Seguindo o pensamento-chave da lição desta
semana, que ressalta a importância do relacionamento com Jesus como preparação
principal para evangelizar e testemunhar, vamos explorar esse tema, que
certamente poderia ter sido enfatizado mais cedo no trimestre (foi mencionado
de relance na lição 6).
I. Espiritualidade apaixonada
A missão de Deus é uma atividade
essencialmente espiritual. Isso significa que o contexto, os agentes, os
objetivos e o poder interagem e pertencem tanto à esfera natural como à
sobrenatural. Isso significa que a missão jamais pode ser equivalente a
estratégias de marketing, programas políticos ou desenvolvimentos sociais
meramente humanos. O Pacto de Lausanne confirma “a necessidade de nos revestirmos da armadura de Deus e
combater essa batalha com as armas espirituais da verdade e da oração...
Precisamos tanto de vigilância como de discernimento para salvaguardar o
evangelho bíblico. Reconhecemos que nós mesmos não somos imunes à aceitação do
mundanismo em nossos atos e ações, ou seja, ao perigo de capitularmos diante do
secularismo.”
Nesse contexto, o ser humano só se torna um verdadeiro coobreiro de Deus quando
também desenvolve sua vida espiritual, como a lição aponta, através de:
(1) entrega diária à vontade de Deus,
(2) desejo diário de morrer para si mesmo,
(3) manter a graça de Deus diariamente
perante si,
(4) lembrança diária daquilo que Jesus fez
pela humanidade e
(5) lembrança diária da resposta humana ao
amor dEle através do engajamento na missão.
Portanto, como defende Michael Frost, a cruz deve ser o paradigma missionário para a santidade, com a
ênfase correta do modelo de Jesus demonstrada na sua aproximação daqueles que
precisam conhecê-Lo e não no distanciamento deles (The Road to Missional, p. 81). Distorções da compreensão
bíblica sobre espiritualidade e santidade levam à atitude de superioridade,
isolamento e legalismo.
Ser um discípulo de Cristo envolve o compromisso de se tornar mais semelhante a
Ele, incluindo o carregar diariamente de Sua cruz (Lc 9:23), conformar-se ao
padrão de vida demonstrado na morte de Jesus na cruz e a obediência a Deus ao
ponto de levar a cruz. A encarnação de Jesus molda uma espiritualidade robusta
já que “a cruz é o supremo ato de engajamento” com a humanidade (The Road
to Missional, p. 90).
Para ilustrar esse princípio, Christian Schwarz aponta para resultados da sua
pesquisa que mostram que a qualidade da vida espiritual, incluindo a oração e o
estudo da Bíblia estão diretamente relacionados com o perfil de uma igreja
vibrante. Ele conclui que “precisamos
cultivar uma espiritualidade que seja verdadeiramente fundamentada na Palavra
de Deus, dirigida pelo Espírito Santo e focalizada no mundo” (Color Your World with Natural
Church Development, p. 110).
“Jesus não teve pecado, mas
cresceu em Nazaré. Ele
era santo, mas comia e bebia com pecadores, coletores de impostos e
prostitutas. Ele foi glorificado enquanto estava pendurado nu e ensanguentado
na cruz” (The Road to
Missional, p. 90).
II. Espiritualidade disciplinada
Na preparação para evangelizar e
testemunhar, alguns hábitos espirituais são especialmente importantes. O estudo da Bíblia foi claramente recomendado por Paulo a
Timóteo em 2 Timóteo 2:15. Para o cristão, a meditação não significa esvaziar a mente, mas
continuamente contemplar uma verdade. Finalmente, louvor e ação de graças.
Lucas inclui um relato surpreendente de discípulos louvando após terem sido
açoitados por pregar sobre Cristo, em Jerusalém (At 5: 40-42). Tem a ver com aprender a estar
contente apesar das circunstâncias.
“Muitas outras disciplinas espirituais poderiam ser exploradas. O foco dessas
disciplinas é o crescimento no amor a Deus e aos outros. Os cristãos devem
crescer no amor de Deus, desfrutando dEle e O buscando; se submetendo a
Ele em obediência; se arrependendo perante Ele; tendo comunhão com Ele através
de oração e adoração; temendo-O, confiando nEle e agradecendo-Lhe em todas as
circunstâncias de vida. Eles O buscam como pessoas tomadas pelo Espírito Santo
cujo anseio por Ele vem da obra do Espírito Santo neles” (Introducing World Mission, p. 181).
Todas as disciplinas espirituais e traços de caráter mereceriam mais espaço
neste comentário, mas vamos tratar um pouco mais sobre a oração,
que tem sido amplamente destacada pela missiologia. Além dos momentos
específicos de oração, a ideia é desenvolver uma vida de oração.
Quatro motivos especiais de oração
relacionados com a missão:
1. Ore pela sua vida espiritual. Como nos relembra Ronaldo Lidório, “antes de servir para expor o evangelho de
Deus, a Igreja foi revestida de autoridade para ser santa, fiel e viver toda a
plenitude do evangelho” (Perspectivas
no Movimento Cristão Mundial, p.
208). A autoridade de Deus deve transformar a vida do missionário para que este
possa ter autoridade no testemunho.
2. Ore por ousadia e coerência no
testemunhar. A oração descrita em Atos 4:29-31 e o seu
contexto são um exemplo claro da importância dessa dependência de Deus ao
testemunhar. Uma observação importante é que os apóstolos não oraram para
interromper a oposição, mas pediram ousadia e liberdade para proclamar o
evangelho. Em Efésios 6: 18-20 encontram-se as mesmas expressões referindo-se à
preparação para a batalha espiritual, inclusive mencionando a necessidade de se
revestir da armadura de Deus.
3. Ore pelos demais obreiros na missão. Mateus 9:38 é o texto clássico sobre a
necessidade de mais pessoas envolvidas na missão.
4. Ore por aqueles para os quais você
testemunhará e então ore com eles. Robert Speer afirmou que “a evangelização do mundo... depende
primeiramente de um reavivamento da oração”. Isso inclui orar para que Deus abra as portas (Cl 4:3) e pelos
que têm o entendimento cegado (2Co 4:4).
De acordo com uma pesquisa recente, em 73%
das igrejas saudáveis é normal ver pessoas orando juntas. Momentos de oração
espontânea em cultos, grupos ou classes são comuns na vida dessas igrejas.
Aqueles que lideram a igreja passam tempo em oração, antes de conduzir o Corpo.
Os que frenquentam ali dizem ter vontade de orar mais quando vão à igreja.
Essas congregações são humildemente dependentes de Deus para manter sua
vitalidade. Segundo os entrevistados, “a oração é nossa ligação para receber compreensão de Deus sobre Sua
Palavra e prosseguir em obediência à Sua missão” (Transformational Church, p. 125).
Uma atitude de oração deve levar a um maior desejo de agir. Se isso não
acontece, alguma coisa está errada. Deus atua onde as pessoas oram. Onde Deus
atua, existe transformação. Um exército marcha em pé, mas a igreja do Deus vivo marcha ajoelhada (S. Joseph Kidder, The Big Four, p. 101).
III. Espiritualidade transformada
Como resultado da vida espiritual, alguns
traços de caráter resultantes são especialmente relacionados com o evangelismo
e o testemunho. As
características do fruto do Espírito (Gl 5:22, 23) são a principal ênfase desta
seção. Todo esse processo de preparação espiritual é obra do Espírito Santo na
vida do cristão. A lição ressalta uma dinâmica interessante daqueles que
começam a servir a Deus e ficam a par das próprias necessidades espirituais. Ao
pedirem e receberem a contínua presença do Espírito Santo são habilitados para
um ministério constante. Em 1 Timóteo 3:1-13 e Tito 1:6-9 encontram-se listas
de características importantes para aqueles que se engajam na missão. Aqui
estão algumas em destaque:
1. Dependência genuína de Deus. Essa característica está relacionada com a
submissão à soberania de Deus e disposição de obedecer-Lhe. Além disso, essa
dependência leva a pessoa a priorizar os princípios em lugar dos sentimentos; e
a voz de Deus em vez da opinião pública.
2. Humildade para aprender. Essa atitude está relacionada com a
compreensão real de que outros são importantes, são usados por Deus, inclusive
para ensinar e preparar para a missão. A tentação está em pensar que só temos a
oferecer e nunca a receber.
Juntamente com essa percepção está o
reconhecimento da própria limitação e pequenez diante da totalidade dos
propósitos de Deus (At 20:19).
3. Empatia. Isso significa mais do que entender a
outra pessoa, enxegar o mundo como ela enxerga, é calçar os sapatos dela. Essa
característica não é exclusiva dos extrovertidos, mas daqueles que têm uma
escala de valores moldada pelo reino de Deus e que não hesitam em decidir pelas
pessoas em vez das tarefas. Levar em conta as consequências de longo alcance
das suas decisões faz parte dessa característica.
4. Tolerância à flexibilidade. Talvez essa seja a mais difícil de
aprender já que exige dependência de Deus e está relacionada com o permitir que
o Espírito Santo altere os planos humanos segundo Lhe apraz. Essa
característica é demonstrada quando alguém se revela tolerante e capaz de
interagir com tipos diferentes de pessoas e, apesar das diferenças e maneiras
de apresentar seus argumentos, não se sentir ameaçado e evitar críticas
improdutivas sobre os que estão recebendo o evangelho.
5. Perseverança. Essa é a habilidade de permanecer em
determinada situação e ter atitude positiva, mesmo em face de dificuldades.
Isso é diferente de teimosia ou recusa em aceitar a orientação de Deus. Está
mais relacionado com priorizar o sacrifício em vez do conforto (Introducing
World Mission, p. 176-178).
IV. Minha vida espiritual
Apesar de a Faculdade de Teologia ser o
local para o treinamento formal dos pastores, em função do foco da lição, vamos
ressaltar a importância da igreja local no preparo dos cristãos para a missão.
Estudar sobre algo é diferente de viver algo. “O contato de longo prazo, o
ensino da Palavra, a vida em comunidade e o crescimento mútuo de cristãos que
se amam e ajudam uns aos outros a viver dignamente no Senhor é a melhor escola
missionária” (Bárbara Burns, “O Papel da igreja local no preparo missionário”, em: Perspectivas no Movimento Cristão
Mundial, p. 753).
Bárbara Burns indica cinco áreas
principais em que a igreja tem maior responsabilidade e condições de ajudar na
formação dos membros:
1. Atitude para com Deus. A maioria das pessoas com quem convivemos
tem uma ideia bastante secular sobre Deus que, no caso dos cristãos, é moldada
primariamente no lar e então na igreja. Quem é o Deus que os adventistas vão
apresentar às pessoas?
2. Atitude para com a mensagem do
evangelho. Muitos esforços evangelísticos hoje têm
apresentado um evangelho distorcido com ênfase na prosperidade e nas
necessidades humanas, e nem sempre no pecado, na cruz, no sangue sacrifical de
Jesus e na esperança da ressurreição.
3. Atitude para com a Palavra de Deus. A Bíblia não é um mero livro, é a
revelação de Deus. Com que visão e conteúdo da Palavra os membros têm sido
enviados por nossas igrejas?
4. Atitude para com a própria igreja. As imagens que prevalecem a respeito da
igreja: um clube, um hospital, uma empresa, uma sociedade secreta, ou uma
família, um corpo, um canal por onde Deus demonstra o seu amor e sua glória
àqueles que não O conhecem.
5. Atitude para com o povo. A igreja pode ajudar na formação das
pessoas e ser um modelo de como orar, se interessar, se mobilizar, quebrar
preconceitos e ser humilde no contato com as pessoas.
“No ministério, a maior tentação é o desejo de alcançar status. Esse
é um dos maiores empecilhos para o evangelismo na igreja. Muitas igrejas hoje
estão prejudicadas no seu evangelismo porque líderes ... estão mais preocupados
com sua condição pessoal do que com o crescimento evangelístico da igreja do
Senhor... Quando somos jovens e as oportunidades surgem, tipicamente dizemos
‘Por que eu, Senhor?’ surpresos de que Deus poderia salvar e usar pessoas como
nós. Mas ao nos tornarmos experientes, estudados e enfatuados somos mais
tentados a dizer ‘Por que não eu, Senhor?’ imaginando porque não fomos
escolhidos para esta ou aquela posição” (Alvin Reid, Evangelism
Handbook, p. 201).
É importante parar e questionar se sua espiritualidade é apaixonada pelo
semelhante. Tem você desenvolvido hábitos que o protegem e o ajudam na batalha
espiritual diária, e que auxiliam na transformação do seu caráter,
especialmente através da oração? Além do seu relacionamento pessoal, sua igreja
local é um centro de preparo para o testemunho.
Ilustração
Em 1874, a
Igreja Adventista enviou oficialmente seu primeiro missionário intercultural:
J. N. Andrews. Devido à necessidade urgente de missionários em outros países,
nesse caso, a Europa, um mês após a decisão oficial, Andrews e seus filhos
partiram rumo à Suíça. Na ocasião da escolha de Andrews, Ellen White declarou
que estavam enviando o
homem mais habilidoso entre
eles. Andrews se destacava pelas suas habilidades linguísticas, acadêmicas, sua
longa experiência na igreja, seu serviço como editor e seus anos como
presidente da Associação Geral. Todas essas habilidades se mostraram importantes
nas várias iniciativas missionárias, mas, acima de tudo, Andrews se destacou
pela sua dependência genuína e entrega total a Deus.
E. M. Bounds, que escreveu muito sobre a oração, disse que “pessoas
são o método de Deus. A igreja está procurando métodos melhores, enquanto Deus está buscando
pessoas melhores”
(citado em Out of the Salt
Shaker, p. 239).
Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP – Doutorando (PhD) em Missiologia pela
Universidade Andrews - mecdias@hotmail.com
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