domingo, 15 de julho de 2012

Tessalônica nos dias de Paulo (comentário ao estudo nº 03)





Para apreciar a importância da cidade de Tessalônica no mundo romano do primeiro século e compreender as vantagens estratégicas obtidas pelo avanço do evangelho nela e a partir dela é necessário considerar sua localização geográfica. Já se disse que “a história de um povo é inseparável da região em que habita”.

O grande progresso da cidade aconteceu, em grande parte, devido à união entre a terra e o mar, o porto e a estrada, que facilitou o crescimento do comércio entre a Macedônia e todo o império romano. Nenhum outro local em toda a região oferecia tantas vantagens como as de Tessalônica.

Seguindo pela Via Egnátia os apóstolos percorreram os 160 quilômetros de Filipos a Tessalônica, com prováveis paradas noturnas em Anfípolis (cerca de 50 km de Filipos) e Apolônia (a 48 km de Anfípolis). Eles não pregaram nesses dois pequenos povoados, provavelmente por não haver sinagoga.

OS ROMANOS CHEGAM A TESSALÔNICA

Um dos fatores de maior destaque para o desenvolvimento de Tessalônica foi sua localização sobre a Via Egnátia. Por isso, cabe aqui uma informação complementar sobre a importância dessa estrada, ligada ao fato de que Paulo sabia usar os recursos disponíveis na época para acelerar o processo de evangelização. Era uma rota militar, construída pelos romanos, entre os anos 146 e 120 a.C.

Em realidade, o caminho era uma extensão da Via Ápia que saía de Roma e passava pelo sudoeste da Itália até chegar à cidade portuária de Brindisi. Portanto, servia como elo entre Roma e o leste. Constituía um instrumento vital no programa de expansão do império romano. Era também fator decisivo no desenvolvimento da vida religiosa porque representantes dos diversos cultos passavam pela cidade ou se estabeleciam nela.

A grande estrada romana, a Via Egnátia, começava em Neápolis e passava por Filipos, Anfípolis (At 16:12), Apolônia e Tessalônica, depois dirigia-se a oeste, atravessando a Macedônia até a praia do mar Adriático em Dirráquio (na atual Albânia, frente a Brindisi), de onde  os viajantes podiam atravessar para a Itália e, pela via Ápia, chegar a Roma. As campanhas missionárias de Paulo foram muito facilitadas onde havia boas estradas, as “rodovias expressas” do mundo antigo (Atos: Introdução e Comentário).

De todas as cidades e aldeias ao longo dessa estrada, Tessalônica era a maior e mais influente. Localizada no atual Golfo de Salônica, era um importante centro comercial, fundada em 315 a.C., por Cassandro, general de Alexandre Magno. Cassandro se casou com a irmã de Alexandre e o nome dela era Tessalônica. A cidade foi edificada na forma de um anfiteatro nas colinas no fundo da baía. A estrada atravessava o centro da cidade, como prova um vestígio dela. Em Tessalônica a via é chamada pelo antigo nome: a Inácia; e parte da rua que segue seu trajeto tem o mesmo nome, até hoje.

Quando os romanos conquistaram a Macedônia, dividiram-na em quatro partes. Tessalônica foi a capital de uma delas. Mais tarde (146 a.C.) tornou-se a capital de toda a província da Macedônia.  Atualmente, Salônica é a segunda maior cidade da Grécia, tendo uma população de cerca de 300 mil pessoas. Uma estrada de ferro liga a cidade a Atenas. Uma das relíquias mais famosas da antiguidade é o arco do triunfo do Imperador Constantino.

UMA RESPOSTA PAGÃ A ROMA

Quando Paulo e seus companheiros chegaram pela primeira vez em Tessalônica para pregar o evangelho, não entravam em um lugar carente de religiosidade. Os tessalonicenses eram adoradores de várias deidades, e a proclamação de Cristo os desafiava a abandonar seu culto anterior respondendo a seus mais profundos anelos e inquietudes religiosas. Era um povo imerso em um mundo cheio de deuses (veja 1 Ts 1:9).

Na região, Atenas não era a única cidade “cheia de ídolos”, cujos habitantes eram 
sumamente religiosos em tudo que faziam (At 17:16, 22). Tessalônica também era o lar de um grande número de deidades, às quais as pessoas dedicavam devoção religiosa genuína.

Em Tessalônica, a religião cumpria funções sociais e políticas. Seria um erro separá-la dos demais aspectos da vida cotidiana da cidade. A união entre a religião e a política chega a seu clímax no culto ao imperador. A adoração do rei como deus tinha uma tradição longa no leste, especialmente na Macedônia. A cidade de Tessalônica desfrutou de grandes benefícios por causa de sua relação privilegiada com Roma.”

Várias deidades se associaram especialmente com a cidade de Tessalônica, como o culto a Cabirus. Os Cabirus eram deuses cujo culto se centrava na ilha de Samotrácia (At 16:11), e essa religião possivelmente tivesse chegado a Tessalônica diretamente dali. Em Samotrácia eram adorados dois Cabiri, pai e filho, mas o culto em Tessalônica se transformou e se dirigiu somente a um deles, o Cabirus.

Estrabão descreve o culto a Cabirus por sua atividade enlouquecida, inspirada pelo som de gritos, flauta, címbalo e tambor, acompanhada de danças frenéticas. É provável que muitos dos cristãos convertidos do paganismo, em Tessalônica, tivessem participado dos ritos de Cabirus, que eram impregnados de excessos sexuais (1Ts 1:9). Daí a importância dos conselhos de Paulo relativos à pureza sexual dos novos crentes (Eugenio Green, 1 y 2 Tesalonicenses).

O EVANGELHO COMO PONTO DE CONTATO

Apesar de tudo, “a adoração a Cabirus era um culto redentor escatológico local, popular entre o proletariado, que possuía algumas semelhanças estruturais superficiais com o Evangelho cristão. Depois que perderam o que a fé recentemente adquirida lhes propiciara, alguns dos adeptos originais do culto a Cabirus encontraram no Evangelho um substituto adequado. Ocorreram mudanças na sociedade tessalonicense com a troca para o poder romano e a chegada de novos habitantes com poder governamental e comercial. Essa mudança de poder contribuiu para uma situação social na qual o Evangelho escatológico paulino era visto com simpatia” (Dicionário de Paulo e suas Cartas, p. 1194).

PAULO, O PREGADOR DE RUA

Paulo tem muitas coisas em comum com os filósofos, seus contemporâneos, e também muitas diferenças. Paulo, como os platônicos, tinha o entendimento de Deus como ser não limitado à matéria, mas ele não pensava que Deus está distante do mundo material. Paulo imaginava Deus envolvido em Sua criação, onde Ele Se revela, chama as pessoas ao arrependimento e à fé em seu Filho Jesus.

Enquanto a filosofia afirmava que a maneira de obter o conhecimento de Deus e do mundo era raciocinar a partir de certos princípios, para Paulo esse conhecimento só poderia ser recebido como revelação de Deus, intermediada pelo Espírito.

Paulo considerava-se ministro do evangelho. Isso acarretava um trabalho árduo, e ele enfrentou forte oposição, sofrimento e prisão. Contudo, estava ansioso para anunciar o Evangelho, principalmente nos lugares em que ainda não o tinham ouvido. Era tarefa específica de Paulo pregar o evangelho aos gentios. E ele o fez em todas as circunstâncias possíveis.

IGREJAS NOS LARES
O uso da importante palavra grega “ekklesia”, que significa “congregação”, “igreja”, “reunião” ou “assembleia”, faz parte do ensinamento paulino a respeito do povo de Deus. Cronologicamente, o primeiro uso desse termo ocorre em 1 Tessalonicenses 1:1, na saudação aos cristãos de Tessalônica.

O termo é usado para reunião em uma casa particular, isto é, uma “igreja doméstica”. Às vezes, a congregação inteira de uma cidade era pequena o bastante para se reunir na casa de um de seus membros. É preciso lembrar que só em meados do terceiro século o cristianismo passou a ter propriedades com o propósito de culto.

Há exemplos de igrejas nos lares de Ninfa, em Laodiceia (Cl 4:15); de Filemon, em Colossos (Fm 1, 2); e de Lídia, em Filipos (At 16:15, 40). Em Corinto, Gaio é descrito como anfitrião de “toda a igreja” (Rm 16:23).

Nos primeiros séculos do cristianismo, o uso das casas dos membros da igreja para reuniões de adoração e propósitos evangelísticos serve de modelo e inspiração para nossos modernos “pequenos grupos nos lares”.

O estudo das ações e estratégias missionárias de Paulo nos ensina a melhor forma de aplicar os princípios e as lições que Deus colocou nas Escrituras.

Na próxima semana entraremos diretamente no estudo do texto paulino da primeira carta aos tessalonicenses. Assim sendo, coloco aqui rápidas considerações sobre as...

CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DE PAULO, O ESCRITOR

Paulo escreveu tanto, e em épocas tão distintas de sua vida, que não é possível falar de um só estilo. Em geral, a compreensão de seus escritos não é tão fácil ao leitor do século 21 pelas seguintes razões:

1. Seus contínuos arrazoados

De pensamento muito lógico, Paulo gostava de comprovar o que ensinava, como também de demonstrar os erros de seus oponentes. De seus métodos de pregação, Lucas diz que ele entrava nas sinagogas e disputava; qualquer ambiente era-lhe propício para discutir e colocar em xeque sofismas enganosos.

Paulo tinha um estilo de arrazoado condensado e convincente. Era hábil no uso de paradoxos e contrastes. Com um golpe destruidor, detonava um sofisma ou uma ideia distorcida. Com poucas palavras, colocava a verdade sob luz meridiana.

2. Seus parêntesis

Ao ditar suas cartas, fazia frequentes referências a outros temas, apartando-se, às vezes, do tema principal, ao que nem sempre retomava no ponto em que o havia deixado. Esses arrazoados às vezes tomam a forma de um argumento dentro de outro argumento. Esse método pode até dificultar a captação imediata de seu ensino, mas sempre faz avançar a verdade que está sendo desenvolvida. Com frequência, lança uma torrente de luz sobre coisas que de outra maneira permaneceriam obscuras.  
  
3. Suas abundantes citações do Antigo Testamento

É necessário ler detidamente a passagem citada para entender claramente de que se trata. Muitas vezes, as citações são fragmentos diversos de textos e passagens do AT. Lembre-se de que a educação de Paulo foi exclusivamente judaica. As referências às vezes concordam com o original hebraico, e outras, com a Septuaginta.

4. Seu temperamento apaixonado, entusiasta e dinâmico

O tipo de personalidade de Paulo o levou a deixar de lado os cânones habituais de redação.

No tocante à estrutura de certas frases, às vezes há pensamentos que parecem não haver sido de todo completados. O autor deixa uma palavra sem a devida concordância com o resto do pensamento expresso na frase (isso se chama anacoluto). Há cláusulas que permanecem aparentemente truncadas.

Isso, em parte, deve-se ao fato de que Paulo ditava suas cartas. Possivelmente, ele não tivesse tempo para reler seu conteúdo. Não se pode estranhar que usasse uma linguagem elíptica para acelerar suas frases, movido que era pelo profundo sentimento que impulsionava sua vida. Para ele, o que importava fundamentalmente era o pensamento e a doutrina a serem expressos. O estilo permanecia completamente subordinado ao que ele queria ensinar. Daí o fluir das ideias que não se detêm diante de considerações de ordem rigorosamente metódica para expor os pensamentos. Por isso, às vezes, falta uma ordem aparente, que de maneira nenhuma deprecia sua mensagem.

5. A tradução de certas palavras gregas 

No que se refere à gramática, a linguagem usada por Paulo é correta. Suas expressões são as mais variadas e ricas do Novo Testamento. 

Talvez por isso, em nossas versões disponíveis frequentemente aparecem palavras gregas traduzidas como nexos explicativos, como:“pois”, “pelo qual”, “porém”, “porque”, “mas”, “portanto”, “todavia”, etc. Desta maneira, a argumentação continua versículo a versículo, capítulo após capítulo. Nem sempre há o que hoje chamamos de “ponto final”. Isso pode tornar complexa a apresentação da verdade desenvolvida. Onde João usaria simples e unicamente a palavra “kai” (e), o apóstolo dos gentios emprega todas essas outras palavras que vão entrelaçando seus períodos e cláusulas, nos quais se relaciona um pensamento após outro, sempre ligados com nexos explicativos.

6. Pregando um evangelho para todos os homens, sem considerações nacionais ou raciais, Paulo revelou de maneira mais definida e completa o plano da redenção. Apresentou a descrição mais gráfica da condição do pecador: designando o pecado com vários termos (delito, transgressão, desobediência, ofensa, iniquidade, impiedade, inimizade, etc.). Mais: descreveu o pecado em seus três aspectos: como um fato (violação da lei de Deus); como um princípio (hostilidade contra Deus) e como um estado (carência da verdadeira justificação). Destacou a soberania de Deus. Escreveu amplamente acerca dos propósitos divinos, a graça, a justiça e o amor do Eterno. Dirigiu todos os olhos à cruz; destacou a todos o sepulcro vazio, e tem erguido os pensamentos dos leitores para o trono ocupado pelo Cristo ressuscitado. Este é o tema supremo de Paulo.

Seu enfoque cristológico também é particular: não fala muito dos milagres e palavras de Jesus, porém destaca com propriedade Sua morte e ressurreição. Pela encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus, fica assegurada ao pecador arrependido a posse de uma justiça perfeita, a mesma justiça de Deus, atribuída gratuitamente aos homens.

7. O Adventismo de Paulo – as epístolas de Paulo estão repletas de detalhes específicos acerca da segunda vinda de Cristo, a ressurreição dos mortos, a libertação de toda a criação que geme sob o pecado do homem e a restauração final de todas as coisas ao eterno domínio de Deus.

Por todas estas coisas, 
“nosso amado irmão Paulo, vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe tem sido dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes deturpam (2Pe 3:15, 16).

Este capítulo está fundamentado no curso de “Epístolas del Nuevo Testamento” – do prof. Humberto Raul Treyer.

Pr. JSilvio  Ministerial – Paulistana




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