quinta-feira, 7 de junho de 2012

Uma resposta de amor (comentário ao estudo nº 10)



 


O importante estudo desta semana poderia ter aparecido antes no trimestre como parte de um questionamento lógico que precede o engajamento na missão. Obviamente ele também acontece como verificação das motivações do missionário, durante uma vida de dedicação e serviço a Deus, respondendo à pergunta: “Por que(m) evangelismo e testemunho?”

I. A glória de Deus
A Bíblia ensina que a glória de Deus é manifesta de muitas formas, como por exemplo pela natureza (Sl 19:1-6). Mas de forma maravilhosa através do plano da salvação, que culmina com a missão de Jesus ao mundo: uma revelação da glória Deus (Jo 1:14). Colossenses 1:16 (“Tudo foi criado por meio dEle e para Ele”,) e Romanos 11:36 (“Porque dEle, e por meio dEle, e para Ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória eternamente”) ensinam que Deus está no centro do Universo e, por isso, é o recebedor de toda a glória. O Apocalipse revela a questão da glória a Deus (ver Ap 1:17; 5:6-14; 7:9-10) e o desfecho desse grande conflito num contexto de adoração.

Na Bíblia, as nações são convocadas a reconhecer a grandeza do único Deus criador dos céus e da Terra e a se unir em louvor a Ele. O salmista escreve sobre o propósito redentor de Deus para todos os povos e a reação deles: “
Louvem-Te os povos, ó Deus; louvem-Te os povos todos” (Sl 67:3), “Lembrar-se-ão do Senhor e a Ele se converterão os confins da Terra; perante Ele se prostrarão todas as famílias das nações” (Sl 22:27) e “Todas as nações que fizeste virão, prostrar-se-ão diante de Ti, Senhor, e glorificarão o Teu nome” (Sl 86:9).

Durante o ministério encarnacional de Cristo, o tema da glorificação  esteve sempre presente. Jesus glorifica o Pai (Jo 7:18; 17:1) e é o “resplendor” da Sua glória (Hb 1:3); afinal, Ele tem uma missão de glorificação (Jo 17:4). Mas esse propósito é extensivo a toda a criação, por isso a missão de Jesus também foi “
para que os gentios [glorificassem] a Deus por causa da Sua misericórdia” (Rm 15:9). Todos os que aceitam o convite do evangelho, rendem glória a Deus. Assim é com os discípulos de Cristo (Jo 17:9-10) e a Igreja (Ef 1:5-14).

O processo pode ser esboçado da seguinte maneira: à medida que homens e mulheres ouvem a mensagem de Cristo, recebem o Seu perdão e buscam viver sob o Seu senhorio, glorificando a Deus com sua vida e se tornam adoradores do Altíssimo no sentido mais amplo do termo (Encountering Theology of Mission, p. 80).

II. Motivações para a missão
Historicamente, Bosch aponta vários textos bíblicos que serviram como referência, quase um verso áureo, para a motivação à missão. No período dos pais da igreja, João 3:16 parecia ser o preferido; no período medieval, Lucas 14:23 (“Sai pelos caminhos e atalhos e obriga a todos a entrar, para que fique cheia a Minha casa”) ocupou esse papel; e para os reformadores, Romanos 1:16 (“Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”) teria sido o texto principal. O período do Iluminismo é mais complexo e talvez não haja um texto único. Tanto Atos 16:9, a visão de Paulo sobre o macedônio em relação a outras etnias e religiões, como João 10:10 e seu forte apelo àqueles que enfatizavam a assistência social e uma vida repleta de coisas boas, foram bastante proeminentes. A partir de William Carey, o pai das missões modernas, e a publicação do seu folheto em 1792, foi que a Grande Comissão de Mateus 28 passou a ocupar esse lugar central (Transforming Mission, p. 339).

Três princípios são observados neste estudo:
(1) tudo começa nAquele onde a missão se origina e se concentra, em Deus;
(2) as nossas motivações para amar a Deus devem permanecer puras, assim como nossas motivações para a missão; e
(3) não há um motivo isolado que possa explicar o crescimento do zelo missionário.

A glória de Deus se encontra no topo da lista. É inerente ao caráter de Deus, transpõe a era de pecado da história humana, aponta para o propósito da criação de Deus e da Sua restauração final. John R. W. Stott afirma que “a exaltação de Jesus Cristo à direita do Pai, isto é, à posição de suprema honra, provê o mais forte de todos os incentivos missionários (The Contemporary Christian, p. 366).

Mais recentemente, John Piper tem despertado a reflexão nesse sentido dizendo que a “missão existe porque a adoração não existe.” Por isso, a maior motivação para a missão é levar o evangelho às nações para que todos se tornem adoradores do Rei. Ele acredita que a adoração “é o combustível e o objetivo da missão (Let the Nations Be Glad, p. 17).

Além da breve sinopse da seção anterior, vale ressaltar a ênfase doxológica da missão do apóstolo Paulo. Ele reconhecia que “
todas as coisas existem por amor de vós, para que a graça, multiplicando-se, torne abundantes as ações de graça por meio de muitos, para a glória de Deus” (2Co 4:15). E até mesmo considerava seus irmãos “mensageiros das igrejas e glória de Cristo” (2Co 8:23).

Distorção: 
Resquícios do Iluminismo ainda minam o motivo da glória de Deus como incentivo para a missão. O racionalismo científico desse período buscou eliminar tudo que pertencia à esfera sobrenatural da cosmovisão ocidental. Na melhor das hipóteses, a glória de Deus passou a ser vista como um conceito totalmente etéreo. Certamente que a “orientação doxológica leva a igreja a se guardar de qualquer processo de humanização ou horizontalização na missão” (Christopher Little, Missions in the Way of Paul, p. 51).

Desafio: 
O desafio de manter a glória de Deus como princípio englobador da vida do cristão muitas vezes está relacionado a limitar seu relacionamento com Deus a um dia, a um culto, à igreja. “A noção da glória de Deus só pode atuar dentro de um contexto consciente da unidade da vida e do domínio real de Cristo em todas as esferas da vida” (Transforming Mission, p. 286).

O amor é o segundo traço do caráter de Deus que deve compor a motivação para a missão. Assim como a glória, o amor de Deus é eterno e, de forma especial, manifesto no plano da salvação no ministério de Jesus. Diferentemente da glória, o amor é um atributo comunicável e, portanto, possível de ser encontrado e desenvolvido no ser humano, como resposta à iniciativa divina. Assim, (1) o amor de Cristo pelo descrente me motiva a levá-lo a conhecer o amor de Deus; (2) o amor de Cristo pelos demais através dos crentes implica que o amor pelo próximo transborda no coração dos Seus filhos; (3) o amor de Cristo pelos crentes os faz compreender que, porque Deus os ama, em gratidão, eles servem; e (4) o amor do crente por Cristo, como resposta, também produz o serviço (Encountering Theology of Mission, p. 179).

Bosch nos lembra que a iniciativa de Deus não elimina o engajamento humano e que a Sua majestade é o outro lado da Sua graça e amor na busca pelo ser humano (Transforming Mission, p. 285).

Reforçando a singularidade de Jesus, é importante notar que essa motivação é encontrada somente no cristianismo em contraste com as demais religiões mundiais. Voluntariado e serviço sacrifical é mais raro no Hinduísmo, Budismo e Islamismo. Razões éticas e obediência/culpa são as motivações mais comuns nesses casos. “Conhecer, amar e servir a um Deus transcendente e pessoal é a raiz de todo o voluntariado ocidental.”

Distorção: 
Quando o “amor ao próximo” está enraizado num sentimento de superioridade ou uma visão etnocêntrica, o resultado é desastroso. A história do cristianismo está recheada de exemplos em que a motivação evangelística foi impulsionada por esses sentimentos colonizadores de não somente comunicar o evangelho, mas também tornar a todos mais “civilizados” e ocidentais.

Desafio:
O secularismo provavelmente tem oferecido o maior perigo de distorção já que tem redefinido o amor em termos desconectados de Deus. Assim, é possível amar sem que isso seja um dom divino. Por vezes, até o amor a Deus é descrito e expresso em maneiras bastante humanistas.

Urgência. A compreensão escatológica atrelada às profecias bíblicas aponta para a atualidade como o fim do tempo do fim - o último período profético antes do fechamento da porta da graça e a volta de Cristo. Certamente, essa compreensão da Igreja Adventista tem um papel importante na motivação para a missão. Existe necessidade de pressa para conduzir muitos a um relacionamento com Cristo. Bosch identifica que esse não é o caso somente da igreja adventista. Karl Gutzlaff (1803-1851) e J. Hudson Taylor (1832-1905), missionários importantes na China, também foram motivados pelas expectativas escatológicas. Paras os grupos que se seguiram a essas iniciativas, Mateus 24:14 se tornou um texto missionário importante por relacionar a pregação do evangelho com a vinda de Cristo (Transforming Mission, p. 316).

Distorção:
Uma ênfase exclusiva ou desproporcional nessa motivação tem conduzido a um certo alarmismo por parte de alguns que são tentados a fazer um julgamento a respeito do destino final das pessoas para impressioná-las a aceitar Jesus. Outra consequência dessa abordagem tem sido uma visão missiológica parcial que não contempla a visão integral do evangelho e uma compartimentalização da sua proclamação.

Desafio:
O otimismo científico presente nestes dias leva muitas pessoas a duvidar de que o mundo teria um fim e essas pessoas passam a confiar na capacidade humana de resolver seus problemas. Outros não têm conhecimentos bíblico e histórico que lhes ofereça uma visão adequada da soberania de Deus e Suas promessas.

Obediência. Em conexão com a ênfase na Grande Comissão, essa se tornou a principal motivação no fim dos séculos 19 e 20. Missionários importantes como Robert Morrison (1792-1834) e Adoniram Judson (1788-1850) claramente creditaram a obediência à grande comissão como sendo a principal motivação para seu trabalho.

Paulo reconhecia essa obrigação em proclamar o evangelho (Rm 1:14, Gl 2:7) como legítima. Mas tem a igreja hoje sentido o mesmo chamado e missão? O senso de chamado à mordomia do evangelho é uma importante motivação.

Distorção: 
A ênfase exclusiva nesta motivação facilmente incorre no perigo do legalismo. A obediência ao mandado missionário divino segue as mesmas dinâmicas para a obediência a Deus em todas as esferas da vida cristã.

Desafio: 
A dificuldade em se reconhecer autoridades tem tirado o peso dessa motivação em vários contextos. A Bíblia, no entanto, não requer uma obediência irracional, mas fundamentada no relacionamento com Deus.

Chamado divino. O apóstolo Paulo teve um chamado dramático na sua história de conversão e engajamento na missão. Assim como ele, muitas outras personalidades da história da missão creditaram ao seu chamado divino a principal motivação. Missionários tradicionais colocavam a o trabalho missionário em primeiro lugar. Sua atividade como professores, evangelistas e professores vinha em segundo plano. A grande maioria deles atesta de um chamado e convicção pessoal de que Deus tem um plano para a vida deles.

Se reconhecermos que desde Abraão Deus tem mantido uma aliança que envolve a missão a todos os povos da Terra através do Seu povo, como Pedro (At 3:25) e Paulo (Gl 3:8, 1 Co 9:16, Rm 9:2) reconhecem, então essa responsabilidade recai sobre a Igreja. O ministério do Espírito Santo através dos dons espirituais e o desenvolvimento do fruto do Espírito também inclui um chamado para exercer um ministério, no corpo de Cristo, ligado à missão.

Distorção: 
Uma das distorções dessa motivação é ver o serviço missionário como um meio para se aproximar de Deus buscando negação do eu, penitência e sacrifício. Esse asceticismo é bem ilustrado por algumas ordens monásticas medievais.

Desafio: 
A super ênfase no lado experiencial, individual e voluntário do chamado para a missão sem a confirmação prática do corpo de Cristo torna, às vezes, essa ideia do chamado um tanto quanto abstrata.

Compaixão. Essa dimensão prática do interesse sincero pelo próximo certamente é parte da missão. Mateus 9:35-36 descreve o ministério de Jesus com base no seu sentimento de compaixão pelas multidões. No Antigo Testamento, a história de Jonas é uma grande reprimenda ao povo de Israel pela desobediência à missão, mas acima de tudo pela falta de compaixão. Efésios 2 é uma descrição incrível da realidade espiritual daqueles que não conhecem a Deus e não ouviram sobre o sacrifício de Jesus que deve alimentar a compaixão pelo próximo.

Distorção: 
Para aqueles que observam, a diferença parece ser muito sutil entre compaixão e pena. No entanto, na essência são motivações diferentes, sendo que só a primeira tem respaldo no amor de Deus. Uma segunda distorção são as obras assistenciais como desencargo de consciência ou devido a um espírito aventureiro.

Desafio: 
Obviamente num contexto de consumismo e egocentrismo em que todos buscam os seus objetivos, a compaixão também é um desafio.

III. Minha motivação
A motivação para a missão está diretamente relacionada com a maneira pela qual se promove, recruta, ora e desenvolve projetos missionários. Ela é comunicada e alimentada através de sermões, testemunhos, encontros pessoais, relatórios missionários, livros, revistas, sonhos, consciência, mas principalmente o estudo da Bíblia.

Algumas distorções, apresentadas anteriormente, parecem funcionar melhor para levar pessoas à ação em curto prazo. No entanto, essa visão utilitarista não tem respaldo bíblico e desacredita a liderança e a igreja a médio e longo prazos.

Devemos nos refrear de julgar a motivação daqueles que estão empenhados na missão principalmente se não estamos dispostos a nos sacrificar da mesma forma. Por outro lado, devemos nos lembrar de que, durante toda a história, Deus tem misericordiosamente tolerado esforços humanos imperfeitos e motivações questionáveis para fazer avançar Sua obra (Paulo menciona esse problema em Fp 1:15, 17-18).

No entanto, todo missionário, seja transcultural ou local, deve ter a consciência de que, por definição, é aquele que é enviado. Portanto, é necessário que a pessoa tenha convicção de que está sendo enviado por Deus e que sua motivação é aprovada por Ele. A missão deve fluir, acima de tudo, da glória e de volta para a glória de Deus (Encountering Theology of Mission, p. 84).

Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP
Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews mecdias@hotmail.com





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