Introdução
Nesta semana, apesar de a lição ter um título mais genérico, o assunto gira em torno da relação entre roupas e eventos da vida de Cristo, especialmente Seus últimos dias. Como vimos ao longo de todo o trimestre, as vestes na Bíblia apontam para significados muito mais profundos do que imaginamos.
Essa é uma característica dos símbolos. São signos, emblemas ou insígnias (na maioria das vezes simples) que representam objetos, ideias e circunstâncias mais abrangentes do que eles mesmos. Por exemplo, um semáforo. Suas três sinalizações em cores diferentes representam ordem, lei, responsabilidade, respeito, segurança e um aviso para seguir, prestar atenção ou parar. Uma aliança de casamento, por sua vez, aponta para compromisso, sonhos, fidelidade, família e maturidade.
No caso do estudo desta semana, as vestes apontaram para cura e perdão (domingo); humildade (segunda); autocondenação (terça); humilhação (quarta); e cumprimento profético (quinta). E é essa divisão do tema que vou utilizar neste comentário.
A confiança que a mulher enferma depositou no toque na roupa do Mestre fica mais evidente e comovente ao entendermos um pouco de sua dor. Dos evangelistas, Marcos é aquele que conta essa história com mais detalhes (Mc 5:24-34). A situação dela era desesperadora por três razões: era mulher, estava doente e sua enfermidade estava relacionada com fluxo de sangue.
Depois de tantas conquistas importantes das mulheres nas últimas décadas, é difícil imaginar um tempo em que o sexo feminino fosse tratado com tamanha desigualdade e injustiça. No tempo de Jesus, havia tristeza quando uma menina nascia (lamentava-se o fato de não ser menino); os filhos eram ensinados a respeitar mais o pai do que a mãe; a esposa era obrigada a tolerar a poligamia, mas seria apedrejada se adulterasse; a mulher servia ao marido como se fosse uma criada; e seu testemunho numa ação judicial dificilmente teria algum valor.
Um segundo agravante para sua situação é que ela estava doente. Na cultura daquele tempo, enfermidade era sinônimo de castigo divino (algo parecido ao que ensinam os defensores da teologia da prosperidade). Logo, se ela padecia a tanto tempo, provavelmente era uma grande pecadora. Além da dor física, essa mulher era oprimida por terrível complexo de culpa.
O terceiro fator que levava aquela mulher a ser marginalizada, era a natureza de sua doença. Uma lei levítica, com fins sanitaristas (Lv 15:25-27), havia sido levada ao extremo pelos contemporâneos de Jesus. Com sangramentos constantes, ela não poderia frequentar o templo nem a sinagoga. E depois de mais de uma década com esse mal, ela deve ter sido repudiada pelo esposo, perdido a companhia dos amigos e familiares, bem como a guarda dos filhos.
Somado a esses fatores angustiantes, aquela mulher teve que lidar com a ineficácia da medicina de sua época (v. 26), que mais parecia com magia do que ciência. Provavelmente, ela tivesse sido submetida a tratamentos ridículos, como segurar um copo numa encruzilhada e ser surpreendida pelas costas; ou comer um grão de cevada retirado das fezes de uma mula branca.1
Diante desse contexto, fica mais fácil entender porque a mulher se esforçou tanto para ao menos tocar as vestes de Cristo. Ela enfrentou a multidão e a vergonha de seu sangramento para conseguir a cura. E valeu a pena! Mesmo recebendo tantos empurrões fortuitos, Jesus sentiu que, por causa daquele toque de confiança, dEle saíra poder.
Se o problema daquela mulher fosse apenas físico, Cristo poderia ter seguido Seu caminho para a casa de Jairo e ela teria ficado no anonimato. Mas Jesus queria oferecer o mais importante: perdão e salvação. Aquela mulher precisava compreender o verdadeiro caráter de Deus, a fim de que tivesse uma relação com Ele baseada no amor e não no medo.
Cristo se dirigiu a ela chamando-a carinhosamente de “filha”. Além de carinho, essa expressão apontava para o novo status espiritual daquela mulher (Gl 4: 4,5): Ela havia sido adotada pela graça divina. Seu passado foi perdoado e ela passou a ser uma legítima herdeira do Rei. Ao exaltar publicamente o ato daquela mulher, Jesus tornou o toque discreto num testemunho poderoso. Seu gesto inclusivo reintegrou socialmente a mulher outrora desgraçada e marginalizada; e evitou que ela e a multidão alimentassem alguma superstição quanto às Suas vestes.2
O estudo em conjunto dos relatos do pedido egoísta dos dois discípulos (Mt 20:20-28) e da iniciativa de Jesus no lava-pés, apresenta lições importantíssimas para os líderes e cristãos
Intencional porque ele não se dá naturalmente. Logo, os anos “que você tem de igreja” não o tornam, necessariamente, um cristão maduro. Há muitos “cinquentões na fé” que são bebês espirituais. Muitos cristãos estagnaram no batismo: o que sabem, creem e vivem não representa progresso em relação a quem eram quando abraçaram a fé.
A disputa pelo poder, ciúme e divisões numa igreja são evidências de que essa congregação precisa aprender a ser uma comunidade e a crescer espiritualmente. Paulo disse que gostaria de dar alimento sólido para os coríntios, mas teve que se contentar em dar leite, porque eles ainda eram “carnais” (1Co 3:1-9).
Crescimento espiritual é também uma caminhada vitalícia, porque ninguém se gradua e nem pega diploma na “escola de discipulado de Cristo”. Crescer é uma decisão individual diária, que envolve renúncia, obediência e esforço. É a atitude permanente (ainda que vez ou outra vacilante) de seguir as pegadas do Mestre e ser mais semelhante a Ele.
Os discípulos demoraram a entender isso, assim como eu e você. Mateus cita que a mãe de Tiago e João foi quem pediu que Jesus desse um lugar de destaque para seus dois filhos. Já Marcos (10:35) diz que a solicitação veio dos filhos. Os textos são complementares e mostram que, provavelmente, a mãe dos jovens tivesse intercedido pelos dois, porque esse era um pedido deles mesmos. Tiago e João não estavam contentes com a promessa de que os doze teriam tronos e julgariam Israel (Mt 19:28); eles queriam se sentar mais perto de Cristo, não por desejarem ter mais intimidade com o Mestre, mas porque almejavam destaque e poder.3
A ambição deles era tamanha que nem atentaram para o destino cruel que teria o Rei do reino que eles cobiçavam (Mt 20:17-19). Jesus lembrou aos dois que segui-Lo significava tomar a cruz como Ele tomaria e beber do mesmo cálice (v. 22 e 23). Apesar de não terem apoiado Jesus até o Calvário, Tiago e João seguiram os passos do Mestre. Tiago foi morto por Herodes (At 12:2) e João, apesar de não ter morrido como mártir, enfrentou o exílio na Ilha de Patmos.4
Jesus também advertiu a todos os discípulos de que a lógica natural, mas pecaminosa, exercida pelo poder secular não poderia ditar a dinâmica da igreja (v. 25 e 26). E os doze sabiam o quão tirano era o domínio de um império inimigo, porque subjugados a Roma. Cristo disse que a lógica do Seu reino é outra, é a lógica do serviço (v. 27). Por tanto, Ele daria o exemplo supremo, morrendo pela humanidade (v. 28).
O verso 3 destaca a lógica do reino de Deus. É exatamente pelo fato de Jesus ser divino, investido de toda a autoridade e glória do Céu, que Ele é o primeiro a servir. Aquela atitude constrangeu os discípulos de modo que eles ficaram mudos. Se fossem visitas em qualquer outra casa, caberia ao servo lavar os pés dos hóspedes, mas como ali não havia anfitriões, quem faria o papel de servo? Para espanto e aprendizado de todos: o próprio Cristo!
O constrangimento foi tamanho que Pedro rompeu com o silêncio, se recusando a deixar que Jesus lavasse seus pés (quem sabe, mais uma vez, ele tivesse falado em nome do grupo). Cristo disse que havia algo mais profundo naquele gesto de humildade, que Pedro só entenderia depois da Sua ressurreição (v. 7). O fato é que a lição estava dada (v. 13): Se Jesus que era Senhor e Mestre de todos ali, lavou os pés dos discípulos, o mesmo deveriam fazer Seus enviados (em grego, apóstolos).5
Em Sua vida terrestre, Cristo representou como ninguém a lei que rege o Universo. Segundo Ellen White, na sustentação dos astros no espaço, no ciclo de chuvas e evaporação da água, na mecânica dos ecossistemas ou mesmo no complexo funcionamento do corpo humano, tudo na natureza existe para servir. O plano de Deus é que a manutenção da vida esteja fundamentada na doação (O Desejado de Todas as Nações, p. 9). Ela argumenta também que o pecado quebrou essa lei, prejudicando toda a humanidade. “Não há nada, a não ser o coração egoísta do homem, que viva para si”, completa.
Foi com Lúcifer que teve início essa lógica deturpada, a da supremacia. “E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, eserei semelhante ao Altíssimo. E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo” (Is 14: 13-15). Esse conhecido texto mostra a natureza da rebelião de Lúcifer. Em apenas três versos, o plano do inimigo é expresso por cinco verbos conjugados na primeira pessoa do singular (eu). Além disso, a sequência do texto descreve um ser que aspirou subir posições até ser semelhante ao Altíssimo. Qual é o resultado dessa audaciosa, mas utópica empreitada? Ruína: o diabo será jogado no abismo. Quem não tem escrúpulos para chegar ao topo, vai ter que se contentar com o abismo.
No entanto, a descrição que a Bíblia faz de Jesus é absurdamente oposta à de Lúcifer. Quando Cristo “tirou a vestimenta de cima” e lavou os pés dos discípulos, Ele fez o papel de servo. Em Filipenses 2:5-
Incoerência e descontrole foi o que marcou o julgamento de Jesus. Incoerência porque todos os passos de um processo judicial foram quebrados ou manipulados:
Descontrole, porque o ódio cegou os “juízes”. Os líderes judeus viram que não conseguiriam nenhuma acusação grave o bastante para condená-Lo à pena capital. Por isso, apelaram para o testemunho falso de duas pessoas que davam margem à acusação de blasfêmia. Quando Jesus disse que Se assentaria à direita do Pai, Caifás não se conteve e cometeu o sacrilégio de rasgar as vestes (Lv 21:10), profanando um dos maiores símbolos da religião judaica, e atraindo sobre si a pena de morte.
As vestes rasgadas do sacerdote apontaram para o fim do sistema sacrifical terrestre, assim como o véu do santuário que se rasgou de cima a baixo, quando Jesus expirou naquela sexta-feira à tarde (Mt 27:51). O inocente (Jesus) foi condenado pelo culpado (Caifás); e o sumo sacerdote apostatado (Caifás) seria substituído no ofício, no santuário celestial, pelo único digno de ocupar a função sumo sacerdotal (Jesus).
Na lição de terça, os sacerdotes são retratados zombando da autoridade espiritual de Jesus (Mt 26:67 e 68). Já na lição de quarta, são os soldados romanos que zombam da autoridade política de Cristo. Ao receberem o Mestre, poderiam levá-Lo logo para a execução, no entanto, optaram por encenar uma paródia para ridicularizar Aquele que consideravam o “patético rei da Galileia”.
Vestiram Jesus com roupas reais, colocaram em Sua cabeça uma coroa de espinhos7, deram a Ele um caniço no lugar de um cetro, O saudaram, O honraram e em lugar do tradicional beijo de respeito, lhe cuspiram no rosto. Os soldados romanos estavam acostumados a ser cruéis, mas não tinham noção de que estavam diante do verdadeiro Rei. Mas o sofrimento de Cristo precederia Sua entronização, e Sua rejeição precederia Sua aceitação.8
Pior do que ser vestido com roupas de zombaria é estar nu diante de uma multidão escarnecedora. E foi isso o que Jesus passou na cruz. Esse trecho dos evangelhos (Jo 19:23 e 24; Mt 27:35) faz referências diretas ao Salmo 22. Em Mateus 27:46, Jesus já havia citado Salmos 22:1: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Lembrar dessa profecia durante Sua crucificação, de certa maneira, foi um consolo para Jesus, bem como ver os soldados repartindo e lançando sortes sobre Suas vestes. Enquanto os soldados dividiam a capa de Cristo em suas quatro costuras e sorteavam Sua túnica (peça única), o Filho de Deus enxergava as implicações proféticas desse gesto e de Seu sacrifício (Sl 22:18).
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