Novamente, o título da lição é duplo, e aponta para uma única experiência. Andar na luz coincide com a obediência aos mandamentos de Deus, isto é, quem anda na luz guarda os mandamentos divinos. Todavia, nesse caso não posso dizer “e vice-versa”, como o fiz na introdução do comentário à lição anterior. Andar na luz e guardar os mandamentos de Deus se equivalem. Não é possível uma coisa sem a outra. Mas guardar os mandamentos nem sempre equivale a andar na luz, quando, por exemplo, alguém os guarda por motivo incorreto. Antes de se converter, Paulo era irrepreensível “quanto à justiça que há na lei” (Fp 3:6), mas estava em trevas. De fato, o legalismo não reconhece o plano salvífico de Deus, pois o legalista estabeleceu o seu próprio plano (veja Rm 10:3).
Devemos ser obedientes não para andar na luz (o que cheira a legalismo), mas porque andamos na luz. Obediência não é causa, é efeito. Andar na luz de Deus é conhecê-Lo; e conhecer a Deus é amá-Lo; e amar a Deus implica a guarda de Seus mandamentos (Jo 14:15, 21; 15:10; 1Jo 5:2, 3; 2Jo 6).
Além do legalismo, há ainda outra forma de guardar os mandamentos inutilmente: é quando o fazemos não por amor mas por mera obrigação. Diz Ellen G. White a esse respeito: “Aquele que tenta observar os mandamentos de Deus por um senso de obrigação apenas – porque é requerido que assim faça – jamais entrará no gozo da obediência. Não obedece. Quando, por contrariarem a inclinação humana, os reclamos de Deus são considerados um fardo, podemos saber que não se trata de uma vida cristã. A verdadeira obediência é a expressão de um princípio interior. Origina-se do amor à justiça, o amor à lei de Deus” (Parábolas de Jesus, p. 97; grifos supridos).
Assim, a guarda dos mandamentos de Deus é a evidência de que alguém anda em Sua luz, que O conhece e O ama, pois é o que esta tríplice experiência gera na vida do crente. É verdade que nem todos os que guardam os mandamentos andam na luz, mas é verdade também que todos os que andam na luz guardam os mandamentos. Não importa quão elevada seja a profissão de fé, se não for consolidada pela obediência, não será mais que mero pietismo inócuo e inconsequente, o que significa desconhecimento de Deus; trevas e não luz.
O que conhecemos? (1Jo 2:3-5)
Esta é uma questão crucial porque, dependendo do que conhecemos, de que forma conhecemos, e de como respondemos ao que conhecemos, poderemos nos salvar ou nos perder. O grande equívoco dos dissidentes era a crença de que o conhecimento (gnōsis) salvava, isto é, o simples conhecimento especulativo de Deus, o conhecimento ao modo deles. Como diz a lição, “a ênfase estava na experiência mística e mitos fantasiosos sobre Deus e a natureza da humanidade. A salvação era obtida, [assim se acreditava] através desse conhecimento secreto, e não através de um relacionamento de fé com o Senhor”. Quanto a isso, remetemos o leitor ao comentário de 13 de julho para um esclarecimento adicional.
Não é o conhecimento que salva, pois ele pode se limitar à teoria, e, então, não passar, eventualmente, de “letra morta”. Já dizia George Herbert: “O conhecimento não passa de tolice, se não for guiado pela graça.”
Todavia, a falta de conhecimento é, admitidamente, fator de destruição (veja Os 4:6). Conhecimento da verdade é luz, e quem a rejeita andará nas trevas – portanto, estará perdido! Considerando que a verdade é, antes de tudo, uma identificação de Deus (veja Jo 14:6; 1Jo 5:6), e que a vida eterna reside em conhecê-Lo (Jo 17:3), parece-me bastante próprio que o conhecimento que resulta em salvação é aquele que a Bíblia normatiza como conhecimento empírico, prático; não meramente conceitual ou teórico.
Chego a dizer que, exceto se secundado pelo temor de Deus e amor a Ele, mesmo o conhecimento teológico está longe de ser o conhecimento de que João aqui fala. Não é por mero acaso que muitos teólogos (não ASDs, por certo!) estão mais nas trevas que na luz. De fato, o mero conhecimento da Bíblia será de pouco valor. Os judeus contemporâneos de Jesus nos legaram uma trágica evidência desse fato. Eram o povo da Bíblia na época, alegavam fazer dela o centro de suas atenções, e acabaram crucificando Aquele para quem as Escrituras apontavam. Esta é uma séria advertência para nós. A Bíblia nos será de genuíno proveito na medida em que, estudando-a, venhamos a intensificar nosso relacionamento com Jesus.
E assim, descobrimos que o conhecimento que salva é aquele que conduz seu possuidor a um verdadeiro relacionamento com Deus; é sentir Seu amor e responder-Lhe também com amor. É deixar-se cativar por Seu amor e render-Lhe a vida num veemente anseio de que Ele opere nela. É ter o anseio de ser transformado numa nova criatura, gerada pelo Espírito Santo para uma vida de justiça e santidade, que se desenvolve com uma aprofundada comunhão com Deus. Então, sendo membro do corpo de Cristo, que é a Igreja, ele desfruta sadio companheirismo com seus “irmãos” (1Jo 2:10), o que não ocorria com os dissidentes gnósticos (v. 9, 11), com toda a pretensão de conhecimento que tinham.
Com novo senso de valor e missão, ele se torna uma bênção para a família, os vizinhos, sua comunidade, a Igreja e o próprio mundo; e a vida do reino divino se torna sua vida, seu estilo de vida sob a soberania do amor. Em outros termos, seu amor a Deus o leva a expandir esse amor em direção aos seus semelhantes. Que experiência!
Através dela, o pecador tem mudados suas predileções, seus gostos, suas prioridades, seus anseios, seu foco de atenção, o próprio centro motor da existência; enfim, como diz Champlin, “que os crentes se apropriem da posição que possuem em Cristo, mediante ações espirituais certas, que se refletem na conduta diária...” (R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo,v. 3, p. 672).
Os projetos e alvos da nova vida estarão voltados para os interesses divinos, e ele aplicará todo o seu empenho em se conformar cada vez mais com os princípios da justiça; estará determinado a avançar nessa direção, sempre se dispondo a se submeter à vontade de Deus. Tudo isso é fruto do verdadeiro conhecimento.
Guardando os mandamentos (1Jo 2:3-5)
Enquanto 1 João 2:3 reafirma que a guarda dos mandamentos de Deus é uma inequívoca evidência de a pessoa O conhece, temos no verso 4 uma das mais duras denúncias da Palavra de Deus: quem diz que conhece a Deus “e não guarda os Seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade.”
Professar conhecer a Deus e, ao tempo, desrespeitar a Sua Lei não passa de crassa hipocrisia, contra a qual Jesus foi enérgico em Seu pronunciamento. Ele proferiu vários ais sobre os hipócritas (veja Mt 23). O mais impressionante é que Ele não disse “ai dos homicidas”, ou “ai das meretrizes e dos homossexuais”; mas disse, mais de uma vez: “ai dos hipócritas”. Não que Ele fosse favorável ao homicídio, etc.; muito ao contrário! Mas, sem dúvida, porque considerava a piedade apenas de fachada o maior insulto a Deus. “A apostasia declarada não seria mais ofensiva a Deus do que a hipocrisia...” (Patriarcas e Profetas, p. 555). Realmente, o hipócrita é o pecador para quem menos esperança existe. “Há mais esperança para o pecador aberto, do que para essa classe” (Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 144).
“Quando conhecermos a Deus, como nos é dado o privilégio de conhecer, nossa vida será de contínua obediência” (O Desejado de Todas as Nações, p. 668). Isso porque o verdadeiro conhecimento de Deus é aquele que, segundo a lição, “forma a base de uma relação de amor”; quando se fala em “relação de amor”, é o amor recíproco que se tem em vista. Conhecer a Deus é reconhecer Seu amor, o quanto nos ama demonstrado pelo quanto tem feito por nós; e aí não há como responder a tudo isso senão dedicando a Ele nosso amor, que, semelhante ao dEle, será evidenciado por atos. Por isso se diz que quem, de fato, conhece a Deus, O ama; e que quem O ama, como já notado, guarda Seus mandamentos. João toca esse ponto quando diz: “Aquele, entretanto, que guarda a Sua palavra, nele verdadeiramente tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nEle” (1Jo 2:5).
Que faria Jesus? (1Jo 2:6-8)
Embora a lição de hoje envolva os versos 6 a 8 de 1 João 2, ela se restringe ao verso 6, ficando 7 e 8 para amanhã. A pergunta que serve de título implica o fato de que Jesus é nosso modelo em todos os aspectos e afazeres da vida. Não se conhece a Deus senão conhecendo a Jesus, e não se conhece a Jesus senão conhecendo como Ele viveu e agiu, e, então, vivendo e agindo como Ele o fez.
O escritor acabara de realçar a necessidade de se guardar os mandamentos de Deus (2:3-5); então, no verso 6, ele apresenta o padrão de obediência. Não se obedece aos mandamentos de Deus meramente cumprindo a letra da Lei. Espera-se mais daquele que conhece a Deus. Ele a irá cumprir como Jesus a cumpriu. “Aquele que diz que permanece nEle, esse deve também andar assim como Ele andou.”
Por exemplo, tomando em conta Sua obediência ao quarto mandamento, pergunto: como foi que Jesus guardou o sábado? Congregando nesse dia, diríamos, nos lembrando de Lucas 4:16. Mas será que Seus atos de bondade e benevolência no sábado, principalmente aliviando a dor e o sofrimento humanos, também não contam? Não estaria Ele, pelos milagres operados nesse dia, alertando-nos de que a simpatia pelos seres humanos em suas necessidades é parte preponderante da santificação sabática? Não estaria Ele, nesse aspecto, sendo também um exemplo para nós?
“Aquele que diz que permanece nEle, esse deve andar como Ele andou.” E andar como Ele andou alcança o ponto culminante em amar como Ele amou. Essa é a essência do “novo mandamento”, do que trata a lição de amanhã. Faz-nos lembrar as palavras de Paulo em Romanos 13:8: “...quem ama ao próximo tem cumprido a Lei.” Mas temos que amar como Jesus amou.
O Novo Mandamento (1Jo 2:7, 8)
Aqui, João faz referência ao novo mandamento de Jesus, mencionado em João 13:34: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros.” Em que sentido esse mandamento é novo?
Bem, lembramos que há dois termos gregos principais vertidos “novo” em nossas Bíblias: néos e kainós. Os termos se distinguem um do outro em sua principal acepção: o primeiro, significando novo com respeito ao tempo, isto é, recente, que não existia antes, ou novo em contraste com o velho que o novo substitui; e o segundo termo se prendendo mais à qualidade, ou forma, ou sentido daquilo que se diz novo. Em outras palavras, algo que é dito ser kainós não significa absolutamente que não existia antes, mas que agora se projeta numa nova feição, ou dimensão.
Em João 13:34 é empregado o termo kainós, pois o imperativo do amor antecede ao que Jesus falou; ele nos vem das páginas do Antigo Testamento (veja Lv 19:18). Mas o mandamento é novo no sentido de tomar a forma de Jesus amar como padrão do amor a ser cultivado entre Seus discípulos. Jesus confere novo significado a um mandamento já existente que tem por base o exemplo supremo de amor visto nEle mesmo. Com efeito, Ele é a mais clara e altissonante demonstração de amor dada a todo o Universo.
Ele agora estabeleceu que essa forma de amor, ou melhor, essa forma de amar, deveria continuar entre Seus seguidores; não que Ele não mais amasse daquele modo e naquela medida, mas porque Seu amor, ou forma de amar, deveria se manifestar em seus seguidores, para conhecimento do mundo. É por isso que, logo após expressar o “novo mandamento”, Jesus disse: “Nisto conhecerão todos que sois Meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:35). Esta é a característica número 1 da igreja verdadeira.
Certamente, o conteúdo do quarto Evangelho (incluindo, é claro, as palavras de 13:34) era familiar aos destinatários das epístolas joaninas. Assim, o escritor lhes lembrou a necessidade de se amarem uns aos outros, e lhes disse que isso era ao mesmo tempo um mandamento “antigo” (isto é, não do desconhecimento deles) e “novo (kainós)” (isto é, para ser entendido na extensão do amor de Cristo). Ele estava lhes avivando a memória e a consciência para o fato de que Jesus, dezenas de anos antes, já havia expressado esse mandamento, de maneira que amar-se uns aos outros era um dever e mais que dever, era privilégio deles. Agora, não deveriam se deixar levar pelas falsas ideias que estavam sendo veiculadas, as quais, uma vez aceitas, os afastariam desta comunhão de amor.
João lhes disse que este mandamento não lhes era novo precisamente porque o haviam recebido desde o princípio. A palavra tem dois sentidos possíveis, aqui: faz referência ao momento em que Jesus Se manifestou ao mundo, ou ao momento em que os destinatários ouviram e aceitaram a mensagem do evangelho. Talvez, a segunda hipótese seja mais provável, face ao que o escritor diz ao encerrar o verso 7: “Esse mandamento antigo [pois procede da instituição da santa-ceia, quando Jesus o proferiu] é a palavra que ouvistes.” Se assim é, podemos estar certos de que a pregação apostólica de João, principalmente em seus últimos anos, foi feita com ênfase no amor de Jesus. Afirma-se que, estando o apóstolo para morrer, perguntaram-lhe se tinha uma última mensagem a dar. “Amai-vos uns aos outros”, disse, e expirou.
Amando os outros (1Jo 2:9-11)
O título da lição de hoje aparentemente toca o amor do cristão a todas as pessoas. Afinal, Cristo morreu pelo “mundo inteiro” (2:2), e é nosso dever amar a todos. Todavia, João continua, nos versos 9 a 11, a exortar seus leitores quanto ao amor fraternal, o amor mútuo a ser exercitado entre os domésticos da fé. Como a lição afirma, “em sua epístola, João estava interessado principalmente na comunidade cristã. Isso não significa que ele negava o fato de que os cristãos são chamados a amar seus vizinhos e até os inimigos; mas não era essa sua preocupação aqui. Ele tinha outros problemas para resolver.”
Certamente, esses problemas tinham que ver com os conflitos entre membros da igreja, para o que concorriam os elementos dissidentes citados. João expôs de maneira severa sua reprovação a esse estado de coisas, sendo bastante incisivo em suas declarações, novamente empregando o dualismo luz X trevas, do qual se valeu no início da epístola.
Por exemplo: em 1:6 ele declarou ser falsa a reivindicação de estar em comunhão com Deus feita por aquele que anda nas trevas; depois, ele afirmou que aquele que não ama seu irmão continua nas trevas, mesmo professando estar na luz. Aqui se nota um estreito relacionamento entre estar em comunhão com Deus e amar o companheiro de fé.
Outro exemplo: ele disse que, “se andarmos na luz”, manteremos “comunhão uns com os outros”(1:7); então, ele praticamente repetiu essa asserção com as palavras de 2:10: “Aquele que ama a seu irmão permanece na luz...”. Combinando os dois textos, vê-se que “andar na luz” corresponde a “permanecer na luz”, e “manter comunhão uns com os outros”, a “amar seu irmão”. Não há dúvida de que o amor fraternal envolve, como ingrediente básico, a comunhão de uns com os outros na igreja.
Bem, João realmente disse: “Aquele que odeia seu irmão”, em lugar de “aquele que não ama a seu irmão”. Meu intuito não foi alterar o que está na Bíblia (Deus me livre de tal sacrilégio!), substituindo “odiar” por “não amar”. Quis apenas ressaltar que, segundo o Evangelho, não amar equivale a odiar. Normalmente, não pensamos assim, pois se A não ama B não significa necessariamente que A odeie B; pode ser que simplesmente não o aprecie, não se simpatize com ele, etc. Há alguns que até afirmam que o contrário de amar não é odiar; é ser indiferente.
Não é assim para João em suas ponderações. Para ele, falta de amor é presença de ódio e vice-versa. Para que alguém odeie, não é necessário que se manifestem os sentimentos próprios do ódio (execração, malquerença, rancor, aversão, etc.); basta que não ame. João continua no contexto do “novo mandamento” e, numa comunidade em que a ordem “amai-vos uns aos outros” é soberana, não haverá indiferença em relação a quem quer que seja, nem esse negócio de dizer: “não vou com a cara de fulano”, ou coisa parecida. Até certo ponto, é natural que existam pessoas de nossa predileção, aqueles de quem nos aproximamos mais, que se tornam mais íntimos nossos. Isso é próprio no processo da amizade, pois até Jesus teve discípulos mais chegados.
Isso, todavia, jamais pode ser feito em detrimento de quem quer que seja. Segundo a lição, ódio, na Bíblia, se aplica também “a dar preferência a uma pessoa e não a outra ou a negligência de alguém”. Nosso convívio jamais deve chegar às raias do favoritismo indevido, ou da segregação degradante. Quando recebido plenamente no coração, o amor de Jesus derriba as barreiras sociais de qualquer natureza, de maneira que não haja limites ou fronteiras para o amor fraternal. Ele se estende incondicionalmente em todas as direções, e envolve indistintamente a todos. E não pode ser diferente, pois aquele que promulgou o novo mandamento, também ordenou que amássemos até mesmo os inimigos (Mt 5:44).
Então, se alguém não age desta forma, é porque não permitiu ainda que o amor de Jesus se apodere totalmente dele. E se isso não ocorreu, ele ainda está em trevas, com duas inevitáveis consequências: estar sujeito a tropeços e andar sem saber para onde ir; tudo devido à cegueira espiritual. Em outras palavras, está perdido sem ter consciência desse triste fato.
Autor: José Carlos Ramos – D. Min
Texto extraído de: http://www.cpb.com.br/htdocs/periodicos/licoes/adultos/2009/frlic432009.html
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