Na Bíblia, as nações são convocadas a reconhecer a grandeza do único Deus criador dos céus e da Terra e a se unir em louvor a Ele. O salmista escreve sobre o propósito redentor de Deus para todos os povos e a reação deles: “Louvem-Te os povos, ó Deus; louvem-Te os povos todos” (Sl 67:3), “Lembrar-se-ão do Senhor e a Ele se converterão os confins da Terra; perante Ele se prostrarão todas as famílias das nações” (Sl 22:27) e “Todas as nações que fizeste virão, prostrar-se-ão diante de Ti, Senhor, e glorificarão o Teu nome” (Sl 86:9).
Durante o ministério encarnacional de Cristo, o tema da glorificação esteve sempre presente. Jesus glorifica o Pai (Jo 7:18; 17:1) e é o “resplendor” da Sua glória (Hb 1:3); afinal, Ele tem uma missão de glorificação (Jo 17:4). Mas esse propósito é extensivo a toda a criação, por isso a missão de Jesus também foi “para que os gentios [glorificassem] a Deus por causa da Sua misericórdia” (Rm 15:9). Todos os que aceitam o convite do evangelho, rendem glória a Deus. Assim é com os discípulos de Cristo (Jo 17:9-10) e a Igreja (Ef 1:5-14).
O processo pode ser esboçado da seguinte maneira: à medida que homens e mulheres ouvem a mensagem de Cristo, recebem o Seu perdão e buscam viver sob o Seu senhorio, glorificando a Deus com sua vida e se tornam adoradores do Altíssimo no sentido mais amplo do termo (Encountering Theology of Mission, p. 80).
Três princípios são observados neste estudo:
A glória de Deus se encontra no topo da lista. É inerente ao caráter de Deus, transpõe a era de pecado da história humana, aponta para o propósito da criação de Deus e da Sua restauração final. John R. W. Stott afirma que “a exaltação de Jesus Cristo à direita do Pai, isto é, à posição de suprema honra, provê o mais forte de todos os incentivos missionários (The Contemporary Christian, p. 366).
Mais recentemente, John Piper tem despertado a reflexão nesse sentido dizendo que a “missão existe porque a adoração não existe.” Por isso, a maior motivação para a missão é levar o evangelho às nações para que todos se tornem adoradores do Rei. Ele acredita que a adoração “é o combustível e o objetivo da missão (Let the Nations Be Glad, p. 17).
Além da breve sinopse da seção anterior, vale ressaltar a ênfase doxológica da missão do apóstolo Paulo. Ele reconhecia que “todas as coisas existem por amor de vós, para que a graça, multiplicando-se, torne abundantes as ações de graça por meio de muitos, para a glória de Deus” (2Co 4:15). E até mesmo considerava seus irmãos “mensageiros das igrejas e glória de Cristo” (2Co 8:23).
Distorção:
Desafio:
O amor é o segundo traço do caráter de Deus que deve compor a motivação para a missão. Assim como a glória, o amor de Deus é eterno e, de forma especial, manifesto no plano da salvação no ministério de Jesus. Diferentemente da glória, o amor é um atributo comunicável e, portanto, possível de ser encontrado e desenvolvido no ser humano, como resposta à iniciativa divina. Assim, (1) o amor de Cristo pelo descrente me motiva a levá-lo a conhecer o amor de Deus; (2) o amor de Cristo pelos demais através dos crentes implica que o amor pelo próximo transborda no coração dos Seus filhos; (3) o amor de Cristo pelos crentes os faz compreender que, porque Deus os ama, em gratidão, eles servem; e (4) o amor do crente por Cristo, como resposta, também produz o serviço (Encountering Theology of Mission, p. 179).
Bosch nos lembra que a iniciativa de Deus não elimina o engajamento humano e que a Sua majestade é o outro lado da Sua graça e amor na busca pelo ser humano (Transforming Mission, p. 285).
Reforçando a singularidade de Jesus, é importante notar que essa motivação é encontrada somente no cristianismo em contraste com as demais religiões mundiais. Voluntariado e serviço sacrifical é mais raro no Hinduísmo, Budismo e Islamismo. Razões éticas e obediência/culpa são as motivações mais comuns nesses casos. “Conhecer, amar e servir a um Deus transcendente e pessoal é a raiz de todo o voluntariado ocidental.”
Distorção:
Desafio:
Urgência. A compreensão escatológica atrelada às profecias bíblicas aponta para a atualidade como o fim do tempo do fim - o último período profético antes do fechamento da porta da graça e a volta de Cristo. Certamente, essa compreensão da Igreja Adventista tem um papel importante na motivação para a missão. Existe necessidade de pressa para conduzir muitos a um relacionamento com Cristo. Bosch identifica que esse não é o caso somente da igreja adventista. Karl Gutzlaff (1803-1851) e J. Hudson Taylor (1832-1905), missionários importantes na China, também foram motivados pelas expectativas escatológicas. Paras os grupos que se seguiram a essas iniciativas, Mateus 24:14 se tornou um texto missionário importante por relacionar a pregação do evangelho com a vinda de Cristo (Transforming Mission, p. 316).
Distorção:
Desafio:
Obediência. Em conexão com a ênfase na Grande Comissão, essa se tornou a principal motivação no fim dos séculos 19 e 20. Missionários importantes como Robert Morrison (1792-1834) e Adoniram Judson (1788-1850) claramente creditaram a obediência à grande comissão como sendo a principal motivação para seu trabalho.
Paulo reconhecia essa obrigação em proclamar o evangelho (Rm 1:14, Gl 2:7) como legítima. Mas tem a igreja hoje sentido o mesmo chamado e missão? O senso de chamado à mordomia do evangelho é uma importante motivação.
Distorção:
Desafio:
Chamado divino. O apóstolo Paulo teve um chamado dramático na sua história de conversão e engajamento na missão. Assim como ele, muitas outras personalidades da história da missão creditaram ao seu chamado divino a principal motivação. Missionários tradicionais colocavam a o trabalho missionário em primeiro lugar. Sua atividade como professores, evangelistas e professores vinha em segundo plano. A grande maioria deles atesta de um chamado e convicção pessoal de que Deus tem um plano para a vida deles.
Se reconhecermos que desde Abraão Deus tem mantido uma aliança que envolve a missão a todos os povos da Terra através do Seu povo, como Pedro (At 3:25) e Paulo (Gl 3:8, 1 Co 9:16, Rm 9:2) reconhecem, então essa responsabilidade recai sobre a Igreja. O ministério do Espírito Santo através dos dons espirituais e o desenvolvimento do fruto do Espírito também inclui um chamado para exercer um ministério, no corpo de Cristo, ligado à missão.
Distorção:
Desafio:
Compaixão. Essa dimensão prática do interesse sincero pelo próximo certamente é parte da missão. Mateus 9:35-36 descreve o ministério de Jesus com base no seu sentimento de compaixão pelas multidões. No Antigo Testamento, a história de Jonas é uma grande reprimenda ao povo de Israel pela desobediência à missão, mas acima de tudo pela falta de compaixão. Efésios 2 é uma descrição incrível da realidade espiritual daqueles que não conhecem a Deus e não ouviram sobre o sacrifício de Jesus que deve alimentar a compaixão pelo próximo.
Distorção:
Desafio:
Algumas distorções, apresentadas anteriormente, parecem funcionar melhor para levar pessoas à ação em curto prazo. No entanto, essa visão utilitarista não tem respaldo bíblico e desacredita a liderança e a igreja a médio e longo prazos.
Devemos nos refrear de julgar a motivação daqueles que estão empenhados na missão principalmente se não estamos dispostos a nos sacrificar da mesma forma. Por outro lado, devemos nos lembrar de que, durante toda a história, Deus tem misericordiosamente tolerado esforços humanos imperfeitos e motivações questionáveis para fazer avançar Sua obra (Paulo menciona esse problema em Fp 1:15, 17-18).
No entanto, todo missionário, seja transcultural ou local, deve ter a consciência de que, por definição, é aquele que é enviado. Portanto, é necessário que a pessoa tenha convicção de que está sendo enviado por Deus e que sua motivação é aprovada por Ele. A missão deve fluir, acima de tudo, da glória e de volta para a glória de Deus (Encountering Theology of Mission, p. 84).
Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews mecdias@hotmail.com
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