quarta-feira, 23 de maio de 2012

Preparação para Evangelizar e Testemunhar (comentário ao estudo nº 08)





                                                   
Seguindo o pensamento-chave da lição desta semana, que ressalta a importância do relacionamento com Jesus como preparação principal para evangelizar e testemunhar, vamos explorar esse tema, que certamente poderia ter sido enfatizado mais cedo no trimestre (foi mencionado de relance na lição 6).

I. Espiritualidade apaixonada
A missão de Deus é uma atividade essencialmente espiritual. Isso significa que o contexto, os agentes, os objetivos e o poder interagem e pertencem tanto à esfera natural como à sobrenatural. Isso significa que a missão jamais pode ser equivalente a estratégias de marketing, programas políticos ou desenvolvimentos sociais meramente humanos. O Pacto de Lausanne confirma “a necessidade de nos revestirmos da armadura de Deus e combater essa batalha com as armas espirituais da verdade e da oração... Precisamos tanto de vigilância como de discernimento para salvaguardar o evangelho bíblico. Reconhecemos que nós mesmos não somos imunes à aceitação do mundanismo em nossos atos e ações, ou seja, ao perigo de capitularmos diante do secularismo.

Nesse contexto, o ser humano só se torna um verdadeiro coobreiro de Deus quando também desenvolve sua vida espiritual, como a lição aponta, através de:

(1) entrega diária à vontade de Deus,
(2) desejo diário de morrer para si mesmo,
(3) manter a graça de Deus diariamente perante si,
(4) lembrança diária daquilo que Jesus fez pela humanidade e
(5) lembrança diária da resposta humana ao amor dEle através do engajamento na missão.

Portanto, como defende Michael Frost,
a cruz deve ser o paradigma missionário para a santidade, com a ênfase correta do modelo de Jesus demonstrada na sua aproximação daqueles que precisam conhecê-Lo e não no distanciamento deles (The Road to Missional, p. 81). Distorções da compreensão bíblica sobre espiritualidade e santidade levam à atitude de superioridade, isolamento e legalismo.

Ser um discípulo de Cristo envolve o compromisso de se tornar mais semelhante a Ele, incluindo o carregar diariamente de Sua cruz (Lc 9:23), conformar-se ao padrão de vida demonstrado na morte de Jesus na cruz e a obediência a Deus ao ponto de levar a cruz. A encarnação de Jesus molda uma espiritualidade robusta já que “a cruz é o supremo ato de engajamento” com a humanidade (The Road to Missional, p. 90).

Para ilustrar esse princípio, Christian Schwarz aponta para resultados da sua pesquisa que mostram que a qualidade da vida espiritual, incluindo a oração e o estudo da Bíblia estão diretamente relacionados com o perfil de uma igreja vibrante. Ele conclui que “
precisamos cultivar uma espiritualidade que seja verdadeiramente fundamentada na Palavra de Deus, dirigida pelo Espírito Santo e focalizada no mundo” (Color Your World with Natural Church Development, p. 110).

Jesus não teve pecado, mas cresceu em Nazaré. Ele era santo, mas comia e bebia com pecadores, coletores de impostos e prostitutas. Ele foi glorificado enquanto estava pendurado nu e ensanguentado na cruz” (The Road to Missional, p. 90).

II. Espiritualidade disciplinada
Na preparação para evangelizar e testemunhar, alguns hábitos espirituais são especialmente importantes. O estudo da Bíblia foi claramente recomendado por Paulo a Timóteo em 2 Timóteo 2:15. Para o cristão, a meditação não significa esvaziar a mente, mas continuamente contemplar uma verdade. Finalmente, louvor e ação de graças. Lucas inclui um relato surpreendente de discípulos louvando após terem sido açoitados por pregar sobre Cristo, em Jerusalém (At 5:  40-42). Tem a ver com aprender a estar contente apesar das circunstâncias.

“Muitas outras disciplinas espirituais poderiam ser exploradas. O foco dessas disciplinas é o crescimento no amor a Deus e aos outros. Os cristãos devem crescer no amor de Deus,  desfrutando dEle e O buscando; se submetendo a Ele em obediência; se arrependendo perante Ele; tendo comunhão com Ele através de oração e adoração; temendo-O, confiando nEle e agradecendo-Lhe em todas as circunstâncias de vida. Eles O buscam como pessoas tomadas pelo Espírito Santo cujo anseio por Ele vem da obra do Espírito Santo neles” (Introducing World Mission, p. 181).

Todas as disciplinas espirituais e traços de caráter mereceriam mais espaço neste comentário, mas vamos tratar um pouco mais sobre a oração, que tem sido amplamente destacada pela missiologia. Além dos momentos específicos de oração, a ideia é desenvolver uma vida de oração.

Quatro motivos especiais de oração relacionados com a missão:

1. Ore pela sua vida espiritual. Como nos relembra Ronaldo Lidório, “antes de servir para expor o evangelho de Deus, a Igreja foi revestida de autoridade para ser santa, fiel e viver toda a plenitude do evangelho” (Perspectivas no Movimento Cristão Mundial, p. 208). A autoridade de Deus deve transformar a vida do missionário para que este possa ter autoridade no testemunho.

2. Ore por ousadia e coerência no testemunhar. A oração descrita em Atos 4:29-31 e o seu contexto são um exemplo claro da importância dessa dependência de Deus ao testemunhar. Uma observação importante é que os apóstolos não oraram para interromper a oposição, mas pediram ousadia e liberdade para proclamar o evangelho. Em Efésios 6: 18-20 encontram-se as mesmas expressões referindo-se à preparação para a batalha espiritual, inclusive mencionando a necessidade de se revestir da armadura de Deus.

3. Ore pelos demais obreiros na missão. Mateus 9:38 é o texto clássico sobre a necessidade de mais pessoas envolvidas na missão.

4. Ore por aqueles para os quais você testemunhará e então ore com eles. Robert Speer afirmou que “a evangelização do mundo... depende primeiramente de um reavivamento da oração”. Isso inclui orar para que Deus abra as portas (Cl 4:3) e pelos que têm o entendimento cegado (2Co 4:4).

De acordo com uma pesquisa recente, em 73% das igrejas saudáveis é normal ver pessoas orando juntas. Momentos de oração espontânea em cultos, grupos ou classes são comuns na vida dessas igrejas. Aqueles que lideram a igreja passam tempo em oração, antes de conduzir o Corpo. Os que frenquentam ali dizem ter vontade de orar mais quando vão à igreja. Essas congregações são humildemente dependentes de Deus para manter sua vitalidade. Segundo os entrevistados, “a oração é nossa ligação para receber compreensão de Deus sobre Sua Palavra e prosseguir em obediência à Sua missão” (Transformational Church, p. 125).

Uma atitude de oração deve levar a um maior desejo de agir. Se isso não acontece, alguma coisa está errada. Deus atua onde as pessoas oram. Onde Deus atua, existe transformação. 
Um exército marcha em pé, mas a igreja do Deus vivo marcha ajoelhada (S. Joseph Kidder, The Big Four, p. 101).

III. Espiritualidade transformada
Como resultado da vida espiritual, alguns traços de caráter resultantes são especialmente relacionados com o evangelismo e o testemunho. As características do fruto do Espírito (Gl 5:22, 23) são a principal ênfase desta seção. Todo esse processo de preparação espiritual é obra do Espírito Santo na vida do cristão. A lição ressalta uma dinâmica interessante daqueles que começam a servir a Deus e ficam a par das próprias necessidades espirituais. Ao pedirem e receberem a contínua presença do Espírito Santo são habilitados para um ministério constante. Em 1 Timóteo 3:1-13 e Tito 1:6-9 encontram-se listas de características importantes para aqueles que se engajam na missão. Aqui estão algumas em destaque:

1. Dependência genuína de Deus. Essa característica está relacionada com a submissão à soberania de Deus e disposição de obedecer-Lhe. Além disso, essa dependência leva a pessoa a priorizar os princípios em lugar dos sentimentos; e a voz de Deus em vez da opinião pública.

2. Humildade para aprender. Essa atitude está relacionada com a compreensão real de que outros são importantes, são usados por Deus, inclusive para ensinar e preparar para a missão. A tentação está em pensar que só temos a oferecer e nunca a receber.

Juntamente com essa percepção está o reconhecimento da própria limitação e pequenez diante da totalidade dos propósitos de Deus (At 20:19).

3. Empatia. Isso significa mais do que entender a outra pessoa, enxegar o mundo como ela enxerga, é calçar os sapatos dela. Essa característica não é exclusiva dos extrovertidos, mas daqueles que têm uma escala de valores moldada pelo reino de Deus e que não hesitam em decidir pelas pessoas em vez das tarefas. Levar em conta as consequências de longo alcance das suas decisões faz parte dessa característica.

4. Tolerância à flexibilidade. Talvez essa seja a mais difícil de aprender já que exige dependência de Deus e está relacionada com o permitir que o Espírito Santo altere os planos humanos segundo Lhe apraz. Essa característica é demonstrada quando alguém se revela tolerante e capaz de interagir com tipos diferentes de pessoas e, apesar das diferenças e maneiras de apresentar seus argumentos, não se sentir ameaçado e evitar críticas improdutivas sobre os que estão recebendo o evangelho.

5. Perseverança. Essa é a habilidade de permanecer em determinada situação e ter atitude positiva, mesmo em face de dificuldades. Isso é diferente de teimosia ou recusa em aceitar a orientação de Deus. Está mais relacionado com priorizar o sacrifício em vez do conforto (Introducing World Mission, p. 176-178).

IV. Minha vida espiritual
Apesar de a Faculdade de Teologia ser o local para o treinamento formal dos pastores, em função do foco da lição, vamos ressaltar a importância da igreja local no preparo dos cristãos para a missão. Estudar sobre algo é diferente de viver algo. “O contato de longo prazo, o ensino da Palavra, a vida em comunidade e o crescimento mútuo de cristãos que se amam e ajudam uns aos outros a viver dignamente no Senhor é a melhor escola missionária” (Bárbara Burns, “O Papel da igreja local no preparo missionário”, em: Perspectivas no Movimento Cristão Mundial, p. 753).

Bárbara Burns indica cinco áreas principais em que a igreja tem maior responsabilidade e condições de ajudar na formação dos membros:

1. Atitude para com Deus. A maioria das pessoas com quem convivemos tem uma ideia bastante secular sobre Deus que, no caso dos cristãos, é moldada primariamente no lar e então na igreja. Quem é o Deus que os adventistas vão apresentar às pessoas?

2. Atitude para com a mensagem do evangelho. Muitos esforços evangelísticos hoje têm apresentado um evangelho distorcido com ênfase na prosperidade e nas necessidades humanas, e nem sempre no pecado, na cruz, no sangue sacrifical de Jesus e na esperança da ressurreição.

3. Atitude para com a Palavra de Deus. A Bíblia não é um mero livro, é a revelação de Deus. Com que visão e conteúdo da Palavra os membros têm sido enviados por nossas igrejas?

4. Atitude para com a própria igreja. As imagens que prevalecem a respeito da igreja: um clube, um hospital, uma empresa, uma sociedade secreta, ou uma família, um corpo, um canal por onde Deus demonstra o seu amor e sua glória àqueles que não O conhecem.

5. Atitude para com o povo. A igreja pode ajudar na formação das pessoas e ser um modelo de como orar, se interessar, se mobilizar, quebrar preconceitos e ser humilde no contato com as pessoas.

No ministério, a maior tentação é o desejo de alcançar status. Esse é um dos maiores empecilhos para o evangelismo na igreja. Muitas igrejas hoje estão prejudicadas no seu evangelismo porque líderes ... estão mais preocupados com sua condição pessoal do que com o crescimento evangelístico da igreja do Senhor... Quando somos jovens e as oportunidades surgem, tipicamente dizemos ‘Por que eu, Senhor?’ surpresos de que Deus poderia salvar e usar pessoas como nós. Mas ao nos tornarmos experientes, estudados e enfatuados somos mais tentados a dizer ‘Por que não eu, Senhor?’ imaginando porque não fomos escolhidos para esta ou aquela posição” (Alvin Reid, Evangelism Handbook, p. 201).

É importante parar e questionar se sua espiritualidade é apaixonada pelo semelhante. Tem você desenvolvido hábitos que o protegem e o ajudam na batalha espiritual diária, e que auxiliam na transformação do seu caráter, especialmente através da oração? Além do seu relacionamento pessoal, sua igreja local é um centro de preparo para o testemunho.

Ilustração
Em 1874, a Igreja Adventista enviou oficialmente seu primeiro missionário intercultural: J. N. Andrews. Devido à necessidade urgente de missionários em outros países, nesse caso, a Europa, um mês após a decisão oficial, Andrews e seus filhos partiram rumo à Suíça. Na ocasião da escolha de Andrews, Ellen White declarou que estavam enviando o homem mais habilidoso entre eles. Andrews se destacava pelas suas habilidades linguísticas, acadêmicas, sua longa experiência na igreja, seu serviço como editor e seus anos como presidente da Associação Geral. Todas essas habilidades se mostraram importantes nas várias iniciativas missionárias, mas, acima de tudo, Andrews se destacou pela sua dependência genuína e entrega total a Deus.

E. M. Bounds, que escreveu muito sobre a oração, disse que “
pessoas são o método de Deus. A igreja está procurando métodos melhores, enquanto Deus está buscando pessoas melhores” (citado em Out of the Salt Shaker, p. 239).

Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP – Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews - mecdias@hotmail.com




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