domingo, 8 de janeiro de 2012

O Deus triúno (comentário ao estudo nº 01)




 

O que é a Trindade?
Na Bíblia não existe declaração explícita nenhuma sobre Deus em essência e Sua natureza ou, ainda, como subsiste em três Pessoas. Nem mesmo o termo “Trindade” aparece no texto (por isso, muitos teólogos – e Ellen White – preferem chamar de doutrina da “Divindade” em vez de “Trindade”). Contudo, essa doutrina é fundamental para o cristianismo, pois considera e determina o Deus em quem professamos fé.

É certo que existem muitas passagens que comprovam de forma determinante a doutrina, como veremos a seguir.

Entretanto, temos que reconhecer nossa limitação óbvia: por sermos criaturas em estado decaído, é impossível termos uma compreensão clara e definida sobre a natureza de Deus. Como Ele é e qual é Sua essência, são tópicos que não podem ser captados de forma integral pela nossa mente. É como a seguinte ilustração atribuída a Agostinho:

Agostinho observou que, numa praia ao Norte da África, um garoto havia feito um buraco na areia. Com uma pequena cabaça nas mãos, corria até o mar, enchia o recipiente e, de volta, despejava a água no buraco.

Como o garoto repetisse a operação dezenas de vezes, curioso, Agostinho aproximou-se dele e perguntou: “O que você está fazendo?”

Para a surpresa do teólogo, o garoto simplesmente respondeu: “Estou tentando colocar todo o mar neste buraco na areia!”

Como não podemos compreender totalmente a estrutura da Trindade, alguns têm rejeitado sua existência, o que não está, em absoluto, de acordo com a revelação bíblica. Deus existe e Sua natureza é trinitária.

Diante dessas limitações, nossa abordagem sobre Deus deve se limitar ao estudo de como Ele atua, como Se relaciona conosco e como devemos nos aproximar dEle. São esses os questionamentos sérios nos quais devíamos nos deter.

Além disso, temos que observar a natureza da revelação bíblica: A Bíblia não é um compêndio sobre a natureza e o caráter de Deus. Seu propósito é revelar o plano salvífico de Deus para com a humanidade caída e como devemos nos relacionar com Ele (e esse objetivo é muito bem explícito). Contudo, nessa revelação aparecem evidências implícitas da natureza da divindade – Três Seres divinos.

Todos os credos ortodoxos da cristandade têm referência clara e objetiva quanto aos Seres que compõem a Trindade.

Credo Apostólico (c. 120): “Creio em Deus Pai todo poderoso... E em Jesus Cristo, Seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo Espírito Santo... Creio no Espírito Santo...”

Credos pessoais que atestam a Trindade: Irineu (c. 190); Tertuliano (c. 200); Hipólito (c. 215); Marcellus (c. 340); Rufinus (c. 404).

Credo de Niceia (325); Constantinopla (381); Confissão de Augsburg (1530); 2ª Confissão Helvética (1566); Confissão de Westminster (1646), etc.

A Crença Fundamental 2 da IASD: “Há um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, uma unidade de três Pessoas coeternas. Deus é imortal, onipotente, onisciente, acima de tudo e sempre presente. Ele é infinito e está além da compreensão humana, mas é conhecido por meio de Sua autorrevelação. Para sempre é digno de culto, adoração e serviço por parte de toda a criação.

Os ASD possuem uma compreensão única a respeito da divindade. Colocamos em equilíbrio os Seres da Trindade. Quais são as principais razões para termos esta compreensão? É certo que cada tópico das lições deste trimestre vai abordar aspectos dessa compreensão singular, mas os principais são:

A IASD é o único movimento religioso que considera a revelação como um todo, isto é, aceitamos a Bíblia como um todo, de Gênesis a Apocalipse.

Temos o entendimento do pano de fundo filosófico das Escrituras: o drama do grande conflito.

Diferentes entendimentos com respeito à divindade – Aqui estão listadas as principais concepções acerca de Deus na história do cristianismo.

Deus é totalmente transcendente: Ele está tão distante que não Se importa com a humanidade (ex.: deísmo).

Deus por natureza está dissociado de tempo e espaço (sem movimento). É um Ser essencialmente metafísico:

Esta é uma imposição filosófica dentro do cristianismo a partir do 2º séc. A partir daqui, a tradição filosófica passou a determinar a teologia. Por isso, muitos erros doutrinários foram introduzidos no cristianismo.

Assim, Deus é totalmente outro, centrado em Si mesmo, necessitando de agentes que efetivem Sua comunicação com a humanidade (ex.: Maria, santos, etc.).

Ressalta a natureza punitiva da divindade, Sua justiça castiga os que erram.
Este Deus possui características deterministas, como se observa na teologia de Agostinho (Confissões 11:14-16), Lutero e Calvino.

Deus é totalmente imanente:
Panteísmo: identifica o Universo com Deus.
Panenteísmo: Deus inclui e penetra todo o Universo de tal maneira que cada uma de suas partes existe nEle. Seu ser é mais que o universo.

Um exemplo desse tipo de pensamento é Paul Tillich (teólogo moderno com maior influência na teologia evangélica no Brasil): Deus não “existe”, porque existência é uma categoria de dependência. Um deus que “existe” é simplesmente outro ser, ao nosso nível. Assim, Deus não é um ser, mas o poder de ser, que está dentro de cada ser, habilitando-o a existir e sem ele cessaria de existir.

Deus é totalmente identificado com a história. Deus não é um ser que atua, que intervém na história, mas é uma realidade intra-histórica; os atos salvíficos de Deus na história vão formando Seu ser. Assim, não existe revelação objetiva (Bíblia), mas a própria história é a autorrevelação de Deus (ex.: teologia do processo, teologia da libertação, teologia da esperança, etc.).

Deus vai “construindo” Seu conhecimento “futuro” através de suas ações na história. Um exemplo desse pensamento é encontrado em Richard Rice, The Openness of God. Para ele, existência e conhecimento vêm através da experiência: “Nem tudo que irá acontecer está já determinado. Uma parte significativa do futuro permanece ainda por ser decidida. A parte ainda aberta consiste das decisões livres a ser tomadas no futuro tanto pelas criaturas como por Deus” (p. 26). Sobre esse Conhecimento Antecipado e Liberdade Humana, verNisto Cremos, p. 40.

Deus está tão próximo de mim, habita no ser humano a ponto de ser manipulado (ex.: pentecostais manipulando o Espírito Santo).

Visão bíblica: Deus é um ser pessoal, movido pelo amor. O melhor, então, não é discuti-Lo em termos de transcendência ou imanência (físico ou metafísico) como fazem muitas tradições teológicas dentro do cristianismo, mas em termos do que é visível e invisível, compreensível, ou além de nossa capacidade, como o faz a própria Bíblia. É o Deus que atua na história e está identificado ao tempo e espaço por Jesus Cristo.

Se tivermos a ideia de um Deus com características de um avô, este será extremamente permissivo, colocando em risco a compreensão de Sua justiça.

Por outro lado, se consideramos Deus como um padrasto vingativo, dificilmente se poderá entender Seu amor para conosco.

Assim, é significativo que tenhamos uma compreensão equilibrada acerca de Deus em Sua autorrevelação, especialmente nas Escrituras. A razão desacompanhada da Bíblia jamais poderá captar a plenitude de um Deus que deseja salvar a humanidade.

Unidade da Divindade: Há um só Deus; o cristianismo não é politeísta (não são três deuses).

Êx 3:13-15 – EU SOU O QUE SOU. Esse texto marca o encontro mais objetivo da divindade com um ser humano.

Deus declara ser único.
Deus declara Seu nome: Eu Sou.
Alguns chegam a “ver” a Trindade nesse verso, com referência às expressões Deus de Abraão, Isaque, e Jacó. Contudo, essa relação não deve ser levada a sério.

Dt 6:4-7 – Aqui está o famoso Shemah que é parte do culto nas sinagogas até hoje. Para os judeus, com seu monoteísmo radical, esses versos são prova da impossibilidade da Trindade. Mas, o assunto aqui não é uma exposição sobre a natureza de Deus. Temos que admitir que no Shemah, a unidade (“único Deus”) da divindade aparece na relação de contraste entre o Deus verdadeiro e os outros deuses, os deuses das outras nações. Essa é a consistência presente nos primeiros quatro mandamentos (Êx 20:3-11), em especial o 1º mandamento (que é o mandamento determinante de todos os outros). Assim, esses versos não são uma afirmação de monoteísmo radical como possa aparentar superficialmente. Além disso, como o próprio texto da Lição (comentário da pergunta 2) expõe, o termo usado aqui para definir essa “unidade” é o termo echad, usado também em Gênesis 2:24 para determinar o estado do ser humano no casamento, onde marido e mulher, mesmo sendo duas pessoas, tornam-se uma, isto é, admite a ideia de pluralidade. Há no hebraico, contudo, o termo yashid – “único da espécie”. Essa expressão realmente estabelece o caráter único de um ser, rejeitando qualquer ideia de pluralidade, como no caso de Isaque, único filho da promessa. Devemos ter em mente, entretanto, que essa não é a expressão usada no Shemah.

Tg 2:19 – Até os demônios creem que Deus é um e tremem (será que a constatação de tal realidade também nos faz tremer?)

1 Co 8:4-6 – “Há somente um único Deus” em contraste com muitos. Em contrapartida, esse verso apresenta Cristo como Deus (v. 6), em relação de igualdade com o Pai:

Deus Pai – (a) “de quem são todas as coisas” e (b) “para quem existimos”;
Senhor Jesus Cristo – (a) “pelo qual são todas as coisas” e (b) “e nós por meio dEle”;

Nota-se nesse verso o que observamos em muitos outros: Deus é um em ação e propósito e é triúno em exercer funções.

1Tm 2:5-6 – “Há um só Deus e mediador”. Literalmente: “há um Deus e também um mediador de Deus e do homem, Jesus Cristo homem”: unidade da divindade (no verso 3 Deus é salvador) em ação; mediação é função de Cristo apenas.

1Jo 5:7 – Esse verso é conhecido como “Comma Joanina” (ARC e na ARA 2ª Ed. aparece entre colchetes). Surgiu em manuscritos latinos por volta de 800 DC, e foi incorporado ao texto oficial da Igreja Católica (a Vulgata). De origem obscura, parece ter aparecido na Espanha ou Norte da África, por possíveis pressões arianas. Como esse verso não está no original, esse texto não deve ser usado como prova da Trindade.

Deidade ou Divindade:
Inúmeros textos revelam a deidade do Pai. Não há discussão alguma quanto à divindade do Pai. Contudo, devemos ter um equilíbrio na compreensão do Pai.

Alguns colocam uma ênfase exagerada na justiça em detrimento do amor.
Outros O veem como alguém pronto a passar por cima nossos erros e pecados. Dessa forma, a figura de Deus é compreendida num conceito de “amor burro”, incapaz de expressar Sua vontade diante do pecado.
A visão correta de Deus como Pai nos leva ao equilíbrio: um Deus de misericórdia – amor temperado com justiça.

Deidade de Cristo – Apenas alguns textos que estabelecem a divindade de Jesus: 1Co 8:6; Fp 2:5-7 (mesmo morphe – “forma”de Deus); Hb 1:1-5 (apaugasma – “resplendor” que é de Deus), 8; Mc 2:8-10 (prerrogativa de perdoar pecados); Jo 1:1-3; 5:18; 8:58; 10:30; 20:28; Rm 9:5; Cl 2:9; Tt 2:11-13; 2Pe 1:1; 1Jo 5:20 (ver capítulo 4 do livro Nisto Cremos).
Deidade do Espírito Santo: At 5:3-4 (identificação entre Deus e o Espírito); Jo 16:7-11 (ver capítulo 5 do livro Nisto Cremos).

Deus é Triúno:
Gn 1:26 – “Disse Deus (Elohim plural de El e Elah, mas emprega verbos no singular): façamos o homem à nossa imagem”. Aqui não existe nenhuma possibilidade de plural de majestade.

Gn 11:7; 3:22 – Pronomes no plural. Às vezes, os verbos são usados também na forma plural: ex.: “desçamos” demonstra a ação coletiva da divindade.

Mt 28:19-20 – a fórmula batismal não possui problema de transmissão do texto, embora alguns, por ignorância do estudo do texto grego, afirmam que foi um acréscimo posterior. O batismo é um testemunho público da aceitação de Deus (não só de Cristo, ou só do Espírito). O batismo cristão é trinitariano.

2Co 13:13 (14) – Bênção trinitariana: amor do Pai, graça de Cristo e a companhia do Espírito. Alguns veem na bênção de Números 6:24-26 e a tripla repetição do nome de Deus como uma evidência da Trindade.

1Pe 1:1-2 – Introdução trinitariana: escolhidos pelo Pai, santificados pelo Espírito, para obediência em Cristo.

Mt 3:16-17 – batismo de Jesus: voz do Pai, Cristo na água e o Espírito pairando em forma de pomba.

At 7:55 – visão de Estevão: cheio do Espírito, viu a glória de Deus e Jesus estava à Sua direita (símbolo oriental de igualdade).

Is 6:3 – “santo, santo, santo”: alguns veem nesse texto uma declaração trinitariana, mas não podemos nos esquecer de que essa repetição é típica do superlativo na língua hebraica.

No quadro abaixo mostramos alguns textos bíblicos que indicam os atributos divinos em relação às três Pessoas da Divindade. Observe que no último exemplo, o próprio nome de Deus (IHWH – JAVÉ) é usado em relação aos Três Seres Divinos.

Quadro Resumido da Trindade na Bíblia em Relação aos Atributos

Pai
 Filho
 Espírito Santo
 Eternidade
Sl 90:2
Is 9:6;
Mq 5:2
Hb 9:14
Onisciência
Pv 15:3;
Sl 33:13-14
Cl 2:2-3;
Jo 2:25;
Mt 9:4
1Co 2:10-11;
Is 40:13-14
Onipotência
Gn 28:3;
Ap 1:8;
Gn 17:1
Mt 28:18
Sl 139;
1Co 12:11;
Lc 1:35
Onipresença
Sl 139:1, 8
Mt 18:20; 28:20
Sl 139:7-10
Ação Criadora
Is 42:5;
At 17:24;
Gn 1:1
Jo 1:3;
Hb 1:2;
Cl 1:15-16
Gn 1:2;
Jó 33:4;
Sl 104:30
Divindade
Is 40:28;
Êx 20:2;
2Sm 7:22
Rm 9:5;
Jo 1:1; 8:58; 20:28
At 5:3-4
Uso do nome IHWH / Senhor
SL 83:18
Comp. Is 40:3 e MT 3:3;
Comp. Is 40:10 e Ap 22:6, 7, 12; 
Comp. Zc 12:4 e Jo 19:34, 37;
Comp. Zc 14:5 e 1Ts 3:13.
Comp. At 28:25-27 e Is 6:3, 8-10;
Comp.
Jr 31:33-34 e Hb 10:15-16

    União em ação e funções específicas

1-- Toda a Trindade está envolvida no processo (ação conjunta) de salvação do ser humano. Isso é evidente no santuário, no batismo, na criação, na encarnação, na cruz, na igreja, na ressurreição, na oração, etc.

2-- Cada Pessoa da divindade possui funções específicas nesse projeto salvífico: ex.: foi Jesus quem encarnou e morreu na cruz. Numa mesma ação, cada um exerce sua função: o Pai atua como fonte, o Filho como Mediador (executor) e o Espírito como o Mantenedor (atualizador).

3-- Não existe hierarquia na natureza da Trindade, mas pode haver uma hierarquia funcional em termos do plano da salvação, como por exemplo: o Pai é que dá o Filho e o Espírito procede tanto do Pai quanto do Filho.

4-- A Trindade é o “organismo” como a Divindade Se manifesta ao ser humano.

Em teologia, como em qualquer outra ciência, há necessidade absoluta de alguns termos técnicos. Quando dizemos que há três Pessoas distintas na Divindade, não queremos, com isso, dizer que cada uma dElas seja separada da outra, como um ser humano está separado de todos os demais. Embora se diga que se amam, se ouçam, orem uns aos outros, testifiquem uns dos outros, não são, no entanto, independentes entre si; porque, como já dissemos, autoexistência e interdependência são propriedades, não das pessoas individuais, mas do Deus Triúno.” Boettner, The Trinity, 59.

Elementos essenciais à doutrina da Trindade

1-- Todas as ações da Divindade são trinitarianas.
2-- Devemos sempre começar com a unidade de Deus: O Senhor é o único Deus. Deve-se evitar o monoteísmo radical.
3-- A deidade do Pai, do Filho e do Espírito deve ser mantida. Cada um é qualitativamente igual ao outro, sendo coexistentes e coessenciais.
4-- O aspecto de “três” e o aspecto de “um” em Deus não se referem à mesma coisa: três pessoas ou manifestações e uma essência, natureza e propósito.
5-- A Trindade é eterna. Não há um tempo em que só o Pai é Deus.
6-- A Trindade sempre age em conjunto, nunca isoladamente: Uma em ação.
7-- Os membros da Trindade realizam funções diferentes que podem evidenciar subordinação ou hierarquia, mas isso não significa inferioridade. No plano da Redenção, o Filho procede do Pai e o Espírito procede tanto do Pai como do Filho. Cada qual tem uma função definida a cumprir.
8-- A Trindade é incompreensível à mente humana: só podemos aceitar Sua existência, mas nunca explicá-la definitivamente.

Para um estudo mais cuidadoso sobre o tema, veja:
Nisto Cremos, Casa Publicadora Brasileira
A Trindade, Casa Publicadora Brasileira
Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, Casa Publicadora Brasileira 





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