino de Deus. O encontro com o etíope (At 8:26-40) é um exemplo clássico em que o Espírito Santo conduz Filipe na missão que levaria as boas-novas a uma região não alcançada do norte da África. O testemunho de Pedro a Cornélio (At 10:23-48) também mostra o Céu conduzindo a missão através da participação de um anjo.

Cristo não escolheu, para Seus representantes entre os homens, anjos que nunca pecaram, mas seres humanos, homens semelhantes em paixões àqueles a quem buscavam salvar. Cristo tomou sobre Si a humanidade, a fim de chegar à humanidade. A divindade necessitava da humanidade; pois era necessário tanto o divino como o humano para trazer salvação ao mundo. A divindade necessitava da humanidade, a fim de que esta proporcionasse meio de comunicação entre Deus e o homem (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 296).

Jesus chamara os discípulos para que os pudesse enviar como testemunhas Suas, a fim de contarem ao mundo o que dEle tinham visto e ouvido. Seu encargo era o mais importante a que já haviam sido chamados seres humanos, sendo-lhe superior apenas o do próprio Cristo. Deviam ser coobreiros de Deus na salvação do mundo.”

Seus discípulos tinham o privilégio de ser coobreiros dEle e dos santos homens da antiguidade” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 291 e 192).

II. Coobreiros
Nos seus escritos, o apóstolo Paulo reflete a compreensão bíblica sobre essa relação com Deus ao descrever o trabalho da igreja. A palavra grega sunergos (e variantes) é formada pela preposição sun (com) e o verbo ergo (trabalhar).

Curiosamente, existe outra palavra em português, criada a partir da mesma raiz: sinergia. De acordo com o dicionário Michaelis, “sinergia” está relacionada com: (1) Simultaneidade de forças concorrentes;  (2) Ação simultânea de diversos órgãos ou músculos, na realização de uma função.(3) Cooperação entre grupos ou pessoas que contribuem, inconscientemente, para a constituição ou manutenção de determinada ordem ecológica, em defesa dos interesses individuais.

Em português, a Bíblia traz a palavra “cooperadores” como tradução de sunergos. Mas diferentemente do que possa soar, cooperar com Deus, nesse caso, não está relacionado com ajudar a fazer o que Ele não pode fazer ou limitar a ação e soberania de Deus. O significado original tem a ver com cooperar, operar junto, trabalhar junto.

Apesar de Paulo utilizar esse termo (e variantes) 11 vezes nos seus escritos, a declaração mais direta se encontra em 1Coríntios 3:7-9, quando ele trata exatamente da missão. Ele diz: “
Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá seu galardão, segundo seu próprio trabalho. Porque de Deus somos cooperadores; lavoura de Deus; edifício de Deus sois vós.”

Ellen G. White, também utiliza o termo traduzido como coobreiros, literalmente “colegas de trabalho”, aqueles que trabalham com outra pessoa, neste caso, com Deus. Ela diz que, aqueles que se tornarem coobreiros passarão por um “treinamento” a fim de entender e ser eficazes na parceria, como foi o caso de Moisés, Gideão, Elias e Amós (Obreiros Evangélicos, p. 332, 333). “
Importa que não entremos na obra do Senhor a esmo e esperemos sucesso. O Senhor necessita de homens de entendimento, homens que pensem. Jesus chama coobreiros, não desatinados. Deus quer homens de pensamento correto e inteligentes para realizar a grande obra necessária para a salvação das pessoas” (Testemunhos Para a Igreja, v. 4, p. 67).

Nesse contexto, Deus faz revelações especiais aos Seus servos para guiar o povo na missão. Da mesma forma, instruções divinas são transmitidas sobre a mordomia dos recursos concedidos por Deus.

Quando alguém aceita o chamado e a missão de Deus, é formada uma parceria divino-humana. “
Todos os que se empenham em servir são a mão auxiliadora de Deus. São coobreiros dos anjos, o poder humano por meio do qual os anjos cumprem sua missão. Os anjos falam pela sua voz e agem por suas mãos. E os obreiros humanos, cooperando com os seres celestiais, recebem o benefício da educação e experiência deles” (Ellen G. White, Educação, p. 271). “Devemos ser coobreiros dos anjos celestiais para apresentar Jesus ao mundo. Com quase impaciente ansiedade os anjos esperam nossa cooperação; pois o homem deve ser o instrumento para comunicar com o homem. E, quando nos entregamos a Cristo numa consagração completa, os anjos se alegram de poder falar por meio de nossa voz, para revelar o amor de Deus” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 297).

O Senhor deseja manifestar Seu poder diante do Seu povo. Onde há agora apenas uma pessoa envolvida na obra, deveria haver mais de mil, não pastores ordenados, mas homens e mulheres de fé e oração, dispostos a trabalhar para Deus (Ellen G. White, Pastoral Ministry, p. 145).“É plano de Deus que os agentes humanos se sintam honrados ao ser chamados a cooperar com Cristo na salvação de pessoas” (Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 573). Esse conceito bíblico fundamental de cooperação nos transforma de observadores passivos em participantes ativos com Deus no grande drama da redenção (Brad Long, Cindy Strickler e Paul Stokes,Growing the Church in the Power of the Holy Spirit: Seven principles of dynamic cooperation, p. 107).

A comissão do Salvador aos discípulos incluía todos os crentes. Abrange todos os crentes em Cristo até o fim dos séculos. É um erro fatal supor que a obra da salvação depende apenas do pastor ordenado. Todos a quem veio a celestial inspiração são depositários do evangelho. Todos quantos recebem a vida de Cristo são mandados trabalhar pela salvação de seus semelhantes. Para essa obra foi estabelecida a igreja, e todos quantos tomam sobre si seus sagrados votos, comprometem-se, assim, a ser coobreiros de Cristo” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 822).

III. O Sacerdócio de Todos os Crentes
Bosch identificou que o movimento que se distancia da ideia de que o ministério é um monopólio de homens ordenados, ou seja, uma responsabilidade de todo o povo de Deus, ordenados e não-ordenados é uma das mudanças mais dramáticas acontecendo na igreja hoje. (Transforming Mission, p. 467). Historicamente, a institucionalização das funções da igreja é vista como uma característica do período de Constantino até o período da Reforma, quando Lutero destacou o ensinamento de 1 Pedro 2:9.

Assim como a ênfase na mensagem de salvação pela fé e na pregação e ensino da Palavra de Deus, Lutero destacou o ensinamento sobre o sacerdócio de todos os crentes, que ajudou a abolir o sistema espiritual de castas. De forma que, desde o princípio, as missões protestantes foram caracterizadas como um movimento leigo. O Iluminismo, no entanto, parece ter ajudado a restabelecer que a esfera particular da vida tem que ser separada da pública. Lesslie Newbigin relembra que “
o sacerdócio do ministério ordenado é para possibilitar, não para remover, o sacerdócio de toda a igreja” (Mission in Christ’s Way, p. 30).

No início do século 21, a missiologia  procurou resgatar o importante papel de cada cristão na missão. Greg Ogden (no livro Unfinished Business: Returning the ministry to the people of God) chega a sugerir que é necessário pôr em prática o sacerdócio de todos os crentes,  devolvendo o ministério para o povo de Deus, como uma “Nova Reforma”.

O texto de 1Pedro 2:4-5 em conexão com o verso 9 é o fundamento dessa compreensão bíblica que apresenta os cristãos como uma casa espiritual edificada em Cristo com o propósito de ser  sacerdócio santo.

O sacerdócio do novo concerto é privilégio e responsabilidade de todos os féis sob a autoridade do Sumo Sacerdote, Jesus Cristo. OEvangelical Dictionary of World Missions (p. 787) lista seis sacrifícios que têm implicações missionárias.

1. A oferta de si mesmo (Rm 12:1): fundamento do engajamento evangelístico.
2. A oferta de um sacrifício de louvor (Hb 13:15): tarefa missionária.
3. O ministério de intercessão (Hb 7:24-25): ministério da oração.
4. A oferta do serviço (Hb 13:16): oportunidade de compartilhar as boas-novas com o mundo.
5. O espírito de cooperação (1Co 12): reconhecimento do corpo de Cristo.
6. O ministério de reconciliação (Rm 15:16; Ap 5:9): transformação pelo Espírito.

Em certo sentido, negar esse conceito bíblico implica negar ou, ao menos, ignorar o sacrifício de Jesus e Seu sacerdócio celestial que nos garante livre acesso a Ele.

Deus é glorificado quando cada cristão se torna um ministro (1Pe 4:11), de forma que a igreja é fortalecida e unificada (1Co 12:15-26; Ef 4:12-16; Hb 3:13; 1Pe 4:10). Porém, o aspecto mais negligenciado desse processo talvez sejam as bênçãos relacionadas à fidelidade daqueles que se tornam ministros e o fruto que produzem (Tt 3:14; Hb 6:11-12).

IV. Meu Sacerdócio
Há uma confusão quanto ao papel do cristão na igreja. A maioria dos pastores entende que a igreja existe para pregar o evangelho, enquanto a maioria dos membros crê que a principal função da igreja é atender as necessidades da sua família. Membro ativo, geralmente, é aquele que frequenta regularmente os cultos e contribui com ofertas e dízimos, mesmo que seja um “esquentador de banco”.

Existe a mentalidade predominante de que o trabalho missionário é um privilégio dos pastores, como se fossem os profissionais da missão. Essa situação  piora ainda mais quando líderes autoritários insistem em se distanciar da comunidade, permanecer num pedestal e não delegar responsabilidades. Ou quando a igreja não oferece oportunidades para os membros descobrirem e desenvolverem os dons espirituais (assunto da lição da próxima semana). E outro fator importante: quando a apostasia determina o estilo de vida do cristão que já não mais conhece o próprio caráter de Deus.

Uma pesquisa do Instituto Gallup concluiu que, nos Estados Unidos, somente 10 % dos evangélicos são ativos em algum tipo de ministério (Rick Warren, Uma Igreja com Propósito, p. 442). Outro estudo apontou que 68% das igrejas eficazes em sua missão diminuíram a distinção entre “clero” e “leigo” e encorajaram todos a participar. Nessas igrejas, servir é considerado um comportamento normal por 71% dos membros (Transformational Church, p. 194).

Mostre-me uma igreja grande, centralizada no pastor e eu encontrarei um clero muito cansado. Mostre-me uma igreja grande, com leigos treinados e organizados de maneira simples, onde o clero não está exausto de tanto trabalhar e lhe mostrarei uma igreja que não para de crescer porque é capaz de cuidar do povo que Deus está chamando para uma nova vida através dela (Carl F. George, The Coming Church Revolution: Empowering Leaders for the Future, p. 35).

Ellen G. White disse que tinha uma “
responsabilidade especial de motivar os leigos na igreja para a ação, para que cada pessoa sinta seu dever de se tornar um obreiro juntamente com Deus” (MR 1033, p. 15). “Há uma vasta obra a ser feita fora do púlpito, por milhares de consagrados membros leigos” (Atos dos Apóstolos, p. 111).

Ilustração 
Um dos grupos que se destacou na compreensão do ministério de todos os crentes foi o dos valdenses. Originalmente formado por seguidores de Pedro Valdo, esse grupo, dos Alpes no século 12, tomou a decisão radical de obedecer a Deus acima de todas as coisas e seguir a Bíblia. Entre outras coisas, esses cristãos venderam tudo o que tinham, saíram de dois em dois pregando. Eles memorizavam grandes porções do Novo Testamento, denunciavam a corrupção da igreja e defendiam que homens e mulheres leigos podiam pregar. Nem mesmo a perseguição cruel os fez desistir de serem fiéis a Deus.

Como Russell Burril diz: “
Os leigos não são parte da igreja; eles são a igreja” (Rekindling a Lost Passion: Recreating a Church Planting Movement, p. 25). Não existem dois convites ou chamados, portanto você não pode escolher aceitar um e rejeitar o outro. O convite é para a salvação e o serviço. Aquilo que Deus fez por nós é a maior motivação para ministrar a outros e descobrir que existe uma bênção ainda maior para você (Jo 4:35-41).

Rick Warren ilustra a mobilização dos leigos da igreja com a observação de Napoleão sobre a China. Ao apontar o mapa, certa vez, ele disse: “Ali dorme um gigante. Se ele acordar, será incontrolável.” A igreja é um gigante adormecido. Se for despertada para usar seus dons, recursos, criatividade e energia, o cristianismo explodirá em crescimento. A maior necessidade  das igrejas é a de membros que se tornem ministros.

Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews mecdias@hotmail.com




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