terça-feira, 15 de maio de 2012

Evangelismo corporativo e testemunho (comentário ao estudo nº 07)



 



I. O modelo bíblico
Tanto no Antigo como no Novo Testamento, encontra-se a ideia do evangelismo e testemunho corporativo. Dentro de uma dinâmica que reflete a cosmovisão bíblica, o evangelismo pessoal (tratado na semana passada) e o evangelismo corporativo se harmonizam, se complementam, se seguem, mas não se substituem. No contexto específico da igreja do primeiro século, como descrito no livro de Atos e demais livros do Novo Testamento, esse conceito fica ainda mais evidente e se torna um modelo para todos os grupos de cristãos.

João Batista e Jesus, exemplos missionários do Novo Testamento, têm discípulos que, como grupo, seguem o trabalho do mestre proclamando o evangelho. Raramente, os discípulos são mencionados testemunhando sozinhos. Jesus estabelece que a eficácia do testemunho dos Seus discípulos depende da relação de uns para com os outros – um testemunho corporativo (Jo 13:35). Na oração sacerdotal, Jesus reforçou a importância do testemunho da igreja para que a missão fosse realizada com eficiência – “
para que o mundo conheça que Tu Me enviaste e os amaste” (Jo 17:20-23). Se o testemunho pessoal coerente é fundamental no evangelismo pessoal, o testemunho corporativo igualmente coerente é essencial para o evangelismo corporativo.

Uma das principais marcas da igreja apostólica, descrita no livro de Atos, é sua convivência como comunidade. Lucas parece traçar uma relação estreita entre o testemunho corporativo e a missão, ao escrever sobre os cristãos primitivos: “
diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2:46-47). E também ao mencionar que “com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles” (At 4:33-34). Essa unidade era parte integral da igreja e influenciava o dia a dia, refletindo-se nas atividades missionárias.

Paulo, apesar de normalmente ser visto como um evangelista itinerante solitário, também ministrava em associação com outros, num modelo de evangelismo corporativo, e sempre esteve inserido no contexto da igreja. Talvez Romanos 1:11, 12, 15 seja uma das explicações mais claras da visão de Paulo sobre a dinâmica da comunhão com o testemunho: “
Muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom spiritual, para que sejais confirmados, isto é, para que em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha. ... Estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma”.

Segundo o estudo de George W. Murray, Paulo se engajou no evangelismo corporativo por 8 razões:

1. Comunhão (At 9:19, 26-28)
2. Companhia (At 18:18; 19:29; 20:34; 27:1-2; 28:15)
3. Proteção (At 9:30; 17:15; 20:2-4)
4. Encorajamento (At 28:15)
5. Combater a fome (At 11:30; 20:4)
6. Suprir necessidades materiais (At 18:1-3; 24:23; 27:3; 28:14)
7. Ministério da edificação (At 11:25-26; 14:21-23; 15:35; 15:40-41; 16:4-5; 19:9; 20:6-38)
8. Ministério do evangelismo (At 9:28-30; 13:1-5, 13-16, 44-46; 14:1, 7, 20-21, 25; 17:1-15; 18:5-8)

Nestas breves considerações é importante mencionar o texto de 1 Pedro 2:9  novamente (ele apareceu no comentário da lição 2). Pedro, na sua descrição multifacetada da igreja, utilizou imagens coletivas em conexão com a missão. Quando ele escreveu “vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes dAquele que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz”, o apóstolo enfatizou o testemunho como evangelismo corporativo. O verso 12 é igualmente elucidativo: “Vivam entre os pagãos de maneira exemplar para que, mesmo que eles os acusem de praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da Sua intervenção.

II. A Igreja “corporativa”
O subtítulo desta seção poderia ser somente um pleonasmo (repetição desnecessária). No entanto, desde o início da era cristã a igreja tem enfrentado cinco desafios para manter sua identidade segundo o modelo bíblico, o que tem minado o potencial da igreja para o evangelismo corporativo (Handbook of Evangelism, p. 368).

1. Individualismo. O individualismo prega a independência da vida espiritual do cristão e o leva a questionar a própria noção de igreja. O indivíduo se torna o único responsável pela espiritualidade e missão. Não basta a igreja ser uma comunidade de testemunhas, tem que ser uma comunidade testemunhadora.

2. Institucionalização. A ênfase exagerada no aspecto geográfico da igreja a torna somente um lugar em que cristãos se reúnem para adoração e enlevo espiritual. No entanto, a igreja funciona dentro de uma dinâmica fascinante em que em alguns momentos a igreja está reunida numa localização geográfica, como por exemplo nos cultos, e nos demais momentos ela é uma igreja dispersa que alcança extensões geográficas e culturais.

3. Pragmatização. Os cristãos também têm sido desafiados a seguir o modelo encarnacional de Jesus em vez de se apoiar num modelo pragmático, no qual eles se acomodam e, no máximo, colaboram assistindo a um programa da igreja.

4. Compartimentalização. O desafio da igreja é trabalhar de forma a ter todos os membros do corpo com um foco único. O modelo de Atos incluía testemunho, comunhão, adoração e ensino no contexto diário, como um ministério integral.

5. Consumismo. Finalmente, a igreja tem sido desafiada a conduzir as pessoas do modo consumista para o de serviço. A igreja não é um produto de propaganda comercial.

Expressões comuns do dia a dia refletem essas ideias: “Vou à igreja”, como vou ao supermercado; “frequento a igreja”, como frequento a escola; “pertenço a uma igreja”, como pertenço a um clube. A correção para essas ênfases unilaterais passa pela ideia de que a igreja é um grupo de pessoas numa missão santa. A igreja não pode perder suas características de organismo e movimento, de acordo com o modelo bíblico.

III. Evangelismo corporativo
Quando a igreja se conhece e entende sua identidade, o evangelismo corporativo se torna algo natural. A vida dinâmica do Corpo de Cristo só permanece saudável quando cumpre seus propósitos.

Um modelo aponta para cinco categorias gerais:

(1) Adoração: Ama ao Senhor, teu Deus, de todo o coração,
(2) Ministério: Ame seu próximo como a si mesmo,
(3) Evangelismo: Vá e faça discípulos,
(4) Comunhão: Batizando-os.
(5) Discipulado: ensinando-os a obedecer. (Rick Warren, The Purpose Driven Church).

Ao focalizar a atividade evangelística da igreja, de forma prática, percebe-se que ela segue os mesmos passos do evangelismo pessoal. O evangelismo corporativo deve:

(1) Seguir os princípios bíblicos, 
(2) Ser dependente da orientação espiritual (através da oração e do Espírito Santo), 
(3) Estar centralizado no evangelho, 
(4) Apresentar Jesus, 
(5) Atentar para o contexto, 
(6) Envolver todos de forma integral. 
(5) Convidar as pessoas à conversão e à comunhão da igreja.

Há diversas estratégias para o evangelismo corporativo, ou seja, que envolve a igreja como um todo. Entre elas, as mais conhecidas são as séries de conferências, pequenos grupos, classes bíblicas, distribuição de literatura, projetos comunitários e duplas missionárias. Vale lembrar, no entanto, que nem todo evangelismo corporativo precisa ser atracional. O contexto atual favorece esforços para evangelismo corporativo missional, que vai ao alcance das pessoas onde elas estão, demonstrando também, nesse processo, o verdadeiro interesse.

Observa-se na prática diversas importantes vantagens do testemunho corporativo. Aqui estão três delas:

Primeiramente, as pessoas que se convertem no contexto de uma comunidade são as que têm maiores chances de permanecer na igreja. O Crer e o pertencer devem fazer parte de uma só experiência. Alguns sugerem que pertencer deve vir até mesmo antes decrer. Portanto, o evangelismo corporativo deveria se concentrar em ajudar pessoas a pertencer e crer.

Em segundo lugar, nessa dinâmica de crer e pertencer, a maioria das pessoas que foram alcançadas com o evangelho através de evangelismo corporativo reconhece a importância do evangelismo pessoal, de alguma forma, no processo da sua conversão, demonstrando a dependência entre as duas realidades.

Finalmente, o evangelismo corporativo é capaz de modelar exatamente o que se busca recriar: uma comunidade de cristãos. Outras vantagens dessa abordagem coletiva incluem a incomparável glorificação a Deus, a maior credibilidade de um grupo de testemunhas, a possibilidade de unir os dons espirituais, o apoio mútuo em face da batalha espiritual, a responsabilidade compartilhada, alcance incalculável nas missões mundiais e resultados mais abundantes (George W. Murray, Paul’s Corporate Evangelism in the Book of Acts).

A crença fundamental adventista número 12 define que “
a Igreja é a comunidade de crentes que confessam a Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Unimo-nos para prestar culto, para comunhão, para instrução na Palavra, para a celebração da Ceia do Senhor, para o serviço a toda a humanidade e para a proclamação mundial do Evangelho”.

Isso nem sempre aconteceu ou acontece assim. Muitas vezes, o contato com a comunidade ficava quase que reservado para a fase pós-batismo. Hoje, as igrejas buscam integrar as pessoas através do Clube de Desbravadores, Assistência Social, Classe Bíblica, JA e Ministério da Mulher, numa visão integral de comunidade.

IV. O nosso evangelismo
Uma das características principais do fenômeno das redes sociais é a formação de comunidades fundamentadas em interesses comuns. Pertencer a essas comunidades significa estar ligado à identidade daqueles que pertencem a essa rede social. É assim que a sociedade atual supre essa necessidade universal.

Curiosamente, já em 1958, Suzanne de Dietrich identificava uma fome e sede por uma comunidade no mundo, e isso aponta para a igreja. Uma parte essencial do chamado da igreja é mostrar ao mundo o que é uma verdadeira comunidade: uma comunhão de pessoas livres, embora subjugadas umas às outras por um chamado e um serviço comuns (The Witnessing Community, p. 13).

Fazer parte da família de Deus supre nossa necessidade de pertencer e transforma nossa identidade. Rick Richardson explica que “toda vez que pessoas aderem a uma nova identidade — a transformação que ocorre na conversão — elas estão abraçando a comunidade que torna aquela identidade possível” (Reimagining Evangelism, p. 52). 
Palavras como Deus, oração, devoção, adoração, confissão, obediência e pecado são conceitos e disciplinas que não significam nada quando desconectados das práticas de uma comunidade.

Se você entender isso, saberá testemunhar corporativamente. Aqui estão algumas dicas:

1. Promova a unidade e o amor cristãos na sua igreja.
2. Ajude os membros da sua igreja a testemunhar.
3. Planeje projetos missionários na igreja com seu grupo de amigos.
4. Participe dos projetos missionários corporativos da igreja.
5. Exponha seus amigos que não são da igreja à vida corporativa da sua igreja.
Deixe que eles notem como a igreja faz parte do seu dia a dia e as bênçãos relacionadas a isso. Por exemplo, não esconda seu compromisso com o ensaio do coral da igreja ou uma distribuição de alimentos do Mutirão de Natal.
6. Fale aos seus amigos sobre as atividades da igreja. Talvez, você possa compartilhar sua impressão sobre os talentos do novo pastor ou sua empolgação com o novo projeto comunitário. Eventualmente será possível falar diretamente sobre o que é a igreja e a importância dela na sua vida.
7. Convide seus amigos para conhecer amigos da igreja e visitar sua igreja.

O Pacto de Lausanne define que “a evangelização também nos convoca à unidade, porque o ser um só corpo reforça nosso testemunho ... Reconhecemos, entretanto, que a unidade organizacional pode tomar muitas formas e não ativar necessariamente a evangelização.  Contudo, nós, que partilhamos a mesma fé bíblica, devemos estar intimamente unidos na comunhão uns com os outros, nas obras e no testemunho.”

Ilustração
John Stott descreve o evangelismo através da igreja local como “
o método mais normal, natural e produtivo de espalhar o evangelho hoje”. Por outro lado, Francis Schaeffer argumenta que, se faltar o principal, não se pode esperar que o mundo ouça a igreja, mesmo que ela tenha as respostas corretas. As respostas são essenciais, mas é necessário lembrar que a “apologia final”, como ele chama, é o amor observável entre verdadeiros cristãos.

Para isso, uma mudança radical na mentalidade é sugerida por Alan Hirsch. De “comunidade para mim” para “eu para a comunidade e a comunidade para o mundo”. Faz-nos tristes a reflexão sobre o fato de que, se algumas de nossas igrejas deixassem de existir subitamente, a comunidade não sentiria sua falta. O evangelismo corporativo muitas vezes não tem sido eficaz nem com os de mais perto. Mas talvez devêssemos perguntar também o que aconteceria conosco se a comunidade deixasse de existir. Se isso não deixar um vazio, certamente o foco da nossa vida não tem sido missionário.

Nossa maior necessidade é o coração puro, limpo e a mente compreensiva. Todos os tipos de falsidades maliciosas foram apresentados para tentar a Cristo, e também serão utilizados contra o povo que guarda os mandamentos de Deus. Como vamos provar que tudo isso é falso? Por acaso temos que construir uma parede entre nós e o mundo?’ (Ellen G. White, Pastoral Ministry, p. 91).

Pr. Marcelo E. C. Dias - Professor do SALT/UNASP
Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews mecdias@hotmail.com




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