Em Gálatas 1–3, existem vários textos “negativos” sobre a lei, em que o apóstolo explica que Cristo nos libertou de sua condenação. Mas, em Gálatas 5 e 6, Paulo falou sobre a vida cristã, guiada pelo Espírito Santo e que está em harmonia com a lei de Deus. Libertos da condenação da lei, nós estamos plenamente livres para obedecê-la (Rm 8:1, 3, 4). Essa é a “liberdade em Cristo”. Sendo que nesta semana começamos a estudar o capítulo 5, este é o momento oportuno de ver brevemente o que Paulo escreveu sobre a obediência à lei.
Do outro lado, há os que afirmam ter grande compromisso com o ensino da Bíblia (principalmente o Novo Testamento), mas, às vezes, chegam à conclusão de que existem contradições entre a Bíblia e a teologia adventista. Para esses, a ênfase da Igreja Adventista e de Ellen G. White na obediência à lei não passa de uma abordagem legalista e antiquada. Ainda segundo esse grupo, deveríamos retornar à compreensão de Paulo, centralizada em Cristo e em Sua graça, e não na obediência.
Portanto, o resultado é que algumas pessoas veem uma contradição entre o ensino do Novo Testamento (especialmente de Paulo) e a teologia adventista sobre a lei. No comentário desta semana, veremos que Paulo jamais subestimou a importância da lei de Deus, mas a exaltou quase como ninguém mais. Em vez de existir contradição entre suas cartas e a doutrina adventista, elas estão em perfeita harmonia. Pela limitação de espaço, naturalmente, estudaremos uns poucos textos apenas.1
Esse texto nos lembra Romanos 6:15, que já mencionamos nesta série de comentários. Neste último versículo, Paulo faz questão de explicar que os salvos (isto é, que estão debaixo da graça e não mais debaixo da lei) não estão de forma nenhuma livres para pecar. Ou seja, a salvação não nos isenta da obediência à lei, visto que pecado é precisamente a transgressão da lei (1Jo 3:4). Estar debaixo da graça significa tornar-se servo de Cristo para a obediência e para a santidade (Rm 6:16-18).
Em Gálatas 5:14, Paulo faz uma declaração muito contundente sobre a validade da lei: “Toda a lei se cumpre numa só palavra: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (tradução literal). A palavra destacada é a mesma que aparece no texto bastante conhecido: “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir” (Mt 5:17). Essa palavra significa satisfazer plenamente, levar algo à sua plenitude. Portanto, com a morte de Cristo, a lei não perdeu sua força, mas a obediência a ela foi fortalecida.
Em Gálatas 5:14, Paulo destaca o grande princípio da lei: o amor ao próximo. Ele deixa subentendido o amor a Deus provavelmente pelo fato de que apenas quem ama a Deus pode amar verdadeiramente as outras pessoas (cf. 1Jo 4:19-21). Ou seja, é impossível amar o próximo sem amar a Deus. Nesse texto, Paulo poderia ter dito que o amor substituiu a lei, que uma pessoa que ama não mais precisa guardar a lei. Mas ele ensina explicitamente o oposto: a essência da guarda da lei é o amor; quem ama cumpre a lei.
Note igualmente que Paulo se refere a “toda a lei”, e não a apenas algumas partes dela. Se algum mandamento da lei (como o sábado) tivesse se tornado obsoleto, esse seria o momento ideal para afirmar isso. No entanto, nem aqui nem em qualquer outra parte de seus escritos, Paulo ensinou que o mandamento do sábado teria se tornado irrelevante. Um estudioso evangélico reconhece que “temos evidência do próprio Paulo e do livro de Atos de que o apóstolo continuou a observar o sábado” (At 13:14, 44; 16:13; 17:2; 18:4).3 O grande equívoco de muitos cristãos é se esquecerem de um fato óbvio: o sábado é parte da lei moral de Deus (Êxodo 20:8-11). E Paulo jamais fez uma exceção, afirmando que o sábado tivesse deixado de ser parte da lei.
Outro texto semelhante a Gálatas 5:14 é Romanos 13:8-10, que afirma: “Aquele que ama seu próximo tem cumprido a lei”, pois “todos” os mandamentos “se resumem neste preceito: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. [...] Portanto, o amor é o cumprimento da lei.” Novamente, o cumprimento da lei é enfatizado. Romanos 13:8-10 também deixa clara a relevância de toda a lei, pois afirma que “todos” os mandamentos estão incluídos nesse cumprimento.
Em vários textos, Paulo fala sobre a obediência aos mandamentos de Deus. Ele afirma: “A circuncisão não significa nada, e a incircuncisão também nada é; o que importa é obedecer aos mandamentos de Deus” (1Co 7:19). A palavra “mandamentos” obviamente se refere aos mandamentos da lei (Rm 7:8, 9; 13:9). Portanto, devemos, sim, guardar os mandamentos. Mas Paulo não se limitou a dizer que toda a lei deve ser guardada. Ele citou vários mandamentos específicos da lei, mostrando que ela continua a ser um guia para o comportamento cristão. Paulo se refere, por exemplo, aos mandamentos que proíbem idolatria (1Co 10:14, 20, 21), adultério, assassinato, furto, cobiça (Rm 13:9) e o que pede que os pais sejam honrados (Ef 6:1, 2).
O que Paulo escreveu sobre a obediência é bem resumido pelo famoso versículo: “Anulamos então a lei pela fé? De maneira nenhuma! Ao contrário, confirmamos a lei” (Rm 3:31).
Cristo morreu precisamente para nos libertar da antiga vida de transgressão da lei. A graça de Deus “nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente”. Cristo morreu “a fim de nos libertar de toda a transgressão da lei [em grego, anomia] e purificar para Si mesmo um povo particularmente Seu, dedicado à prática de boas obras” (Tt 2:12-14, tradução literal).
Existe outro texto
De acordo com Paulo, a lei é santa, justa, boa (Rm 7:12) e espiritual (v. 14). Não há nada de errado com ela, mas com o ser humano que não a obedece (Rm 7:10; 8:3). A lei revela a perfeita vontade de Deus para nós (Rm 2:17, 18). Ela sempre foi e continua sendo a lei de Deus (Rm 7:22, 25), e não meramente a lei de Moisés ou dos judeus. Portanto, não haveria necessidade de que o conteúdo da lei fosse alterado na nova aliança.
Na carta aos hebreus, o apóstolo escreveu extensamente sobre a antiga e a nova aliança, assunto que estudamos na semana passada. Ele explicou que o sacrifício de Cristo substituiu as leis relacionadas aos rituais do templo e as tornou desnecessárias (Hb 7:18; 10:1-4). Por outro lado, Paulo mostrou a contínua validade da lei na nova aliança.5 Citando a promessa de Jeremias 31:33, ele afirma: “Porei Minhas leis em sua mente e as escreverei em seu coração. [...] Porque Eu lhes perdoarei a maldade e não Me lembrarei mais dos seus pecados” (Hb 8:10; cf. 10:16).
A mensagem desses textos é a mesma apresentada em Gálatas: Deus nos perdoa os pecados, livra da condenação da lei e nos habilita a obedecer Sua lei. Note que o texto não se refere a novas leis, mas a “Minhas leis”, aquelas que já existiam – as mesmas dadas ao povo de Israel no Monte Sinai. Portanto, a obediência a Deus, mencionada em muitos textos de Paulo, não deve ser entendida num sentido vago ou místico. A transformação realizada pelo Espírito Santo está em completa harmonia com a vontade de Deus revelada na Torá.
Na antiga aliança, a lei estava escrita em tábuas de pedra, que traziam “morte” (2Co 3:7) e “condenação” (v. 9) aos pecadores.
As declarações de Paulo sobre a obediência na nova aliança se baseiam em promessas do Antigo Testamento. O Espírito Santo sempre atuou no povo de Deus e a lei era obedecida pelos fiéis (Dt 6:6; Sl 40:8). Essa transformação realizada pelo Espírito Santo desde aquela época era chamada de “circuncisão do coração” (Dt 10:16; 30:6; Jr 4:4, ARA). Mas, além disso, Deus prometeu que, quando o Messias viesse, o Espírito Santo seria concedido de forma ainda mais poderosa (Is 44:3; Jl 2:28, 29) e a obediência à lei se tornaria ainda mais intensa (Ez 11:19, 20; 36:26, 27).
Com a vinda de Cristo, essas promessas se tornaram uma realidade. Deus enviou o Espírito Santo em plenitude para nos transformar e nos pôr em harmonia com Sua vontade (Rm 2:28, 29; 7:6; 2Co 3:6). O Espírito Santo nos capacita a ter uma nova vida, de obediência e santidade (Rm 8:4-6, 9-14; Gl 5:16-18). Em vez de eliminar a obediência à lei de Deus, a nova aliança a consolida mais do que nunca.
Alguns podem se preocupar com o fato de que, em suas cartas, Paulo nunca mencionou explicitamente a guarda do sábado. A resposta a isso é bastante simples: o sábado é parte da lei moral de Deus. Os textos que estudamos acima (e vários outros) ensinam que devemos guardá-la. A conclusão natural é de que o sábado deve ser guardado; não há como fugir desse fato. Como dissemos no início deste texto, o grande equívoco de muitos cristãos é se esquecerem de um fato óbvio: o sábado é parte da lei moral de Deus. E, de acordo com Paulo, essa lei deve ser obedecida.
Os oponentes de Paulo acreditavam que a lei devia ser obedecida como um meio de alcançar o favor de Deus e a salvação. O apóstolo ensinou que a lei deve verdadeiramente ser obedecida, mas como resultado da obra de Deus
A obediência pode ser realizada somente por meio da fé. Então, o Espírito Santo nos transforma, subjuga nossa natureza pecaminosa, circuncidando nosso coração e gravando nele os princípios da lei de Deus, capacitando-nos assim a obedecê-la. De acordo com Paulo, isso se tornou uma realidade mediante Jesus Cristo. Portanto, o raciocínio do apóstolo é o oposto daquele mantido por muitos cristãos. Se, no Antigo Testamento, a lei de Deus era obedecida, quanto mais depois da morte de Cristo!
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