Em Gálatas 3, Paulo argumenta que o único meio de se alcançar a justificação é pela fé
Em Gálatas 3:15-18, Paulo mostrou que a aliança feita por Deus com Abraão não pôde ser alterada (v. 15, 17). Para provar isso, ele argumentou que mesmo as alianças entre seres humanos não podem ser quebradas (cf. Gn 31:44, 45; 1Sm 20:8; 2Sm 3:12). Quanto mais uma aliança feita pelo próprio Deus! Se Deus prometeu que, por meio de Abraão, as pessoas seriam justificadas pela fé (v. 8, 9), essa condição nunca poderia ser mudada. A “herança” da salvação eterna (cf. Rm 4:13) foi concedida a Abraão “gratuitamente” (Gl 3:18), e não por algo que ele tivesse feito.
O argumento de Paulo é que a promessa feita a Abraão é superior à lei por três razões:
1. A promessa foi feita muito tempo (430 anos) antes que a lei fosse proclamada no Sinai (v. 17). Essa promessa é uma aliança, e, portanto, não pode ser alterada. Nada que viesse depois dela poderia mudar ou acrescentar algo nas condições para a sua realização (v. 15).
2. A lei não foi dada no Sinai com o objetivo de ser um meio de justificação, mas “por causa das transgressões” dos israelitas (v. 19). Essa razão será estudada nesta e na próxima lição.
3. Ao fazer a promessa, Deus falou diretamente a Abraão. Mas, ao dar a lei, Deus o fez por intermediários (v. 19, 20): Moisés (Dt 5:5) e os anjos (At 7:38; Hb 2:2).
A questão é óbvia: “Por que, então, a lei?” (Gl 3:19, Bíblia de Jerusalém). Se a lei não era uma condição adicional para que as pessoas alcançassem a promessa de salvação feita a Abraão, por que a lei foi proclamada no Sinai?
Paulo responde que a lei “foi acrescentada por causa das transgressões, até que viesse o Descendente [Cristo] a quem se referia a promessa.” À primeira vista, Paulo está dizendo que a lei surgiu no tempo de Moisés (“foi acrescentada”) e existiu somente até a primeira vinda de Cristo (“até que”). Seria esse o sentido do texto?
Estudiosos dizem que “Gálatas 3:19-25 é o ponto central da resposta de Paulo aos problemas na Galácia”.1 Portanto, em certo sentido, é o texto mais importante para entender a carta aos gálatas. Estudaremos esses versículos nesta e na próxima semana.
Paulo diz que a lei veio 430 anos após a promessa feita por Deus a Abraão (v. 17) e que ela foi “acrescentada” no tempo de Moisés (v. 19). O que ele quis dizer com isso? A lei já não existia antes de ser proclamada no Sinai?
Como adventistas, enfatizamos que a lei é eterna como Deus, porque é a transcrição de Seu caráter. Isso está correto, de outra forma o pecado não teria existido antes de Moisés (Rm 5:12; 2Pe 2:4), porque “pecado é a transgressão da lei” (1Jo 3:4; veja Rm 4:15). Abraão, por exemplo, já guardava a lei de Deus (Gn 17:1, 9; 18:19; 25:6). O livro de Gênesis mostra que os mandamentos que se tornariam parte do Decálogo, inclusive o sábado (Gn 2:2, 3; cf. Êx 16:22-30), já eram obedecidos pelo povo de Deus.2
Antes de ser proclamada no Sinai, a lei de Deus existia de forma oral e assim era passada de geração a geração. Ellen G. White afirma: “O conhecimento da lei de Deus e do plano da salvação foi transmitido a Adão e Eva pelo próprio Cristo. Eles guardaram cuidadosamente o importante conteúdo, transmitindo-o verbalmente aos filhos e aos filhos dos filhos. Assim foi preservado o conhecimento da lei de Deus.”3 Portanto, somente no tempo de Moisés a lei passou a existir de forma escrita. Logo abaixo entenderemos por que ocorreu essa mudança no formato da lei.
A lei, portanto, já existia como revelação da vontade de Deus. Então, em que sentido a lei foi “acrescentada” no Sinai? Vejamos o que o apóstolo diz a seguir:
Os israelitas haviam passado algum tempo no Egito. Lá, tiveram contato com o paganismo grosseiro e generalizado, além de experimentarem uma escravidão bárbara e cruel. Tudo isso eliminou quase que completamente a sensibilidade espiritual do povo, levando-o a uma apostasia profunda e indescritível.
A tradição judaica destaca uma grande ironia ocorrida no Monte Sinai: imediatamente depois que a lei foi proclamada (Êx 20) e enquanto Moisés esteve no Sinai (Êx 21-31), os israelitas já estavam transgredindo os primeiros mandamentos da lei (Êx 32). Eles construíram um bezerro de ouro, entregando-se à idolatria, imoralidade e orgia. Os israelitas ainda não estavam totalmente livres da apostasia que haviam experimentado no Egito.
O capítulo “A lei e os concertos”, do livro Patriarcas e Profetas, apresenta de forma clara e profunda várias ideias centrais da carta aos gálatas. O seguinte trecho discute exatamente o versículo que estamos estudando:
“Se a aliança com Abraão continha a promessa da redenção, por que outra aliança foi formada no Sinai? Em seu cativeiro, os israelitas em grande parte perderam o conhecimento de Deus e os princípios da aliança feita com Abraão. Libertando-os do Egito, Deus queria revelar-lhes Seu poder e misericórdia, a fim de que fossem levados a amá-Lo e confiar nEle. [...]
“Havia, porém, uma verdade ainda maior a ser gravada na mente deles. Vivendo em meio de idolatria e corrupção, não tinham uma compreensão verdadeira da santidade de Deus, da excessiva pecaminosidade de seu próprio coração, de sua completa incapacidade para, por si mesmos, obedecer à lei de Deus, e de sua necessidade de um Salvador. Tudo isso deveria ser-lhes ensinado. [...]
“Se os descendentes de Abraão tivessem guardado a aliança [feita com esse patriarca], da qual a circuncisão era um sinal, nunca teriam sido induzidos à idolatria; tampouco lhes teria sido necessário sofrer a vida de cativeiro no Egito. Teriam mantido na mente a lei de Deus, e não teria havido necessidade de que ela fosse proclamada no Sinai, nem gravada em tábuas de pedra. [...]
“Mesmo então [Deus] não confiou Seus preceitos à memória de um povo tão propenso a esquecer Seus mandamentos, mas os escreveu em tábuas de pedra. Queria remover de Israel toda a possibilidade de misturar tradições pagãs com Seus santos preceitos, ou de confundir Seus mandamentos com ordenanças e costumes humanos.”4
Os oponentes de Paulo acreditavam que o propósito da lei era justificar, ou seja, trazer o livramento da condenação pelo pecado. Mas, em Gálatas 3:19, Paulo explicou que a lei não tinha o objetivo de mudar nada do que Deus havia dito a Abraão. Ela foi “acrescentada por causa das transgressões” dos israelitas. Ou seja, a lei foi dada de forma escrita (em tábuas de pedra) e em meio à terrível solenidade do Sinai por causa da apostasia do povo no Egito. O propósito da lei era mostrar com suficiente clareza a gravidade do estado pecaminoso dos israelitas e fazê-los ansiar pela vinda do Salvador prometido.
Os cristãos em geral dizem que a lei foi abolida na cruz. Nós, adventistas, dizemos que a lei não pode ser abolida, e temos razões bíblicas para pensar assim. De acordo com Paulo, porém, alguma coisa aconteceu com a lei quando Cristo veio. Isso é o que veremos na próxima semana. Essa parte de Gálatas 3:19 pode ser mais bem entendida quando estudada com os versículos 21-25.
1. As promessas de Deus são totalmente confiáveis – Todos nós já quebramos promessas. É difícil confiar numa pessoa que não cumpre o que promete, porque a confiança é a base de todo relacionamento. Felizmente, Deus sempre cumpre tudo que promete. Ele não é instável, dizendo algo, e depois mudando de ideia (Hb 6:17, 18). Por isso, o Senhor é digno de plena confiança. Um grande exemplo disso é a promessa que fez a Abraão e a todos os salvos (Gl 3:18).
Antes de apresentar as boas-novas da salvação em Jesus, Paulo sempre enfatizava o quanto é terrível o pecado (Rm 1-3; Gl 3:10-14, 19-25). De acordo com a Bíblia, o pecado não se limita a meros atos ou pensamentos. Ele é um poder que faz parte da natureza humana e todos nascemos com ele (Sl 51:5; Rm 7:14-25; 8:3; Ef 2:3). Todos são escravizados por esse poder, e não podem se livrar dele por si mesmos.
Ao comentar Gálatas 3:19 (que estudamos acima), o teólogo adventista Wilson Paroschi afirma: “Uma vaga percepção do fato de que nem tudo vai bem com o homem não o impelirá ao Salvador. Somente quando compreende que seus pecados são transgressões da lei dAquele que também é o seu Juiz (Jr 11:20) e cuja santidade não pode tolerar um único pecado sequer (Hc 1:13), é que ele, ao ser esse conhecimento aplicado ao seu coração pelo Espírito Santo (Jo 16:8), clamará por livramento. E era exatamente isso o que Deus esperava que acontecesse” com os israelitas no Monte Sinai.7
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