Já que a lição desta semana destaca a
importância de se conhecer como Deus tem proclamado as boas-novas da salvação,
seria interessante enfatizar alguns aspectos importantes da história da missão,
após o período do relato bíblico. A tarefa quase impossível aqui é ressaltar em
pouco espaço como a pregação do evangelho foi preservada durante todos esses
anos, bem como a inspiração e as lições que devemos extrair da história da
missão.
I. Pré-Cristandade
Logo após o Pentecostes, o livro de Atos
registra a oportuna perseguição que espalhou os cristãos a partir de Jerusalém.
Num primeiro momento, a prática cristã primitiva era essencialmente judaica. “Após o Pentecostes, Pedro, Tiago e João
continuaram a adorar no templo, ‘milhares [de] judeus [...] creram, e todos
[eram] zelosos da lei’ (At
21:20)” (Robert A. Blincoe, “Como as águas cobrem o mar”, Perspectivas,
p. 228). Num segundo momento, o evangelho alcançou os gentios, através do
ministério de Paulo e outros. Pouco a pouco, o cristianismo se expandiu entre
os não judeus. É importante notar que a Bíblia menciona as atividades
evangelísticas dos apóstolos, mas também cita Barnabé, Timóteo, Filipe e suas
quatro filhas, e muitos outros cristãos como Lídia, Áquila e Priscila, que não
se dedicaram ao evangelismo em tempo integral, mas ajudavam na divulgação do
evangelho. Com o tempo, os dois grupos cresceram.
Os cristãos aproveitavam todas as oportunidades para compartilhar o evangelho.
Eles se beneficiaram da Paz Romana, do sistema de estradas que conectava todas
as partes do império e do idioma grego, que era a língua comum do comércio e do
governo. A fé em Jesus
Cristo apelava a pessoas de todas as classes que lutavam
contra o vazio espiritual, trazendo-as não somente para um relacionamento com
Deus, mas também as tornava membros de uma comunidade amorosa de crentes (Introducing
World Mission, p. 98)
No ano 180, os cristãos já eram encontrados em todas as províncias do império,
muitas vezes tendo o evangelho sido levado pelos soldados. Por outro lado,
Orígenes faz referência a um número cada vez maior de cristãos que empregavam
seu tempo essencialmente no evangelismo (citado em Introducing World Missions, p. 95). De forma que, em 313, o número
de cristãos já chegava a vários milhões.
No entanto, esse crescimento não aconteceu sem um preço. “Sem reconhecimento legal, os cristãos
enfrentaram o perigo de se encontrarem para adoração sem a sanção pública. Sua
comunhão causava incompreensões que levavam a rumores sobre imoralidade sexual,
canibalismo e até mesmo ateísmo. As ações pareciam hostis aos valores
tradicionais (pois não prestavam homenagens ao imperador e muitos eram
pacifistas)”. Mas até isso
foi transformado em bênçãos, já que o sangue dos mártires foi a semente da
igreja.
II.Cristandade
Nos mil anos seguintes, o cristianismo se
espalhou em um círculo crescente que alcançou a Espanha e a Irlanda para o
Ocidente, a Escandinávia e a Rússia para o norte, a Etiópia para o sul e a
Índia e a China para o Oriente. Em alguns lugares, o cristianismo cresceu a
ponto de países se tornarem oficialmente cristãos, como aconteceu na Armênia e
o império romano. Esse casamento destinado ao fracasso entre igreja e estado é
chamado de Cristandade (Introducing World Missions, p. 94).
Em 313, o Edito de Tolerância do imperador Constantino passou a permitir a
prática de qualquer adoração que uma pessoa escolhesse e marcou o momento de
transição do status do cristianismo. Em 380, Teodósio tornou o cristianismo a
religião oficial do império. Nesse ponto, o cristianismo deixou de ser
exclusivamente judeu e se adaptou ao mundo romano.
A partir de então, grandes grupos se interessaram pela igreja por várias
razões. Alguns aceitaram o evangelho e outros viram a chance de avançar
socialmente. “Infelizmente, em
consequência de o cristianismo haver se tornado a religião estatal, milhares de
pagãos nominais passaram a ser membros nominais da Igreja” (Blincoe, p. 229). A formação de países
cristãos impulsionou uma compreensão territorial e cultural do cristianismo que
durou até o século 20. Infelizmente, o poder da espada frequentemente foi o
responsável pela conversão dos obstinados. Durante esse período, esperava-se
que todos fossem cristãos ou seriam inimigos do estado. Burgúndios, francos,
tribos árabes, lituanos, russos e ucranianos, entre outros, se tornaram
cristãos em grupos, foram batizados sem preparo adequado e formaram um
cristianismo nominal. Conversões forçadas frequentemente resultavam em
promessas verbais à fé.
Durante esse período, o trabalho dos monges e freiras foi de suma importância
para a evangelização. “Sem a
atuação e o trabalho desses homens e mulheres dedicados, o cristianismo poderia
ter permanecido superficial entre o povo comum” (Introducing World Missions, p. 104). Muito da evangelização da
Irlanda, Inglaterra, Escócia e a Europa continental se deveu ao ministério dos
monges itinerantes. “A igreja
celta reevangelizou, com êxito, grandes partes da Inglaterra e da Europa
continental....[Os missionários celtas] mantinham um monasticismo
fervorosamente missionário. Assim, o monastério não era um lugar de reclusão do
mundo, mas um local de preparação para as missões” (Paul Pierson, citado em Blincoe, p. 235).
Nos séculos 10 a
13, a fé
cristã avançou em terras escandinavas. Durante o mesmo período, os monges
Cirilo e Metódio se dedicaram aos eslavos e deram a eles uma tradução da
Bíblia. Os membros dos movimentos monásticos ofereceram uma mentalidade
alternativa à das cruzadas, desmilitarizando o evangelho. Novos movimentos de
renovação que aumentavam o nível de vitalidade espiritual continuaram a surgir,
incluindo as cistercianas, as carmelitas e as ordens mendicantes no século 13,
como os franciscanos e dominicanos.
A era das descobertas a partir do fim do século 15 e as navegações de Portugal
e Espanha levaram o cristianismo para a América, África e outras partes da Ásia
em suas iniciativas colonizadoras. As expedições geralmente levavam monges
agostinianos, dominicanos, franciscanos ou jesuítas, os responsáveis pela
imposição da religião — metodologia que se provou mais eficiente em alguns
contextos do que em outros.
O que surpreende a muitos é que, durante esse período, o cristianismo alcançou
territórios além da cristandade como a Mesopotâmia, Pérsia, Índia, Sri Lanka,
Afeganistão, Tagiquistão, Tibete e China (Introducing World Missions, p. 109). O grande impulso missionário
em direção à Ásia veio através dos esforços de cristãos nestorianos e
missionários católicos romanos. Francisco Xavier e Mateus Ricci se destacaram
como missionários para o Japão e a China, no século 16.
Após a Reforma Protestante, foi o conde Nicolau Zinzendorf, da região da
Morávia, que se destacou. O movimento missionário consistia em enviar
comunidades inteiras, compostas por trabalhadores hábeis, a fim de estabelecer
residência entre os não cristãos e ensiná-los. O método morávio também incluía
comprar fazendas com escravos para evangelizá-los e libertá-los. William Carey,
um pregador leigo batista da Inglaterra, escreveu outro capítulo importante
relacionado a seu trabalho missionário na Índia e o desenvolvimento de
organizações missionárias no século 18. Um panfleto escrito por ele foi o
estopim para a expansão missionária moderna.
O século 19 é chamado o grande século da missão cristã. David Livingstone na
África, Adoniram Judson, em Myanmar, e Hudson Taylor, na China, representam
parte da história dessas iniciativas. Esse período também presenciou mulheres
missionárias se envolvendo como nunca antes e sociedades missionárias
aflorando.
Nesse período, o impacto do Segundo Grande Avivamento nos Estados Unidos foi
evidente. O pregador Moody desafiou os estudantes a se envolverem na missão e o
movimento milerita resultou no surgimento do movimento adventista. Após um
tímido começo, gradativamente os adventistas passaram a se envolver na pregação
do evangelho a todo o mundo. Em 1874, J. N. Andrews foi enviado à Europa como o
primeiro missionário oficial. Essa visão consolidou-se na década de 1890 quando
o adventismo foi estabelecido em todos os continentes e muitas das ilhas. Foi
justamente nessa década que os primeiros missionários adventistas chegaram à
América do Sul e ao Brasil.
Hoje, aproximadamente 30% dos 7 bilhões de habitantes do mundo se consideram
cristãos. A igreja adventista tem mais de 17 milhões de membros ao redor do
mundo, sendo mais de 2 milhões somente na América do Sul.
III. Pós-cristandade
Hoje vivemos uma fase de transformação na
história do cristianismo. Até recentemente, a maioria dos cristãos habitava a
Europa ocidental e a América do Norte. Mas no último século, o centro
gravitacional do cristianismo migrou para o Sul – África, Ásia e América
Latina. Essa situação deverá se consolidar se forem mantidas a presença e o
crescimento do cristianismo em países como Nigéria, Quênia, México, Etiópia,
Brasil e Filipinas. Juntamente com esse novo panorama mundial continua a antiga
responsabilidade de levar o evangelho a todo o mundo.
A tarefa não está terminada. Quase três bilhões de pessoas pertencem a grupos
étnicos não alcançados pelo evangelho. Mais de 600 milhões de pessoas não têm
acesso a nenhuma parte da Bíblia em seu próprio idioma (www.joshuaproject.org).
Hoje o panorama mundial apresenta outros
desafios para cristianismo. Aqui estão alguns dos desafios e oportunidades em
potencial para o cumprimento da missão.
1. Globalização. A crescente interação global faz com que
pessoas fiquem a par do que acontece ao redor do mundo instantaneamente e tomem
parte nisso. Três aspectos, entre outros, têm influenciado a missão cristã:
(1) Migração mundial: não cristãos têm se deparado com o
evangelho devido a esse movimento. Existe missão feita pelos migrantes para os
migrantes. A migração também tem permitido que o cristianismo vibrante da
América Latina e da África seja exposto em áreas seculares da Europa e da
América do Norte.
(2) Transporte aéreo: Nenhum
lugar do mundo está a mais de 30 horas de distância. Ao redor do mundo, mais
missionários têm aproveitado da aviação rápida e relativamente barata para
ministrar o evangelho a povos considerados distantes.
(3) Internet: A
internet tem facilitado o acesso a informações. As possibilidades são quase
inesgotáveis. A internet tem levado informações sobre o cristianismo a lugares
em que pessoas não podem chegar, geralmente a custos bem baixos.
2. Urbanização. Nestes últimos anos a crescente
urbanização mundial ultrapassou a marca dos 50% da população vivendo nas
cidades. Hoje há mais de 400 cidades com população de mais de um milhão de
pessoas. Levada pela concentração de empregos e recursos, a população tem se
mudado para esses centros de educação, atendimento médico e outros serviços. No
entanto, essas grandes concentrações têm se provado ambientes propícios também
para o aumento da pobreza, epidemias, criminalidade e estresse, entre outros
fatores. A igreja tem aprendido sobre os ritmos e necessidades daqueles que
moram nas cidades para tentar comunicar o evangelho aproveitando-se da
proximidade das pessoas e o acesso a informações e recursos.
3. Religiões Mundiais. Ultimamente o hinduísmo, o budismo e o
islamismo têm intencionalmente procurado se expor para o Ocidente e, como
resultado, têm atraído a curiosidade de muitos das gerações emergentes. Grande
número de movimentos religiosos novos também tem surgido dentro do
cristianismo, sejam eles derivados do pentecostalismo ou de formações
sincretistas. Essa pluralidade faz parte do contexto das novas gerações e
oferece a oportunidade de a igreja apresentar a singularidade do evangelho de
Cristo, já que não é verdadeira a observação comum de que todas as religiões
são iguais e conduzem a Deus.
4. Pós-Modernismo. Correntes filosóficas recentes apontam
para uma mudança na base do conhecimento. A orientação científica e objetiva da
era moderna tem dado espaço ao desconstrutivismo e subjetividade do
pós-modernismo. Isso tende a afetar tanto os missionários como os que ouvem o
evangelho. “Pós-modernismo, apesar das raízes Anglo-americanas, não é um
fenômeno que existe somente na Austrália, Europa e América do Norte. As mesmas
características da condição pós-moderna que influencia profundamente aquelas
regiões pode ser encontrada em pessoas e sociedades ao redor do globo,
incluindo a América do Sul” (Kléber O. Gonçalves, “The Challenge of the
Postmodern Condition to Adventist Mission in South America”, JAMS, v. 5(1), p. 11). A igreja deve estar
atenta à mudança e à busca dos pós-modernos por transcendência, significado e
comunidade.
Minha história
Como testemunha do evangelho engajada na
missão de Deus, você também está escrevendo a história da missão. Conhecer a
história e transmiti-la a outros torna o cristão mais responsável, mais humilde
e mais fervoroso, se ele ou ela:
1. Aprender lições da história sobre o que
fazer e o que não fazer.
2. Inspirar-se nas histórias daqueles que
trilharam o mesmo caminho, geralmente em condições bem piores.
3. Alimentar a fé ao saber que Deus tem
guiado, protegido e transformado pessoas que têm se engajado na Sua missão em
todos os tempos.
4. Concluir que Deus tem utilizado
diversos métodos e estratégias para alcançar pessoas com o evangelho.
Ilustração
Em 1625, trabalhadores se surpreenderam no
norte da China com a descoberta de uma grande pedra preta com mais de três
metros de altura que trazia o título: “Um Monumento Comemorativo da Propagação
da Religião Luminosa na China”. O monumento contava a história de Alopen, o
primeiro missionário cristão a entrar na China, quase mil anos antes. Antes dessa descoberta não se
sabia sobre o alcance do evangelho na China nos primeiros séculos da era
cristã. Alopen teria chegado em 635 em Chang’an, a maior cidade do mundo na
época (Introducing World Mission, p.
112).
Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade
Andrews mecdias@hotmail.com
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