Antes de prosseguirmos no estudo de Gálatas, será proveitoso fazer uma revisão do que vimos até agora.
Vários textos de Gálatas são usados incorretamente por muitos cristãos para argumentar que os Dez Mandamentos foram abolidos e não mais precisam ser guardados. Porém, no comentário da lição 5, descobrimos a chave para compreender os textos “negativos” de Paulo sobre a lei. Em Gálatas, as seguintes expressões estão intimamente relacionadas:
Nos comentários das lições 6 e 7, estudamos que, em Gálatas 3:19-25, Paulo desenvolveu o conceito da condenação da lei. Esse é um dos textos mais importantes da carta. Nele, Paulo explicou que a lei foi proclamada no Monte Sinai “por causa das transgressões” do povo de Israel (v. 19). No Egito, os israelitas haviam perdido a noção do verdadeiro Deus, do certo e do errado, e agora precisavam reaprender. O que aconteceu no Sinai teve essa função: a lei em tábuas de pedra para ensinar que eles eram pecadores e o ritual do santuário para ensinar a solução.
Quando compreendemos Gálatas 3:19-
Quando estudamos o que Paulo escreveu sobre a função condenatória da lei, percebemos como é absurda a ideia de que os Dez Mandamentos tenham sido abolidos na cruz. Não faria o menor sentido em a lei ter sido abolida, já que o problema jamais esteve com ela, mas com o ser humano pecador (Rm 7:10; 8:3).
O fato de que, para o povo de Deus, o papel condenatório da lei tenha chegado ao fim com o sacrifício de Cristo não significa de forma nenhuma que a importância dela tenha diminuído. Ao contrário: o Messias viria para “engrandecer a lei e torná-la gloriosa” (Is 42:21, ARA). Essa profecia se realizou, pois Jesus não aboliu a lei, mas a cumpriu (Mt 5:17; Rm 3:31). Agora que a lei não mais desempenha seu papel condenatório sobre o povo de Deus, ela pode exercer com total intensidade uma função que sempre existiu e sempre existirá: de revelar a santa vontade de Deus. E, libertos da condenação da lei, estamos plenamente livres para obedecê-la (Rm 8:1, 3, 4).
Em poucas palavras, a ênfase de Paulo em Gálatas é que a lei não salva, mas apenas nos conduz a Cristo para que sejamos, de fato, justificados. Quando vamos a Cristo, deixamos de estar sob a condenação da lei, pois aceitamos pela fé a morte de Cristo, que sofreu a maldição da lei em nosso lugar. Esse é o resumo do ensino de Paulo sobre a lei.
Em Gálatas 4:1-7, Paulo usou outra ilustração para mostrar o que já havia explicado. Ele escreveu: “Digo, porém que, enquanto o herdeiro é menor de idade, em nada difere de um escravo, embora seja dono de tudo. No entanto, ele está sujeito a guardiões e administradores até o tempo determinado por seu pai” (Gl 4:1, 2).3
Mesmo que um herdeiro seja “o senhor da propriedade de seu pai por direito, por ser menor de idade, na prática ele não [é] muito mais do que um escravo” (Lição de Adultos, segunda-feira). Ele ainda não pode desfrutar plenamente da herança, porque isso só acontece quando ele atinge a maioridade.
Em seguida, vem a comparação: “Assim também nós, quando éramos menores, estávamos escravizados debaixo dos elementos do mundo. Mas, quando veio a plenitude do tempo, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei, a fim de redimir os que estavam debaixo da lei, para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4:3-5).4
Como vimos, as expressões que começam com as palavras “debaixo de” estão relacionadas à função condenatória da lei. Portanto, a expressão “debaixo dos elementos do mundo” também parece estar ligada a esse aspecto da lei. Nas cartas de Paulo, a palavra “mundo” geralmente se refere ao mundo em pecado e rebelião contra Deus (Rm 3:19; Gl 6:14). Além disso, note o seguinte paralelo:
Gálatas 4:1-7 apresenta a mesma ideia de 3:19-25: Com a vinda de Cristo, estamos totalmente livres da condenação da lei.
Em Gálatas 4, Paulo compara a situação do povo de Israel, antes da vinda de Cristo, a alguém menor de idade. Embora ele seja o herdeiro, ainda não pode desfrutar da herança. Assim, os israelitas estavam “debaixo de guardiões e administradores” (v. 2) e “debaixo da lei” (v. 5). Essas expressões se referem à lei em sua função condenatória. Deus não concedeu a lei aos israelitas como meio de salvação, mas para exercer a função de realçar seu estado pecaminoso (Rm 5:20) e fazer com que sentissem a necessidade da vinda do Messias (Gl 3:19-25).
Porém, com a vinda de Cristo, não mais estamos “debaixo de guardiões e administradores” e “debaixo da lei”. Libertos da condenação da lei, podemos desfrutar plenamente da promessa feita a Abraão, isto é, a justificação (Gl 4:6, 7).
A seguinte ilustração nos ajuda a entender melhor a função condenatória da lei. Imagine que um filho faz algo de errado. O pai o chama, repreende e castiga. O filho se arrepende e pede perdão. Porém, no dia seguinte, o pai o chama novamente e mais uma vez o repreende e castiga pelo mesmo erro. E no dia seguinte acontece a mesma coisa. E isso acontece, dia após dia. É certo isso? É claro que não! O mesmo é verdade em relação à lei. Por que ela continuaria a nos condenar se já nos conduziu a Cristo para que fôssemos justificados pela fé? Na vida daquele que foi perdoado, que está salvo
Paulo fez questão de esclarecer que não apenas os judeus, mas os pagãos também estavam sob a condenação da lei. Antes de aceitarem a Cristo, os gálatas estavam submersos na idolatria (Gl 4:8, 9). Portanto, o mundo inteiro é culpado perante Deus (Rm 3:19, 23).
No meio popular, muitos cristãos argumentam que a frase “Guardais dias, e meses, e tempos, e anos” (v. 10, ARA) mostra que o mandamento do sábado teria sido abolido. Mas é interessante notar que, entre os estudiosos evangélicos, uma interpretação mais comum é que essa seja uma referência a práticas pagãs ligadas ao calendário astrológico.5 Ainda assim, uma interpretação mais provável é que Gálatas 4:10 (bem como Cl 2:16) critica a observância de qualquer dia, inclusive o sábado semanal, como meio de salvação.6
O erro dos gálatas era tentar livrar-se da condenação da lei (isto é, alcançar a justificação) por sua própria obediência (Gl 3:10; 4:10; 5:3, 4). Ao fazer isso, estavam negando a eficácia da morte de Cristo (Gl 2:21), que é o único meio de salvação. Portanto, negavam a justificação que já haviam experimentado (Gl 3:2, 5) e voltavam ao estado de condenação em que viviam antes de conhecer a Cristo (Gl 4:8-11).
Durante o estudo de Gálatas 3:19–4:7, pode surgir a seguinte dúvida: Antes da primeira vinda de Cristo, aqueles que confiavam em Deus já não estavam salvos? Como poderiam estar sob da condenação da lei?
Podemos entender isso ao compararmos a história da salvação ao processo de uma compra realizada por meio de cheque pré-datado ou carnê. Quando fazemos uma compra usando esses meios de pagamento, levamos o produto para casa. Mas, por direito, ele não é nosso, porque ainda não foi pago. Além disso, geralmente quem dá um cheque para uma data posterior não tem aquela quantia na conta naquele momento, mas terá até o momento do cheque ser compensado.
A salvação por meio dos animais sacrificados era como um cheque pré-datado. Deus estava dizendo a Seu povo que confiasse na promessa de que um dia Ele “cobriria esse cheque”. Na cruz, quando estava prevista a data de compensação do cheque, Deus tinha dinheiro mais que suficiente na conta.
Durante a época do Antigo Testamento, as pessoas eram salvas com base no que ainda seria realizado por Cristo. Foi somente na morte de Cristo que, perante a lei de Deus, foi realizado o pagamento de todos os pecados anteriormente cometidos (Rm 3:25, 26; Hb 9:15). Então, Cristo adquiriu o “o direito de resgatar todos os que vão a Ele em verdadeira fé e submissão” (Lição de Adultos, terça-feira).
Também pode existir a dúvida oposta: Se, na cruz, Cristo nos resgatou da maldição ou condenação da lei, isso significa que ela perdeu seu papel de condenar até sobre os ímpios?
É verdade que, em Gálatas 3:19–4:7, Paulo se refere primariamente à experiência do povo de Israel. No entanto, a história desse povo se repete na vida de cada um de nós. Antes de aceitarmos a Cristo, estávamos condenados como transgressores diante de Deus. Quando o Espírito Santo tocou nosso coração, a lei mostrou nosso pecado e nos conduziu a Cristo. Nesse momento, fomos justificados, isto é, libertos da condenação da lei.
O que Cristo realizou na cruz tem pleno efeito apenas para aqueles que O aceitam como Salvador. Por isso, os gálatas que negavam a justificação pela fé viviam novamente “debaixo da lei” (Gl 3:10; 4:21), assim como muitos judeus (1Co 9:20). Eles ainda estavam sob a condenação da lei.
Num sentido mais restrito, a mesma experiência se repete quando pecamos deliberadamente. Nesse momento, o Espírito Santo mostra que transgredimos a lei e então vamos a Cristo em busca de perdão.
1. Aceitos por Deus
“O pecador, que está a perecer, pode falar: ‘Sou um pecador perdido; mas Cristo veio buscar e salvar o que se havia perdido. [...] Sou pecador, e Ele morreu na cruz do Calvário para me salvar. Nem um momento mais preciso ficar sem me salvar. Ele morreu e ressuscitou para minha justificação, e me salvará agora. Aceito o perdão que Ele prometeu.’”8
“Alguns experimentaram o amor perdoador de Cristo e desejam realmente ser filhos de Deus, mas reconhecem que seu caráter é imperfeito, que sua vida possui faltas, e chegam a ponto de duvidar se seu coração foi renovado pelo Espírito Santo. A esses eu desejo dizer: Não recuem
“Mesmo quando somos vencidos pelo inimigo, não somos repelidos, nem abandonados ou rejeitados por Deus. Não! Cristo está à direita de Deus, intercedendo por nós. [...] Ele deseja nos atrair de novo a Si, e ver refletidas em você [e em mim] Sua pureza e santidade. E se você apenas se entregar a Ele, Aquele que começou a boa obra em você irá continuá-la até o dia de Jesus Cristo. [...]
“Quanto mais perto você chegar de Jesus, mais cheio de faltas parecerá a seus próprios olhos; porque sua visão será mais clara e você verá suas imperfeições em amplo e vivo contraste com a natureza perfeita de Cristo. Isso é prova de que os enganos de Satanás perderam seu poder; que a influência renovadora do Espírito de Deus está a despertar você.”9
Por meio da salvação, “não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um
“O inculto e o sábio, o rico e o pobre, o gentio e o escravo, brancos ou negros – Jesus pagou o resgate da salvação deles. [...] O nome do negro é escrito no Livro da Vida ao lado do nome do branco. Todos são um em Cristo. [...] As pessoas poderão ter preconceitos hereditários e cultivados, mas quando o amor de Jesus inunda o coração, e elas se tornam um com Cristo, terão a mesma atitude que Ele teve.”11
Para o enriquecimento de nosso estudo, acredito que seja interessante ver brevemente o que os teólogos adventistas têm escrito a respeito da lei em Gálatas nos últimos anos. Com esta série de comentários, meu objetivo tem sido tornar acessíveis esses materiais acadêmicos. Mas, nessas fontes, você poderá encontrar informações mais detalhadas sobre o que temos estudado.
Os eruditos adventistas têm destacado que os textos “negativos” de Paulo sobre a lei estão relacionados à condenação da lei. Vários estudos mostram que estar “debaixo da lei” significa estar “debaixo da maldição da lei” ou “debaixo da condenação da lei”
A respeito da condenação da lei, o Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia afirma: “Estar livre da lei [Rm 7:6; cf. Gl 3:23, 25; 4:5] significa estar redimido de sua ‘maldição’ (Gl 3:13). [...] A maldição é a consequência decorrente para aquele ‘que não confirmar as palavras desta lei, não as cumprindo’ (Dt 27:26). [...] A maldição não era a lei propriamente dita, nem mesmo a desobediência, mas o resultado da desobediência: a morte. A lei destinava-se a proteger a vida; aquele que a observasse viveria (Lv 18:1-5). Mas a humanidade desobedeceu à lei, e a desobediência trouxe morte. Sob tais condições, só havia uma maneira de obter vida: pela fé (Hc 2:4). [...] Cristo não era criminoso, mas foi tratado como tal para que não fôssemos tratados dessa maneira. Por Sua morte, Cristo não removeu a lei nem a obediência à lei; o que Ele removeu foi a maldição. Cristo libertou os que estavam sob maldição, levando sobre Si a maldição da lei.” 14
Nos últimos anos, vários estudiosos adventistas têm explicado que a chave para se entender os textos “negativos” de Paulo sobre a lei é o fato de que tratam da “função condenatória” da lei.15 Essa função consiste em “condenar o pecado e trazer juízo [condenatório] sobre os pecadores”.16 Outro autor explica que essa função é “realçar a condição do pecador e apontar para Aquele que pode tornar o livramento uma realidade”.17 Nesta série, temos reunido as definições desses autores como segue:
O teólogo adventista Ángel Manuel Rodríguez mostra como Gálatas 3:19–4:7 apresenta a função condenatória da lei: “Paulo atribui à lei um papel [condenatório] específico: ela é o carcereiro que impede a fuga dos prisioneiros (Gl 3:23) e se certifica de que eles estão debaixo da maldição, merecendo a morte (v. 13). Mas a lei teve essa função apenas por um período limitado de tempo, até a vinda do Salvador prometido. [...] Ele nos livrou da maldição da lei e da prisão do pecado, quando nasceu debaixo da lei (Gl 4:4, 5) e Se tornou maldição por nós (Gl 3:13). [...] Por meio de Cristo, a lei não pode exercer sua função condenatória sobre aqueles que creem (v. 13).” 18
Portanto, na cruz, não foi a lei em si que chegou ao fim, mas apenas o “aspecto condenatório da lei”19 em relação ao povo de Deus. Uma das ideias mais importantes de Gálatas é que, “quando Cristo veio, a lei perdeu sua função histórica como tutor”,20 ou seja, Cristo “deu fim à função condenatória da lei para aqueles que nEle creem”.21
A compreensão de que Gálatas trata desse papel específico da lei tem levado os estudiosos adventistas a defendê-la com mais profundidade do que em qualquer momento do passado. À medida que se aproximar o término de nossa missão, o evangelho da graça e a lei de Deus serão exaltados com maior intensidade (cf. Ap 12:17; 14:12) e com argumentos cada vez mais poderosos.22 Logo após a assembleia de 1888, Ellen G. White escreveu: “Ainda há muita luz que brilhará da lei de Deus e do evangelho da justificação. Essa mensagem, compreendida em seu verdadeiro caráter e proclamada no Espírito, iluminará a Terra com sua glória [Ap 18:1].”23
Nenhum comentário:
Postar um comentário