quarta-feira, 27 de junho de 2012

Um ministério perpétuo (comentário ao estudo nº 13)




 

II. O Mestre Jesus
A iniciativa do discipulado se origina no chamado de Jesus (Mc 1:17; 2:14; Mt 4:19; 9:9). A resposta a esse chamado, no entanto, envolve reconhecer e crer na identidade de Jesus, obedecê-Lo (Mc 1:18, 20), dedicar total lealdade a Ele (Lc 14:25-28; Mt 19:23-30) e participar na Sua missão. Esse chamado é o começo de algo novo. Isso significa deixar para trás a vida antiga (Mt 8:34-37; Lc 9:23-25), encontrar nova vida na família de Deus (Mt 12:46-50) e ser enviado pelo Pai para o mundo (Jo 20:21). Porém, o chamado para o discipulado de Jesus também veio acompanhado de um convite para se considerar o custo do discipulado (Lc 9:57-62; 14:25-33).

 “
Quando Jesus chamou homens e mulheres para O seguir, Ele ofereceu um relacionamento pessoal consigo mesmo, não simplesmente um estilo de vida alternativo nem práticas religiosas diferentes nem uma nova organização social” (Evangelical Dictionary of World Missions, p. 279). Através desse relacionamento os díscipulos foram conhecendo os mistérios do reino de Deus (Lc 8:10) tanto pela associação como pela explicação (Robert E. Coleman, The Master Plan of Evangelism). Não importa quão avançado o discípulo de Jesus esteja, ele sempre será um discípulo de Jesus.

Com o objetivo final de se tornar mais semelhante a Jesus, o Mestre (Mt 10:24-25; Lc 6:40), se poderia resumir os aspectos do desenvolvimento espiritual em três:

(1) Permanecer na Palavra de Jesus como a verdade que rege todas as áreas da vida (Jo 8:31-32);
(2) Amar uns aos outros como Jesus amou Seus discípulos (Jo 13:34-35);
(3) Frutificar, incluindo o fruto do Espírito Santo (Gl 5:22-26), novos discípulos (Jo 4:3-38), justiça e boas obras (Fl 1:11; Cl 1:10) e testemunho de proclamação ao mundo (Jo 20:21).

Portanto, o discipulado foi central no ministério terrestre de Jesus, assim como deve ocupar um lugar central na missão da igreja, em todos os tempos, ao fazer discípulos em todas as nações e ajudar os novos discípulos no crescimento espiritual (Evangelical Dictionary of World Missions, p. 278). Uma igreja assim é uma comunidade de discípulos. Na Grande Comissão final, Jesus enfatizou a importância do discipulado como responsabilidade dos Seus discípulos, em todo o tempo e em todos os lugares. Se começamos o trimestre comentando sobre a Grande Comissão e sua essência (ver comentário da lição 1), concluímos o estudo ressaltando a ordem central de Cristo, que foi a de fazer discípulos.

II. Discipulado
Naturalmente, o discipulado de Jesus continua até os dias de hoje e deveria seguir as características da prática, quando instituída por Ele. Por isso, não há como enfatizar demais que “discipulado não é um programa nem um evento; é um modo de vida. Não é por um tempo limitado, mas para toda a nossa vida. Discipulado não é para iniciantes apenas; é para todos os crentes, em cada dia da sua vida” (Bill Hull, The Complete Book of Discipleship, p. 24). De forma resumida, discipulado significa constantemente aprender e seguir o Mestre.

Robert E. Coleman identifica, de forma didática, oito passos desse processo: (1) seleção, (2) associação, (3) consagração, (4) transmissão, (5) demonstração, (6) delegação, (7) supervisão e (8) reprodução. É importante lembrar que, na prática, esses estágios geralmente não acontecem de maneira organizada, sequencial e segmentada, mas o desenvolvimento de um discípulo maduro certamente incluirá todas elas.

Da mesma forma, o amadurecimento do cristão é representado de maneira didática por Rick Warren (The Purpose-driven Life) em quatro etapas: (1) Comprometido em ser membro; (2) comprometido em amadurecer; (3) comprometido em ministrar; e (4) comprometido em ser missionário. Essa compreensão do discipulado como processo que envolve tempo e relacionamentos tem inspirado vários programas que incluem ciclos de 40 dias de dedicação especial ao crescimento espiritual.

Refletindo sobre maneiras de se assemelhar a Jesus, Hull sugere seis áreas que precisam ser transformadas no ser humano:
(1) mente: crer naquilo que Jesus acreditava;
(2) caráter: viver do jeito que Jesus viveu;
(3) relacionamentos: amar como Jesus amava;
(4) hábitos: praticar o que Jesus praticava;
(5) serviço: ministrar como Jesus ministrava; e 
(6) influência: liderar como Jesus liderava (p. 130).

Apesar de o processo de discipulado ter sido comum no Seu tempo, a singularidade do discipulado de Jesus estava em quatro aspectos:

1. Em quem Ele escolheu: Jesus escolheu pessoas com paixão e sede espiritual. Pessoas comuns que pudessem se relacionar com todos e que teriam a disponibilidade de aprender.
2. Tinha por base unicamente a amizade e o respeito comum: Jesus ilustrou Sua crítica aos fariseus através do Seu sistema de discipulado sem ambições egoístas nem hipocrisia.
3. Redefiniu o que significa ser um discípulo: Pessoas que amam umas às outras como a si mesmas, e a Deus acima de todas as coisas.
4. Demonstrou como aplicá-lo hoje: Jesus foi o modelo de discipulador.
Por isso, Dietrich Bonhoeffer, no clássico The Cost of Discipleship, afirma que “cristianismo sem discipulado é sempre cristianismo sem Cristo. Ele permanece uma ideia abstrata, um mito que tem um lugar para a paternidade de Deus, mas omite Cristo como o Filho vivo” (p. 64).

III. Crescimento espiritual
"Entre as lições quase inumeráveis ensinadas pelos vários processos do crescimento, algumas das mais preciosas são apresentadas na parábola do Salvador, sobre a semente. ... A germinação da semente representa o começo da vida espiritual e o desenvolvimento da planta é uma figura do desenvolvimento do caráter. Não pode haver vida sem crescimento" (Ellen White, Maravilhosa Graça [MM 1974], p. 195).

Seguindo o modelo dos seres vivos, a vida humana obedece às mesmas etapas: nascimento, crescimento e morte. Como cristãos, no entanto, escrevemos uma biografia diferente, que apresenta novo nascimento, crescimento, descanso e vida eterna.

Em diferentes épocas, fases distintas dessa experiência foram enfatizadas pela Igreja, geralmente, priorizando o novo nascimento – a conversão e o batismo. Hoje, a Igreja tem assumido uma posição bem mais equilibrada e saudável, compreendendo a importância de focalizar não só o novo nascimento, mas também o crescimento do cristão. Na assembleia da Associação Geral, em 2005, a doutrina número onze foi acrescentada, refletindo esse pensamento.

Em Efésios 4:14 e 15, Paulo reconheceu a possibilidade de pessoas estagnarem em um estágio inicial em sua vida espiritual, comparando-as com crianças (nepioi, no original grego, também usada em Mateus 11:25 e Romanos 2:20). No entanto, o Comentário Bíblico Adventista ressalta que a ênfase nesse caso é negativa. "
Somos incentivados a nos tornar como ‘crianças’, (paidia, no original) em Mateus 18:2-4, quanto à humildade e confiabilidade, mas não na impulsividade e imaturidade." A mesma exortação ao crescimento é feita em 1 Pedro 2:1-3, 2 Pedro 3:18 e por Paulo em 2 Coríntios 7:1.

IV. Eu, um discípulo
Uma exortação deve ser dada quanto aos fatores que dificultam o crescimento espiritual. Berndt D. Wolter (Como se faz um cristão,Ministério, nov.-dez./2011, p. 9-10) explica algumas percepções distorcidas:

(1) influência da coletividade: espera-se que aconteça com todos;
(2) transferência de responsabilidade: espera-se um empurrão espiritual do grupo;
(3) pensamento fatalista: espera-se que só aconteça com alguns;
(4) atitude de espectador: espera-se que o grupo faça enquanto assisto; e
(5) inveja espiritual: espera-se ser o que alguém é.

Há ainda outros mitos comuns relacionados com essas percepções que impedem o desenvolvimento espiritual do cristão.

(1) "Dentro da igreja, todos estão crescendo espiritualmente de forma igual": Na família de Deus o crescimento é um processo individual. E vale lembrar que alguns crescem mais rapidamente do que outros. Enquanto outros crescem mais vagarosamente, mas oscilam menos.

(2) "Na igreja não existe responsabilidade fraternal" :"Um dos planos divinos para o desenvolvimento é a comunicação. O cristão deve adquirir forças, fortalecendo outros. ‘O que regar também será regado(Pv 11:25). Isso não é somente uma promessa; é uma lei divina, uma lei pela qual Deus designa que as correntes de benevolência, como as águas do grande abismo, sejam postas em constante circulação, refluindo à sua fonte. No cumprimento a essa lei está o segredo do crescimento espiritual” (Ellen White, Maravilhosa Graça[MM 1974], p. 283).

"A verdadeira santificação vem por meio da operação do princípio do amor. ... A vida daquele em cujo coração Cristo habita, revelará a piedade prática. O caráter será purificado, elevado, enobrecido e glorificado. A doutrina pura estará entretecida com as obras de justiça. Os preceitos celestiais serão mesclados com as práticas santas" (Ellen White, Atos dos Apóstolos, p. 560).

Por ser natural que cada um esteja em um estágio diferente do crescimento, a Palavra também orienta nesse convívio, dando a responsabilidade aos irmãos de não escandalizarem uns aos outros (Mt 18:6-9). Ainda para com os irmãos da igreja, é necessário tato espiritual. A compreensão sobre o processo de crescimento certamente deve se refletir no tratamento e apoio que se oferece entre as pessoas. O oposto disso, obviamente, era a maneira fria, calculista e desprovida de espiritualidade com que os fariseus tratavam os pecadores, motivo pelo qual foram repreendidos por Jesus.

(3) "O crescimento espiritual gera um crescimento automático da igreja": Na maioria dos casos, o crescimento espiritual leva a um crescimento da igreja, sim, mas nem sempre é automático. Sob a condução do Espírito Santo, esse é o resultado natural. No caso da experiência pessoal, alguém poderia dizer que santificação é o processo pelo qual o cristão, em sua comunhão com Deus, a cada momento, passa a ser menos do mundo e mais no mundo (Jo 17:14-15). Em outras palavras, a vontade e o caráter são transformados pelo amor de Deus e o testemunho desenvolvido pelo Seu poder. Para que o crescimento espiritual seja completo em cada etapa, é necessário que essa experiência inclua a utilização dos dons na pregação do evangelho e no testemunho pessoal.

(4) "Durante o crescimento espiritual não pecarei mais": Uma história procura ilustrar essa questão. Uma menina aceitou Jesus como seu Salvador e se tornou membro da igreja local. "Você era uma pecadora, antes de receber o Senhor Jesus em sua vida?" perguntou um diácono zeloso. "Sim, senhor", ela respondeu. "Bem, você ainda é uma pecadora?" insistiu o homem. "Francamente, sinto que sou mais pecadora do que nunca." "Mas, então, qual foi a mudança real que você experimentou?" "Não sei bem explicar isso, mas eu era uma pecadora que corria atrás do pecado. Agora, sou uma pecadora que corre do pecado!"

(5) "O crescimento espiritual só acontece até os 60 anos": É relatado que, quando Pablo Casals, o virtuoso catalão, completou 95 anos, um repórter iniciante o questionou: "Sr. Casals, aos 95 anos, sendo o maior violoncelista que já viveu, por que o senhor ainda pratica seis horas por dia?" E Casals respondeu: "Porque eu acho que ainda estou progredindo."

ILUSTRAÇÃO
C.S. Lewis conta que, quando criança, com frequência tinha dor de dente. No entanto, ele sabia, que, se chamasse a mãe, ela lhe daria algo para tomar que não deixaria doer o dente, durante aquela noite e ele poderia dormir. Mas ele não procurava a mãe até que a dor se tornava insuportável. A razão era a seguinte: ele não duvidava de que ela daria um analgésico para ele, mas também sabia de outra coisa: ela o levaria ao dentista no dia seguinte. Ele não conseguia o que queria, sem levar a segunda parte, que não era desejada. Sua vontade era eliminar a dor momentânea. A da mãe era eliminá-la de forma permanente.

C.S. Lewis conclui a comparação dizendo que Deus é como o dentista. Muitas pessoas O procuram para curar um pecado particular. Bem, Ele vai sanar aquele problema, mas não vai parar ali. Pode ser que aquilo seja o que você tenha pedido, mas uma vez que você se coloca sob Seus cuidados, Ele lhe dará o tratamento completo: uma vida transformada.

Fazer discípulos não tem nada a ver com ganhar pessoas para uma filosofia ou torná-las pessoas boas, que sorriem sempre. Em vez disso, a Grande Comissão lança uma missão de resgate; todos os seguidores recebem ordens com autoridade total para agir onde quer que estejam. Discipulado envolve salvar pessoas delas mesmas e da condenação eterna, permitindo que o poder transformador de Deus as mude de dentro para fora” (Bill Hull, A Complete Book of Discipleship, p. 27). O segredo é que uma pessoa transformada pode mudar o mundo.

"
Se nos fosse possível obter plena compreensão de Deus e Sua verdade, não haveria para nós novas descobertas de verdades, nem maior conhecimento, nem desenvolvimento adicional. ... Graças a Deus que não é assim! Sendo que Deus é infinito, e que nEle estão todos os tesouros da sabedoria, poderemos, durante toda a eternidade, estar sempre pesquisando, sempre aprendendo, sem nunca esgotar as riquezas de Sua sabedoria, bondade ou poder" (Ellen White, Maranata, o Senhor Vem, [MM 1977], p. 363).

Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP
Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews mecdias@hotmail.com




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