sexta-feira, 10 de julho de 2009

Jesus e as cartas do apóstolo João



A lição começa se referindo ao fato de que a comunidade cristã em que o escritor de 1, 2 e 3 João cumpria seu ministério se via exposta à veiculação de falsidades e enganos que colocavam em risco a estabilidade da igreja e a unidade no amor, na fé, e na doutrina. Isto forma o contexto histórico das epístolas.


Determinados elementos perambulavam entre as congregações (e até pelas casas dos membros, ver 2Jo 10), alegando ser portadores de nova luz sobre a natureza de Deus, de Jesus Cristo, do pecado, etc., e alardeando a posse de um conhecimento superior de realidades divinas, com a prerrogativa de entreter especial comunhão com Deus. Havia quem discordasse também da forma como a igreja era administrada e conduzida, e se impunha com novas ideias e conceitos, e diferentes critérios e normas por cuja divulgação intentava a preeminência (3Jo 9).


Alguma coisa parecida com o que se vê em nossos dias não é mera coincidência, pois, quanto mais nos aproximarmos do fim, mais o diabo se desdobrará para intensificar seus embustes e seu empenho por dividir e, se possível, fragmentar a igreja. Velhas heresias vêm novamente à tona, agora em novas roupagens e com nova aparência de piedade e, portanto, mais danosas e fatais do que sempre foram. Daí o imperativo de merecerem essas epístolas nossa atenta consideração, pois nada do que acontece debaixo do sol é novo (Ec 1:9, 10). Cumpre-nos estar vigilantes e firmemente fundamentados na Palavra, de forma a dizermos “não” ao engano cada vez que ele insurgir.

É interessante o destaque da lição: embora o escritor combatesse ciosamente o engano, ele não se deixava levar por uma aparente necessidade de dissecá-lo e desmascará-lo ponto por ponto. Ele estava mais preocupado em exaltar a verdade e, com ela, Jesus, para que seus leitores fossem ainda mais atraídos a Ele, e mais incentivados a responder positivamente ao Seu amor. Esta é sempre a melhor resposta a qualquer desvio da fé, e seria, portanto, a forma correta de reagir também às heresias modernas.


Mas acima de tudo, temos que ser movidos pelo princípio do amor, o grande tema destas epístolas. Desse tema decorre o verdadeiro cristianismo, evidenciado na obediência irrestrita aos mandamentos de Deus, no interesse esmerado por Sua obra e no afeto despretensioso e espontâneo por nossos semelhantes, principalmente os da fé. Esse princípio preservará a fraternidade, a união, a concórdia e a paz no seio da igreja, imprescindíveis para a identificação do povo de Deus em meio a um mundo turbulento, enganoso e mau.


I. Autor e destinatários


Tem havido entre os estudiosos alguma controvérsia quanto a quem teria escrito 1, 2 e 3 João. Alguns atribuem autoria diferente a cada epístola; outros imaginam que esses documentos não se originaram de duas ou três pessoas, menos ainda de uma, mas de alguma comunidade. Há também aqueles que lhes atribuem autoria desconhecida; outros chegam a dizer que esses três documentos, na forma como constam hoje em nossas Bíblias, são, em realidade, fragmentos de uma ou mais produções literárias abrangentes, cuja maior parte se perdeu, e que circularam entre os cristãos por volta do fim do primeiro século.


Essas diferentes hipóteses são apenas fruto de especulação e não têm nenhum fundamento. Não vemos razão concludente para não nos situarmos, como igreja, entre aqueles que esposam o ponto de vista tradicional de que o escritor das três epístolas foi o apóstolo João, o discípulo amado. Cremos também que ele foi o autor do quarto Evangelho e do Apocalipse, embora alguns admitam a autoria joanina das epístolas e a neguem ou para o Evangelho, ou para o Apocalipse, ou para ambos. Mas se você possui o Comentário Bíblico Adventista, poderá apreciar o paralelo entre 1 João e o quarto Evangelho, registrado às páginas 623 e 624 do 7º volume. O paralelo é tão preciso que não permite qualquer dúvida quanto à mesma autoria para os dois documentos.


A divergência quanto à autoria das epístolas ocorre, em parte, pelo fato de que o escritor não se identifica formalmente nesses documentos. É verdade que um tipo de identificação aparece em 2 e 3 João, onde o escritor se apresenta como “o presbítero” (v. 1). Mas isso é um tanto vago e aponta mais para o que ele era e não paraquem era.


A falta de identificação, entretanto, não conspira contra a posição tradicional. Ela acaba confirmando, pelo menos, a autoria única dos escritos joaninos. Anonímia, nesse aspecto, é uma característica do quarto evangelho, e, portanto, não é surpresa que se faça presente nas epístolas. Quanto ao Apocalipse, o escritor se identifica apenas pelo nome João (1:1, 4, 9; 22:8), já muito comum naquela época. A impressão que temos é de que ele se esforça ao máximo para não se projetar através de seus escritos, o que se ajustaria à postura modesta do convertido João.


Anonímia, portanto, pode ser considerada um tipo de evidência interna, pelo menos indireta, da autoria joanina das epístolas. Outra evidência desta natureza é que o escritor fala com autoridade apostólica e se declara uma testemunha ocular dos fatos ligados a Cristo (ver 1Jo 1:1-4; 4:14). A esse respeito, Marshall afirma: ”...desde que a mais plausível interpretação de 1Jo 1:1-4 é que o autor reiterou ser uma testemunha ocular da vida terrena de Jesus, e desde que, como é sabido, o Evangelho de João foi atribuído a um dos Seus possíveis discípulos (Jo 21:24), é uma atrativa solução ao nosso problema [de autoria] dizer que João, o filho de Zebedeu, conhecido também como ‘o presbítero’, foi o autor do Evangelho e das Epístolas” (I. Howard Marshall, The Epistles of John, p. 43). A lição lembra que ele, na qualidade de líder, mantinha um relacionamento chegado e afetivo com os destinatários, e que planejava visitá-los em breve (cp. 3Jo 10).


Às evidências internas se juntam as externas fundamentadas no testemunho patrístico provindo, dentre outros, de Papias, Policarpo e Irineu. Quanto à ocasião em que as epístolas foram escritas, entende-se, pelo próprio conteúdo das mesmas, que a última década do primeiro século seja a mais provável, tomando-se em consideração que alguma forma incipiente de gnosticismo, que, já nos dias de Paulo, ameaçava a homogeneidade da igreja (ver, por exemplo, a epístola aos Colossenses), veio a se intensificar nessa época; também para isso concorre a tradição patrística.


Os destinatários seriam aqueles que integravam a chamada “comunidade do discípulo amado”, uma coletividade reunindo determinado número de congregações, equivalendo mais ou menos, diríamos hoje, a um grande distrito pastoral, ou a uma Associação de pequeno porte. Segundo a tradição, João passou seus últimos anos na Ásia Menor, com especial referência à cidade de Éfeso, que poderíamos considerar a sede daquele grande distrito.

II. Conteúdo e propósito das epístolas


Para o estudo desta parte da lição é importante uma leitura preliminar das três epítolas joaninas; são apenas 133 versículos e uma primeira leitura poderá ser feita numa única assentada objetivando adquirir uma visão geral delas. Em seguida, faça uma segunda leitura progressiva e ponderada, observando as colocações do escritor, os perigos contra os quais ele adverte os leitores e os pontos capitais que ele aborda com suas implicações para a vida cristã. Observe seu empenho pela integridade da igreja movido por seu desvelo em prol da segurança espiritual dos membros, e por seu grande anseio no sentido de que ninguém perca seu real companheirismo com Jesus.


Esta leitura familiarizará o leitor com o conteúdo e o propósito das epístolas, refletindo sua natureza e seu caráter. Claramente, 3 João se apresenta como carta pessoal, dirigida “ao amado Gaio” (v. 1), provavelmente um dos principais membros da comunidade cristã supervisionada pelo missivista. 2 João deve ser considerada uma epístola, salvo se a “senhora eleita”, a quem é dirigida (v. 1), fosse uma figura feminina de destaque na comunidade, o que é improvável. Mulher, no Novo Testamento, é símbolo da igreja (2Co 11:2; veja também Ef 5:25-29 e Ap 12), e a “senhora” aqui seria a personificação de uma congregação; os “filhos” da “senhora” seriam os membros da congregação a quem o missivista se dirigia. Na saudação final, ele se referiu aos “filhos de tua irmã eleita” (v. 13); sem dúvida, trata-se dos membros de outra congregação, essa localizada no próprio domicílio do escritor, certamente de onde ele era membro.


Já 1 João é mais que uma carta ou mesmo epístola (em que pese o fato de ser assim conhecida), pois o estilo e conteúdo não se ajustam inteiramente a essa forma literária: faltam-lhe remetência (missivista e local de envio), destinação (a quem foi enviada e para onde), e uma saudação formal tanto de abertura como de encerramento. Nesse aspecto, o documento distancia-se consideravelmente, em seu formato, das epístolas paulinas, das universais (como Tiago e 1 e 2 Pedro), e mesmo de 3 João. Ela se aproxima de Hebreus, que omite a saudação inicial e a indicação do remetente e dos destinatários.


Estudiosos têm tentado definir a qualidade de 1 João. Extraindo uma síntese dos diferentes pareceres, a epístola seria uma palavra pastoral de exortação (a exemplo de Hebreus ― veja 13:22) e de acautelamento (contra os falsos ensinos), constituída, a meu ver, de excertos de sermões do próprio escritor. Daí a maneira um tanto intermitente como os temas são expostos; não há, como a lição destaca, uma progressão linear na argumentação, a qual se desenvolve numa “forma cíclica”. Falta, diríamos, uma abordagem sistemática dos assuntos, isto é, com uma sequência lógica que faculte uma transição natural, espontânea, correlata, de um item para outro; por isso, é mais fácil estabelecer, não uma estrutura (embora possível; veja abaixo), mas um esboço da epístola, o qual inclui uma afirmação sobre:


01) A Divindade – 1Jo 1:5; 3:9, 10, 20, 21; 4:8, 12, 16; 5:11, 16.
01.1) O Pai – 1Jo 1:2; 2:16, 22, 23; 3:1; 2Jo 3.
01.2) O Filho – 1Jo 1:1, 2; 2:23; 3:8, 4:9, 15; 5:5, 6, 9, 10-12, 20; 2Jo 3.
01.3) O Espírito Santo – 1Jo 3:24; 4:2, 13; 5:6, 8.
02) A Palavra de Deus – 1Jo 1:10; 2:5, 7, 14.
03) A vontade de Deus – 1Jo 2:17; 5:14.
04) Os Mandamentos de Deus – 1Jo 2:3, 4; 3:22-24; 4:21; 5:2, 3; 2Jo 4, 6.
05) A encarnação – 1Jo 4:2, 9, 10, 14; 5:6, 20; veja também 2Jo 7.
06) A salvação por meio de Jesus (a expiação) – 1Jo 1:7; 2:1, 2, 12; 3:5, 16; 4:9, 10, 14; 5:10-12.
07) A fé e o crer em Jesus – 1Jo 3:23; 5:1, 4, 5, 10, 13.
08) A filiação divina do crente – 1Jo 3:1, 2, 10; 5:2.
09) Conhecer a Deus (implícito que é por Jesus, veja Jo 1:18) – 1Jo 4:6-8.
10) A volta de Jesus – 1Jo 2:28; 3:2, 3.
11) O juízo – 1Jo 4:17.
12) O novo nascimento – 1Jo 2:29; 3:9; 4:7; 5:1, 4, 18.
13) O amor – 1Jo 3:16; 4:7, 8, 10, 16-18; veja também 2Jo 3, 6.
14) O amor de Deus – 1Jo 2:5, 15; 3:1, 17; 4:9, 10, 12, 16, 19; 5:3.
15) O amor humano – 1Jo 4:19; veja também 2Jo 1; 3Jo 6.
16) O amor a Deus – 1Jo 4:10, 19-21; 5:1, 2.
17) O amor fraternal – 1Jo 2:10; 3:10, 11, 14, 17, 18, 23; 4:7, 8, 11, 12, 19-21; 5:1, 2; veja também 2Jo 5.
18) O amor ao pecado – 1Jo 2:15.
19) Efeitos éticos da salvação alcançada em Cristo – 1Jo 2:3-6, 17, 29; 3:6, 9, 10, 14, 22, 24; 4:7; 5:2, 3, 18; veja também 2Jo 4, 6; 3Jo 5, 11.
20) A oração – 1Jo 3:22; 5:14, 15.
21) Comunhão – 1Jo 1:3, 6, 7.
22) Conhecer a Deus – 1Jo 2:3, 4, 13, 14; 3:1, 6; 4:6-8.
23) Pertencer a Deus – 1Jo 4:4, 6; 5:19.
24) A permanência em Deus – 1Jo 2:6, 10, 24, 27, 28; 3:6, 24; 4:13, 15, 16.
25) A permanência de Deus em nós – 1Jo 2:14, 24, 27; 3:9, 15, 17, 24; 4:12, 15, 16; veja também 2Jo 2, 9.
26) O testemunho de Deus – 1Jo 5:9, 10.
27) O testemunho cristão – 1Jo 1:2; 4:3, 3, 14, 15; veja também 3Jo 3, 6, 12.
28) Vida – 1Jo 1:1, 2; 3:16; 5:11, 12, 16.
29) Vida eterna – 1Jo 1:2; 2:25; 3:15; 5:11, 13, 20.
30) Dualismo
bem X mal – 1Jo 3:12; veja também 3Jo 11.
31) Dualismo
luz X trevas – 1Jo 1:5; 2:8-11.
32) Dualismo
vida X morte – 1Jo 3:14; 5:16.
33) Dualismo
verdade X mentira – 1Jo 1:6, 8; 2:4, 21, 22, 4:6.
34) O diabo – 1Jo 2:13, 14; 3:8; 5:18, 19.
35) O mundo e o pecado – 1Jo 2:15-17; 3:1, 4, 8, 9, 13; 5:4, 16, 17, 19.
36) A filiação maligna dos ímpios – 1Jo 3:10-12.
37) Os falsos mestres – 1Jo 2:18, 19, 22; 4:1, 3, 4-6; veja também 2Jo 7, 9-11.

Os três documentos contêm um sabor apologético. Erros específicos, que estavam sendo divulgados, são zelosamente combatidos mediante a reiteração de verdades fundamentais do cristianismo autêntico. Para o escritor, o melhor método de oposição às trevas é fazer a luz brilhar. Em outras palavras, o erro e o engano devem ser confrontados com a verdade, o mais poderoso antídoto para o falso ensino.


Vê-se na relação acima que o diabo, o mundo, o pecado e os falsos mestres, em comparação com outros assuntos, ocupam espaço relativamente pequeno. Conforme já dito, o escritor sagrado se preocupou mais em salientar verdades que os falsos ensinos ofuscavam; verdades inclusive conhecidas dos destinatários (1Jo 2:21). Mas por que, então, lhas anunciou novamente? Para instar com eles a que permanecessem nelas (v. 24; veja 2Jo 8, 9). Esse foi o grande propósito das epístolas.


Seu empenho foi reforçado com o emprego de dualismos (veja os números 30-33), úteis para realçar o contraste entre as coisas de Deus e as do maligno. Então, visto que os dissidentes e falsos mestres se achegavam a eles com a pretensão de ser portadores de “nova luz”, lhes lembrou que não tinham necessidade de que alguém os ensinasse (v. 27); se se abeberassem dessa “nova luz”, na realidade uma “velha treva”, seriam desencaminhados, pois os falsos mestres só tentavam enganá-los (v. 26). Daí insistir com eles para que permanecessem naquilo que, desde o princípio, haviam aprendido (v. 24, 27).


Em 2 João, o escritor transmitiu uma admoestação relacionada com o falso ensino: “Acautelai-vos, para não perderdes aquilo que temos realizado com esforço, mas para receberdes completo galardão. Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece, não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más” (v. 8-11).


Finalmente, em 3 João, ele deixou transparecer sua preocupação com alguém que agia deslealmente na disputa de autoridade, e aproveitou o ensejo para apelar a Gaio a que não seguisse aquele mau exemplo (v. 9-11). Ao mesmo tempo, fez uma referência positiva a Demétrio (v. 12), outro membro fiel.


Assim, o combate a dissidentes, e seu falso posicionamento e ensino, é fundamental nas epístolas joaninas, principalmente a primeira. Embora, segundo os estudiosos dessa parte das Escrituras, seja difícil o reconhecimento de uma estrutura do conteúdo de 1 João, esse fato (o combate a dissidentes) mais o detalhe de que o escritor endereçou aos seus destinatários uma palavra de exortação facultam-me estabelecer a seguinte estrutura sugestiva desse documento, reunindo quatro blocos exortativos entremeados por referências diretas aos dissidentes:

Introdução ― 1:1-4

1ª parte
Exortação (1) – 1:5-2:17
Os anticristos – 2:18-26
Exortação (2), conclusiva – 2:27-29

2ª parte
Exortação (3) – 3:1-24
Os falsos profetas – 4:1-6
Exortação (4), conclusiva – 4:7-5:19

Conclusão – 5:20, 21


Justifico esta estrutura com o seguinte raciocínio: Como visto, João se preocupou em alertar os membros de sua comunidade pastoral quanto à dissidência e a mensagem deletéria por eles veiculada. Ele o fez exaltando a verdade (como ela é em Cristo) e insistindo na coerência que deve ocorrer entre o conhecê-la e o vivê-la. Esse é o conteúdo exortativo inicial (1:5-2:17). Isso feito, ele faz uma breve, porém direta, alusão aos dissidentes, classificando-os de “anticristos” (v. 18-26). Ele conclui esta parte relembrando os destinatários da unção que haviam recebido de Deus, e apelando-lhes a que permanecessem firmes em Jesus (v. 27-29).


Em seguida, novamente em termos exortativos, ele comenta um pouco o grandioso privilégio que os crentes desfrutam pelo conhecimento e vivência da verdade: o de serem “filhos de Deus”, isto é, membros de Sua família, com as implicações daí decorrentes, principalmente em termos da união com Ele, assim como vivem em mútua união os membros de uma família venturosa.


Feita esta abordagem (que toma todo o capítulo 3), João outra vez faz uma alusão direta aos dissidentes (4:1-6), para, então, voltar a se dirigir pastoralmente aos seus destinatários (4;7-5:19). Ele conclui a epístola reafirmando a união com Deus através da união com Cristo (5:20, 21).


III. Jesus e Seu ministério nas epístolas de João


João foi um dos amigos mais íntimos de Jesus (sempre aconchegado a Ele a ponto de ter recostado a cabeça em Seu peito e sentido o pulsar do Seu coração, Jo 13:23, 25). Ninguém melhor que o discípulo amado para falar de Jesus e do Seu ministério. Num plano histórico, ele cumpriu essa tarefa escrevendo o quarto Evangelho. Nas Epístolas, ele o fez num plano pastoral, apresentando Jesus e Sua obra, incluindo as implicações para a vida cristã daí derivadas, como a melhor resposta às heresias, tanto quanto para reafirmar a fé na verdade por parte dos crentes, alguns dos quais poderiam já estar vacilando.
Embora o Pai seja mais mencionado, como a lição afirma, Jesus é a figura central das epístolas joaninas. Termos relativos a Ele foram empregados pelo escritor com a seguinte frequência:


  • O próprio nome Jesus – 14 vezes (12 em 1Jo e duas em 2Jo).
  • Cristo – também 14 vezes (10 em 1Jo e 4 em 2Jo).
  • Filho – 24 vezes (22 em 1Jo e duas em 2Jo).
  • Vida – três vezes (1Jo 1:1 e 5:20).
  • Aquele que era desde o princípio – duas vezes (1Jo 1:1; 2:14).
  • Aquele que nasceu de Deus – uma vez (1Jo 5:18).
  • Senhor – uma vez (2Jo 3).
  • Salvador – uma vez (1Jo 4:14).
  • Palavra ou Verbo – uma vez (1Jo 1:1).
  • Deus verdadeiro – uma vez (1Jo 5:20).
  • Santo – uma vez (1Jo 2:20).
  • Advogado (paráklētos) – uma vez (1Jo 2:1).
  • “Nome” (forma genérica subentendida de Jesus e Sua obra) – uma vez (3Jo 7).

Devemos indagar como Jesus e Seu ministério são abordados diante do falso ensino que distorcia a realidade sobre Ele.


Começamos por notar que o nome Jesus, seguido do título Cristo, aparece dez vezes, todas em 1 João; isso é significativo.


A dissidência gnóstica, que João estava combatendo, afirmava que Cristo não deveria ser confundido com Jesus, o vulto histórico que viveu na Palestina, e que, embora extraordinário, era um homem comum, filho natural de José e Maria. Cristo, entretanto, era um ser espiritual, celestial e divino. Jesus e Cristo, portanto, eram distintos um do outro. Cristo Se havia juntado a Jesus por ocasião do batismo, mas O abandonou pouco antes da cruz. Assim, a morte de Jesus não reunia nenhum valor salvífico. Ele fora apenas mais um mártir entre outros.


Com o emprego da construção Jesus Cristo, João estava contrariando essa teoria absurda. Não há absolutamente qualquer tipo de dicotomia entre Jesus e Cristo. Foi por essa mesma razão que João também afirmou: “Este é Aquele que veio por meio de água [alusão ao batismo] e sangue [alusão à cruz], Jesus Cristo [o nome e o título]; não somente com água [o que era afirmado por dissidentes], mas com a água e com o sangue” (1Jo 5:6).


Com isso, o apóstolo demolia também o docetismo (do verbo grego dokéō, parecer), uma ramificação gnóstica mais radical que negava a possibilidade de Deus, e dos seres intermediários que atuavam entre Ele e o mundo, contatarem a matéria, pois essa era considerada essencialmente má. Para os docetas, o corpo de Jesus era fantasmagórico, apenas uma sombra, uma aparência. Assim, a presença de Jesus entre nós, em carne humana real, era negada. O corpo dEle era um perfeito disfarce. Em outras palavras, segundo esse ponto de vista, o milagre da encarnação tinha sido uma grande farsa.


João se voltou veementemente contra tal posição, afirmando categoricamente, com a autoridade do último apóstolo ainda vivo, que Jesus viera “em carne” (1Jo 4:2), tanto que ele O havia tocado, apalpado, etc. (1Jo 1:1), e que, quem negasse as condições do Cristo encarnado estaria cumprindo o papel de anticristo (2Jo 7). Ter Jesus Cristo vindo em carne, todavia, não significa que Ele tivesse o mínimo vestígio de pecado. Ele não só não cometeu pecado; mais que isso, “nEle não há pecado” (1Jo 3:5).


O emprego da fórmula Filho de Deus (8 vezes, ou 9 se levamos em consideração “Filho do Pai” de 2Jo 3) também foi intencional para combater o falso ensino. Como já dito, o gnosticismo considerava a matéria essencialmente má, e afirmava que Deus, portanto, não poderia ter feito o mundo, pois este é matéria, e Ele não tocaria algo essencialmente mau.


Assim, os gnósticos criavam, eles mesmos, um impasse do qual tentavam sair, ou com a ideia docética vista acima, ou com a teoria dos vários aeons, ou logói,os “filhos de Deus”, considerados seres intermediários entre Deus e a matéria, e que agiam no cumprimento de Seus propósitos; Cristo era apenas um deles. Como os gnósticos “cristãos” equiparavam esses aeons aos anjos mencionados na Bíblia, Cristo, com isso, era rebaixado ao nível de um desses.


João combateu essa outra teoria absurda deixando claro que Jesus Cristo era o Filho de Deus (unigênito, ou único de Sua classe, conforme claramente exposto no quarto Evangelho); Aquele pelo qual tanto a criação como a redenção haviam sido executadas, sendo Ele mesmo “o verdadeiro Deus” (1Jo 5:20). Só assim Ele pôde ser Salvador. Como a lição enfatiza, “negar Sua divindade ou humanidade também significa negar Seu ministério como Salvador e Senhor, como exemplo. A salvação por meio de Jesus depende da natureza divino-humana de Jesus.”


Ademais, é através de Jesus Cristo que se torna possível o verdadeiro conhecimento de Deus (tão alardeado pelo gnosticismo como fator exclusivo de salvação), bem como a comunhão com Ele. 1 João 4:12, “ninguém jamais viu a Deus” ecoa o mesmo enunciado de João 1:18, onde se afirma que Jesus é o meio da revelação divina. Semelhante conhecimento tem consequência salvífica (veja 17:3). Assim, Cristologia (o estudo da pessoa de Cristo) e soteriologia (o estudo da salvação) são oferecidas por João num único pacote, a segunda sendo o fruto natural da primeira.


Com efeito, quem Jesus é e o que Ele realizou e continua realizando por nós garantem nossa salvação. Ele Se manifestou “para tirar os pecados” (1Jo 3:5), e assim “destruir as obras do diabo” (v. 8), sendo, desta forma, o “Salvador do mundo” (4:14); para tanto, deu “Sua vida” (3:16) tornando-Se “a propiciação pelos nossos pecados” e “pelos do mundo inteiro” (2:2; 4:10), razão pela qual Seu sangue “nos purifica de todo o pecado” (1:7). Ele atua agora “junto ao Pai”, como nosso advogado (2:2), e dali virá e Se manifestará (v. 28), para que sejamos em tudo semelhantes a Ele (3:2).


O que Jesus fez e faz por nós requer de nossa parte uma resposta de fé. Crer nEle resulta em vida eterna (5:13; cf. Jo 3:16); tal experiência confirma o novo nascimento (5:1) e confere poder ao que crê para que seja um vitorioso sobre o mundo (v. 4, 5), de forma que ele “não vive na prática do pecado” (3:9).


Requer também uma resposta de amor, primeiramente a Deus, então ao nosso semelhante (4:21). De tal forma o amor a Deus se revela na obediência aos Seus mandamentos (5:2, 3), pois “o pecado é a transgressão da Lei” (3:4), que “aquele que diz: ‘Eu O conheço’ e não guarda os Seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade” (2:4). De fato, “sabemos que O temos conhecido por isto: se guardamos os Seus mandamentos” (v. 3).


Por Sua vez, o amor ao próximo resultará em atos condizentes em seu favor (3:17); não há sentido em amar apenas de boca: “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” (v. 18).



Autor: José Carlos Ramos – D.Min



Um comentário:

  1. Gostei da postagem e da forma sistemática em que o tema foi abordado, isso é muito bom.

    Parabéns pelo blog. Estou seguindo com satisfação.

    Paz!

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