segunda-feira, 28 de maio de 2012

Liberdade para Ministrar (comentário ao estudo nº 09)



 



No mandado de Deus para o homem (ver comentário da lição 2), Ele espera que o ser humano use sua capacidade para interagir com Ele, inclusive na missão. Uma das grandes dificuldades, próprias do mundo em pecado, é evitar as deturpações desse relacionamento. De um lado, está a tendência de apresentar a missão como um processo unicamente dependente dos esforços humanos. Do outro lado, a tendência é retratar a missão como um processo praticamente sem o engajamento humano.

Essa relação tem provado ser especificamente delicada em relação à organização, planejamento e liderança da missão. Daí a relevância deste estudo reconhecendo a total harmonia entre o ser humano e o Ser divino em todas as etapas da missão, para que o corpo de Cristo tenha verdadeira liberdade para ministrar. O objetivo do estudo desta semana é entender como a estrutura da missão influencia os membros da igreja a descobrir maneiras práticas de traduzir a teoria do testemunho em um compromisso pessoal de testemunhar ativamente.

I. Organização Missionária
Começando pelo conceito mais amplo, é importante lembrar que a missão de Deus é histórica, concreta e envolve o chamado e edificação de um povo. Na Bíblia, a ilustração do corpo de Cristo implica em um corpo visível, concreto e organizado com o propósito de cumprir a missão. Efésios 4:16 faz uma referência clara a esse aspecto: “...o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.” Literalmente, existe uma ênfase na união e integridade do corpo, cujas partes permanecem juntas e operam em harmonia, e a maneira pela qual essas estruturas são formadas é essencial para o testemunho da igreja.

A maioria das iniciativas missionárias da história, à medida que cresceram e se desenvolveram, contaram com algum tipo de organização. Como tem sido observado, no segundo estágio de qualquer movimento, após a introdução e o arranque inicial, durante a fase de intenso crescimento, a organização acontece como um processo natural. No caso da igreja adventista, não foi diferente. Logo no seu início Deus, deu instruções para a organização da igreja. Hoje, tipicamente, existe a organização do trabalho evangelístico em todos os níveis da Igreja.

Os líderes da igreja local, portanto, têm o desafio contínuo de manter a organização atualizada, ágil e fiel aos propósitos evangelísticos de Deus. Por um lado, a má organização pode engessar o impulso missionário e o processo de planejamento e organização das atividades. A igreja se torna ainda mais ineficaz quando quase não existe organização. Algumas tendências emergentes, hoje, apontam para essa última opção. É importante buscar meios de manter a organização eficiente, em vez de desorganizar a missão.

A responsabilidade da igreja local inclui descobrir onde e como cada membro pode contribuir nas estratégias de testemunho e evangelismo da igreja de acordo com os dons do Espírito e o contexto no qual está inserida a igreja. Estratégias missionárias inteligentes evitam a duplicação do trabalho, buscam novos focos para a mensagem adventista, utilizam os meios da melhor forma, se contextualizam e estão atentas aos recursos mais eficientes.

C. Peter Wagner ressalta a fidelidade e a função do mordomo como princípios importantes para a organização da missão. De forma simples, ele argumenta: “
já que sabemos que a vontade do Mestre é fazer discípulos de todas as nações, temos a responsabilidade, como bons administradores, de usar os recursos que Ele nos deu para realizar essa tarefa” (Perspectivas, p. 567).

Deve ser realizada na igreja uma obra bem organizada, para que seus membros saibam como comunicar a luz a outros e assim fortalecer a própria fé e aumentar seu conhecimento. Ao repartirem o que de Deus receberam, serão firmados na fé. A igreja que trabalha é igreja viva” (Ellen G. White, Testemunhos Seletos, v. 3, p. 68).

II. Planejamento Missionário
Considerando mais especificamente a organização missionária, é necessário mencionar o planejamento. Robert E. Coleman, no seu livro clássico de evangelismo, O Plano Mestre de Evangelismo, explica que plano é o princípio organizacional pelo qual o objetivo da sua vida é realizado. Talvez não estejamos conscientes sobre o plano o tempo todo, mas nossas ações revelam certo padrão no centro das decisões (p. 107, em inglês).

Muitos estudos têm demonstrado os propósitos do ministério de Jesus e Sua intencionalidade em termos de público-alvo, planejamento geográfico, intensidade no treinamento dos discípulos, oportunismo na Sua revelação como Filho de Deus e progressividade nos passos do plano salvífico. Coleman salienta quatro aspectos amplos:

(1) O objetivo de Jesus era claro. Jesus esteve concentrado em Sua missão de salvar (Lc 2:49). A encarnação era o desdobramento no tempo exato do plano que Deus tinha traçado desde o princípio (Gl 4:4). Ninguém seria excluído do Seu propósito salvífico (Jo 4:42).

(2) Sua meta era a vitória. Sua vida seguiu princípios condizentes com Seus objetivos. Tudo o que fez e disse era parte de um todo que tinha significância e contribuía para o propósito final.

(3) Seu método incluía os recursos humanos. Essa metodologia ficou ainda mais evidente quando Jesus começou a recrutar os discípulos. O passo seguinte foi passar muito tempo com eles como parte do seu “treinamento” para que fossem obedientes e leais.

(4) A estratégia se desenvolveu a partir da inauguração do Seu reino. Em vez de impressionar as multidões, o objetivo principal dEle era reunir pessoas que liderassem esse movimento que alcançaria a todos (Jo 17:20, 21, 23). Através do Espírito Santo, a multiplicação de discípulos faria Seu reino crescer e levaria o anúncio do evangelho a todo o mundo.

Paulo utilizou princípios estratégicos semelhantes: (1) Paulo tinha um plano: aonde ele queria ir e por quê; (2) Paulo trabalhava em equipe. Ele nunca viajava sozinho (como foi enfatizado no comentário da lição 7); (3) Paulo tinha uma estratégia evangelística. Ele sempre começava pelas sinagogas e de lá saía em busca dos gentios; (4) Paulo tinha um programa de acompanhamento. Ele enviava ajudantes designados para as igrejas iniciadas; e (5) Paulo, apesar do seu plano, era flexível para mudar os detalhes de acordo com a orientação do Espírito Santo e de acordo com o contexto cultural.

Apesar dos modelos bíblicos, várias incompreensões a respeito do planejamento são observáveis na prática. Eis os argumentos principais:

1. O planejamento é uma ferramenta secular. No entanto, na Bíblia, não parece haver essa distinção.
2. O planejamento elimina ou reduz a função e a orientação do Espírito Santo. Essa compreensão admite um divórcio entre planejar e seguir a orientação do Espírito Santo, quando, na realidade, a importância de seguir a orientação de Deus não nega a responsabilidade de planejar.
3. A tirania do urgente. Com frequência, atividade é confundida com eficiência, e o urgente com o essencial.
4. Falta de preparo da liderança e leigos da igreja. Quando decidem planejar, seguem um modelo inadequado que rapidamente desanima a todos (Henry Kloop, The Ministry Playbook, p. 28).

Outras críticas também frequentes envolvem a ideia de que o planejamento assume um ambiente predizível, tende a ser feito em isolamento, não pode ser formalizado em um sistema e leva muito tempo.

Ellen G. White destaca a correta relação entre Deus e Seus filhos quanto ao planejamento: “
Não nos esqueçamos de que, ao aumentarmos a atividade, seremos bem-sucedidos em fazer a obra que tem de ser realizada e há o perigo de confiar em planos e métodos humanos. Haverá tendência para orar menos, e ter menos fé. Correremos o perigo de perder o senso de nossa dependência de Deus, o único que pode fazer com que nosso trabalho seja bem-sucedido; mas se bem que essa seja a tendência, que ninguém pense que o instrumento humano tenha de fazer menos. Não, ele não tem de fazer menos, porém mais, mediante a aceitação do celeste dom, o Espírito Santo” (Serviço Cristão, p. 98).

III. Liderança missionária
Finalmente, a prática missionária envolve os líderes que estão à frente da organização e dos planejamentos missionários. Muitos se entusiasmam com as estratégias evangelísticas da sua igreja, mas a liderança não faz provisão para que essas pessoas se envolvam. “O objetivo da liderança é formar e capacitar um povo que demonstre e anuncie o propósito e a direção de Deus através de Jesus Cristo” (Missional Church, p. 183).

A Bíblia está repleta de exemplos de líderes que se empenharam para desenvolver respostas estratégicas às circunstâncias em prol do cumprimento da missão. Alvin Reid (Evangelism Handbook) sugere sete princípios para a liderança missionária inspirados no exemplo de Jesus e nos ensinamentos bíblicos:

(1) Lidere com confiança no chamado de Deus. O ambiente do evangelismo é uma luta entre o bem e o mal, que não hesitará em usar todos os tipos de circunstâncias e pessoas para questionar sua capacidade como instrumento de Deus.
(2) Lidere capacitando outros líderes.  A evidência dada àqueles que lideram a missão pode se tornar um alimento ao ego e uma barreira ao princípio da capacitação de outros para que muito mais possa ser feito.
(3) Lidere com humildade. No mundo competitivo de hoje, no curto prazo, este princípio parecerá uma fraqueza, mas a longo prazo garantirá a eficiência do líder.
(4) Lidere para a excelência em Cristo. A função dos líderes é prover visão e esperança para o povo de Deus e ajudá-lo a entender o impacto que pode exercer na vida de outros, segundo o plano de Deus para sua vida.
(5) Lidere pela fé. Em meio a todos os tipos de tendências passageiras da sociedade e, às vezes, da igreja, a fé em Deus será o norte orientador que conduzirá o líder.
(6) Lidere pela definição de realidade. A disposição em servir elucidando a realidade segundo a Palavra de Deus autenticará a liderança mais do que as características da sua personalidade.
(7) Lidere pelo seu caráter. Somente esse princípio garantirá sua influência em situações diversas.

IV. Minha liderança
Um estudo, publicado em 2008 pelo Christian Post, indicou que o mau planejamento é um dos responsáveis pela falta de desenvolvimento das igrejas. Somente 29% dos líderes afirmaram ter um plano claro para sua igreja. Quase a metade (44%) afirmou que não entende porque as coisas não dão certo, enquanto 30% afirmaram estar confusos quanto a saber onde investir tempo e esforços. Quarenta por cento dos entrevistados concordaram que a igreja raramente tira tempo para refletir e planejar apropriadamente. Menos de 60% das igrejas revisam regularmente os métodos e resultados dos eventos e programas. Um dos diretores da LifeWay Researchapontou que cada igreja deveria utilizar membros com o dom de organizar pessoas e processos. Segundo ele ainda, "a eficácia do ministério da igreja local é anulado pela fraca organização."

Como líder é importante responder estas perguntas: minha liderança tem influenciado positivamente para que as pessoas se envolvam na missão? Elas são testemunhas mais eficientes em função disso?

Ilustração
O grande líder Conde Nikolaus von Zinzendorf (1700-1760) resumiu sua ambição em uma frase: “Tenho uma paixão: é Ele, somente Ele”. Zinzendorf transformou sua paixão em realidade ao renovar o movimento Morávio. Antes mesmo que os movimentos missionários modernos existissem, os morávios estabeleceram igrejas além-mar e chegaram a ter três vezes mais membros lá do que nas igrejas que os enviaram. Um em cada 92 morávios serviu como missionário intercultural. Assim, no século 18, num período de 20 anos, a igreja dos morávios enviou mais missionários para o mundo do que todas as igrejas protestantes em 200 anos! (Oswald Sanders, Spiritual Leadership, p. 14)

Carecemos hoje de Neemias na igreja - não de homens capazes de pregar e orar apenas, mas de homens cujas orações e sermões sejam animados de firme e sincero propósito. O procedimento seguido por esse patriota hebreu na realização de seus planos devia ser ainda adotado pelos pastores e dirigentes. Havendo eles delineado seus planos, deveriam expô-los perante a igreja de maneira que lhes atraísse o interesse e a cooperação. Fazei que o povo compreenda os planos e tome parte na obra, e hão de se interessar pessoalmente em sua prosperidade. O êxito que acompanhou os esforços de Neemias mostra o que podem realizar a oração, a fé e uma ação sábia e enérgica” (Ellen G. White, Serviço Cristão, p. 177).

Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews - mecdias@hotmail.com





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