quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Apelo pastoral de Paulo (comentário ao estudo nº 09)




Resumo:
Depois de apresentar uma série de argumentos extraídos da Bíblia e da história da salvação, o apóstolo relembrou sua história com os gálatas. Paulo e os gálatas já haviam partilhado uma relação positiva, e eles já o haviam considerado seu pai espiritual. Ele argumentou a partir de seu relacionamento com eles, apelando para que vivessem de acordo com o que aprenderam, em vez de viver segundo os falsos ensinos.

Apóstolo equilibrado

Em nosso estudo até agora, talvez alguns tenham concluído que Paulo era alguém cheio de palavras duras e profunda argumentação teológica. Um polemista interessado em apenas reduzir a nada a argumentação de seus oponentes. Um homem com um grande cérebro, mas com um coração pequeno.

Se alguém teve uma primeira impressão negativa sobre Paulo, agora é o momento para corrigir essa ideia, que não poderia estar mais distante da realidade. Em Gálatas 1–3, vimos Paulo, o apóstolo, o teólogo, o defensor da fé; mas agora, vemos Paulo, a pessoa, o pastor que ama suas ovelhas, o amigo que demonstra sincera preocupação, o pai espiritual.

A carta aos gálatas corrige dois extremos. Por um lado, o apóstolo mostra a importância de se conhecer e defender a doutrina correta. “
Aquilo em que acreditamos importa muito, especialmente em toda a questão do evangelho” (Lição de Adultos, sábado). Por outro lado, de nada adianta defender uma doutrina correta de maneira equivocada, longe da atitude cheia de amor ensinada por Cristo (Jo 13:34, 35). Seria totalmente contraditório produzir contenda ao argumentar sobre os ensinos bíblicos, já que o objetivo deles é produzir união e amor (Gl 5:13-15).

No início da primeira Lição da Escola Sabatina a respeito desse livro bíblico, E. J. Waggoner escreveu: “
A carta aos gálatas não foi escrita para produzir controvérsia, mas para solucionar uma controvérsia. [...] A única forma de compreender [a carta aos gálatas] é estudá-la com o humilde desejo de aprender de Cristo a ‘verdade em Jesus[Ef 4:21] e com o coração aberto à influência do Espírito Santo. [...] Aqueles que a estudam com espírito de controvérsia, apenas para encontrar argumentos com os quais possa ‘enfrentar o oponente’, estão longe de assimilar a verdade.”1

O coração pastoral de Paulo

Se lermos Gálatas com atenção, veremos que ao longo de toda a carta Paulo demonstra amor e cordialidade aos leitores. É verdade que ele os chama de “insensatos” (Gl 3:1), mas mesmo isso não era um acesso descontrolado de raiva. A tradução literal dessa palavra é “sem mente”, e de fato os gálatas estavam agindo como se houvessem perdido o cérebro, como se tivessem esquecido toda a doutrina cristã.

Porém, é importante notar que por nove vezes Paulo chama os gálatas de “irmãos” (Gl 1:11; 3:15; 4:12, 28, 31; 5:11, 13; 6:1, 18). Apesar de todos os problemas que havia naquela igreja, Paulo não os considerava inimigos, mas membros da mesma família. As duras repreensões não vinham de um desconhecido nem de um oponente, mas de um membro da família, um pai, alguém que os havia dado à luz (Gl 4:19). Existe grande diferença entre receber uma advertência de um mero conhecido e recebê-la de um familiar íntimo. Paulo tinha autoridade e dever de fazer o que fez, bem como a proximidade e o tato necessários.

“Eu me tornei como vocês”

Em Gálatas 4:12, encontramos o primeiro conselho de Paulo aos leitores dessa carta. Mas ainda não é uma instrução prática, porque o problema dos gálatas não estava relacionado à ação deles. Por isso, o apóstolo falou “sobre ser e não sobre agir” (Lição de Adultos, segunda-feira). “
Eu lhes suplico, irmãos, que se tornem como eu, pois eu me tornei como vocês” (Gl 4:12).

Paulo era realmente um mestre na contextualização do evangelho. Era alguém capaz de argumentar com os grandes pensadores de sua época (At 17:18), citar filósofos e poetas (v. 28; 1Co 15:33; Tt 1:12) e usar situações inusitadas para pregar o evangelho (At 16:29-32). Por isso, ele podia afirmar: “
Tornei-me tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns” (1Co 9:22).

Paulo se colocava no lugar das pessoas de diferentes culturas e mentalidades, demonstrava empatia por elas. Penetrava em suas necessidades e aspirações, em seus pontos fortes e fracos, em suas ideias, sentimentos e valores. Sem distorcer o conteúdo da mensagem cristã (2Tm 1:8), o apóstolo fazia o possível para ultrapassar todas as barreiras – psicológicas, sociais e culturais.

Escrevendo sobre a carta aos gálatas, Ellen G. White aconselha: “
Uma importante lição que todo ministro de Cristo deve aprender é a de adaptar seu trabalho às condições daqueles a quem busca beneficiar. Ternura, paciência, decisão e firmeza são igualmente necessárias; mas devem ser exercidas com o necessário discernimento. Tratar sabiamente com diferentes classes de mentalidades, sob circunstâncias e condições variadas, é uma obra que requer sabedoria e mente iluminada e santificada pelo Espírito de Deus.”2

“Tornem-se como eu”

Algumas vezes, Paulo aconselhava os cristãos a seguir seu exemplo (1Co 11:1; Fp 3:17; 2Ts 3:7-9). Obviamente, não eram conselhos para que imitassem tudo o que o apóstolo fazia, porque ele não estava livre de defeitos (Fp 3:12). Em cada momento, ele encorajava as pessoas a seguir seu comportamento ou atitude em um aspecto específico.

Isso é verdade também no caso da carta aos gálatas. Esses cristãos estavam sendo levados a aceitar um falso evangelho, uma distorção dos verdadeiros ensinos apostólicos. Eles estavam voltando no tempo, vivendo como se Deus ainda não lhes tivesse concedido a salvação, como se não os tivesse libertado da condenação. Os gálatas tentavam fazer algo para alcançar a justificação – algo que eles já possuíam! (Gl 3:1, 2).

Nesse contexto, Paulo faz o apelo que está em Gálatas 4:12-20: “
Eu lhes suplico, irmãos, que se tornem como eu” (Gl 4:12). Paulo era alguém que tinha a convicção de ser aceito por Deus (Rm 5:1), estar livre da condenação (Rm 8:1) e ser um vencedor em Cristo (Rm 8:37). Ele sabia que o sacrifício de Cristo o havia libertado da condenação da lei (Gl 3:13; 4:5) e que o Espírito Santo havia sido concedido a ele (Gl 3:14) para habilitá-lo a viver de acordo com a lei de Deus (Gl 5:14, 22). Portanto, o apóstolo suplicou, implorou que os gálatas tivessem a mesma experiência espiritual.

Mudança radical

Paulo lembrou aos gálatas da “doença” que ele possuía (Gl 4:13, 14). Quando ele lhes pregou o evangelho, essa doença não foi razão para que o desprezassem. Em vez disso, eles acolheram o apóstolo com tanto amor e simpatia que “
teriam arrancado os próprios olhos para dá-los” a ele (Gl 4:15).

Essa afirmação sugere que o problema de Paulo fosse uma doença nos olhos. Outros fatos fortalecem essa interpretação:
(1) Paulo geralmente não escrevia de próprio punho suas cartas, mas as ditava a outra pessoa (Rm 16:22; 1Co 16:21);
(2) os poucos trechos que ele mesmo escreveu, o fez com “letras grandes” (Gl 6:11); e
(3) quando se encontrou com o sumo sacerdote, não conseguiu identificá-lo, mas viu apenas um vulto branco (At 23:3-5).
Essa doença era o “espinho na carne” que o atormentava (cf. 2Co 12:7-9). Ellen G. White confirma essa interpretação ao dizer que “Paulo tinha uma aflição corporal; sua visão era ruim”.3

Uma tradição cristã do segundo século descreve Paulo como um “homem de pequena estatura, calvo, forte, tendo as pernas tortas, as sobrancelhas sem separação, o nariz ligeiramente pronunciado e cheio de encanto”. Mesmo que essa tradição não seja totalmente segura, Paulo afirma que os gálatas teriam razões para desprezá-lo, mas não o fizeram. Eles o receberam como se “
fosse um anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus” (Gl 4:14).

Que grande mudança havia acontecido! Mais uma vez, Paulo estava admirado, assombrado com a atitude dos gálatas (cf. Gl 1:6). Com tristeza, ele perguntou: “
Tornei-me inimigo de vocês por lhes dizer a verdade?” (v. 16). Paulo usou a palavra “verdade” outras três vezes na carta: ele falou sobre a “verdade do evangelho” (Gl 2:5, 14) e a obediência à mesma “verdade” (Gl 5:7).

A verdade do evangelho havia trazido libertação aos gálatas: livramento do pecado (Gl 1:4), da condenação (3:13) e do paganismo (4:8-10). Eles haviam experimentado grande “alegria” (Gl 4:15). Mas então os gálatas estavam considerando Paulo como inimigo por causa disso! Não foi por acaso que Paulo estava inconformado com uma situação tão contraditória. A verdade que lhes fizera tão bem, era então considerada perigosa.

Intenções reais

As pessoas que divulgavam falsos ensinos entre os gálatas acusavam Paulo de tentar agradar a homens (cf. Gl 1:10, 11) e de tentar levar as igrejas a se distanciarem da igreja-mãe em Jerusalém (cf. Gl 2:9). Mas o apóstolo mostrou a realidade: “
Os que fazem tanto esforço para agradá-los não agem bem, mas querem isolá-los a fim de que vocês também mostrem zelo por eles” (Gl 4:17).

Como frequentemente ocorre em situações como aquela, os verdadeiros culpados acusam os inocentes de ter os defeitos que eles mesmos possuem. Em realidade, eram os falsos mestres que faziam “
tanto esforço” para agradar as pessoas (Gl 4:17) e “causar boa impressão exteriormente” (Gl 6:12). Além disso, queriam “isolar” os gálatas de Paulo e do restante da igreja (Gl 4:17).

Numa época em que os meios de comunicação eram bastante precários, seria fácil que um grupo de pessoas chegasse afirmando falsamente ser representante dos líderes da igreja (cf. Gl 2:4). Então, Paulo teve a oportunidade de apresentar a realidade: ele se preocupava profundamente com o bem-estar de seus irmãos em Cristo e filhos espirituais. O que ele desejava era que se tornassem semelhantes a Cristo (Gl 4:19), desfrutassem plenamente da grande salvação concedida por Deus.

Sem dúvida, em meio a lágrimas (cf. 2Co 2:4; Fp 3:18), Paulo concluiu essa seção da carta dizendo: “
Quisera estar no meio de vós agora e mudar o tom da voz, pois não sei que atitude tomar a vosso respeito” (Gl 4:20, Bíblia de Jerusalém).

1. [E. J. Waggoner], Sabbath-School Lessons in Galatians, julho-setembro de 1900, p. 4.
2. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 385, 386.
3. Ellen G. White, em Seventh-day Adventist Bible Commentary, v. 6, p. 1107.

Autor deste comentário Pr. Matheus Cardoso Editor-assistente dos livros do Espírito de Profecia na Casa Publicadora Brasileira






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