segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Liberdade em Cristo (comentário ao estudo nº 11)




Muitos cristãos imaginam que Paulo enfatizou a graça de Deus e a cruz de Cristo, mas relegou a lei ao segundo plano. No comentário desta semana, veremos como Paulo exaltou a obediência à lei de Deus.

Em Gálatas 1–3, existem vários textos “negativos” sobre a lei, em que o apóstolo explica que Cristo nos libertou de sua condenação. Mas, em Gálatas 5 e 6, Paulo falou sobre a vida cristã, guiada pelo Espírito Santo e que está em harmonia com a lei de Deus. Libertos da condenação da lei, nós estamos plenamente livres para obedecê-la (Rm 8:1, 3, 4). Essa é a “liberdade em Cristo”. Sendo que nesta semana começamos a estudar o capítulo 5, este é o momento oportuno de ver brevemente o que Paulo escreveu sobre a obediência à lei.

Paulo versus a teologia adventista?

De vez em quando encontramos duas posições extremadas quanto à guarda da lei, ou o ensino de Paulo sobre a lei. De um lado, há aqueles que afirmam corretamente que devemos ensinar sobre a obediência à lei, porque uma das características do povo de Deus no tempo do fim é a guarda dos “mandamentos de Deus” (Ap 12:17; 14:12). Mas, na prática, essas pessoas não examinam profundamente o que o Novo Testamento, especialmente Paulo, ensina sobre a lei. A verdade é que esse grupo parece ter receio de estudar algumas cartas desse apóstolo (especialmente Romanos e Gálatas) porque, inconscientemente, imagina que Paulo não exaltou a obediência como deveria.

Do outro lado, há os que afirmam ter grande compromisso com o ensino da Bíblia (principalmente o Novo Testamento), mas, às vezes, chegam à conclusão de que existem contradições entre a Bíblia e a teologia adventista. Para esses, a ênfase da Igreja Adventista e de Ellen G. White na obediência à lei não passa de uma abordagem legalista e antiquada. Ainda segundo esse grupo, deveríamos retornar à compreensão de Paulo, centralizada em Cristo e em Sua graça, e não na obediência.

Portanto, o resultado é que algumas pessoas veem uma contradição entre o ensino do Novo Testamento (especialmente de Paulo) e a teologia adventista sobre a lei. No comentário desta semana, veremos que Paulo jamais subestimou a importância da lei de Deus, mas a exaltou quase como ninguém mais. Em vez de existir contradição entre suas cartas e a doutrina adventista, elas estão em perfeita harmonia. Pela limitação de espaço, naturalmente, estudaremos uns poucos textos apenas.1

O cumprimento da lei em Gálatas

Em Gálatas 5 e 6, Paulo esclareceu que, embora libertados da condenação da lei, não estamos “livres” para pecar. Nesse contexto, o apóstolo destaca a contínua validade da lei na vida do cristão. Para não deixar margem a nenhuma dúvida, o apóstolo escreveu: “Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; ao contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor. Toda a lei se resume num só mandamento: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (Gl 5:13, 14).2

Esse texto nos lembra Romanos 6:15, que já mencionamos nesta série de comentários. Neste último versículo, Paulo faz questão de explicar que os salvos (isto é, que estão debaixo da graça e não mais debaixo da lei) não estão de forma nenhuma livres para pecar. Ou seja, a salvação não nos isenta da obediência à lei, visto que pecado é precisamente a transgressão da lei (1Jo 3:4). Estar debaixo da graça significa tornar-se servo de Cristo para a obediência e para a santidade (Rm 6:16-18).

Em Gálatas 5:14, Paulo faz uma declaração muito contundente sobre a validade da lei: “
Toda a lei se cumpre numa só palavra: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (tradução literal). A palavra destacada é a mesma que aparece no texto bastante conhecido: “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir” (Mt 5:17). Essa palavra significa satisfazer plenamente, levar algo à sua plenitude. Portanto, com a morte de Cristo, a lei não perdeu sua força, mas a obediência a ela foi fortalecida.

Em Gálatas 5:14, Paulo destaca o grande princípio da lei: o amor ao próximo. Ele deixa subentendido o amor a Deus provavelmente pelo fato de que apenas quem ama a Deus pode amar verdadeiramente as outras pessoas (cf. 1Jo 4:19-21). Ou seja, é impossível amar o próximo sem amar a Deus. Nesse texto, Paulo poderia ter dito que o amor substituiu a lei, que uma pessoa que ama não mais precisa guardar a lei. Mas ele ensina explicitamente o oposto: a essência da guarda da lei é o amor; quem ama cumpre a lei.

Note igualmente que Paulo se refere a “toda a lei”, e não a apenas algumas partes dela. Se algum mandamento da lei (como o sábado) tivesse se tornado obsoleto, esse seria o momento ideal para afirmar isso. No entanto, nem aqui nem em qualquer outra parte de seus escritos, Paulo ensinou que o mandamento do sábado teria se tornado irrelevante. Um estudioso evangélico reconhece que “temos evidência do próprio Paulo e do livro de Atos de que o apóstolo continuou a observar o sábado” (At 13:14, 44; 16:13; 17:2; 18:4).3 O grande equívoco de muitos cristãos é se esquecerem de um fato óbvio: 
o sábado é parte da lei moral de Deus (Êxodo 20:8-11). E Paulo jamais fez uma exceção, afirmando que o sábado tivesse deixado de ser parte da lei.

O cumprimento da lei em outras cartas de Paulo

Dois textos de Romanos apresentam a mesma ideia que Gálatas 5:14. Em um deles, Paulo explica que Cristo veio à Terra e morreu “a fim de que as justas exigências da lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8:4). Em vez de abolir a lei, a morte de Cristo nos capacitou a viver em plena conformidade com os requisitos da lei. Todo o plano da salvação foi elaborado e concretizado para que o ser humano estivesse novamente em harmonia com a vontade de Deus. Esse não é apenas um ensino de Ellen G. White, mas da própria Bíblia. Romanos 8:4 é um dos textos mais claros e enfáticos de Paulo sobre a contínua validade da lei.

Outro texto semelhante a Gálatas 5:14 é Romanos 13:8-10, que afirma: “
Aquele que ama seu próximo tem cumprido a lei”, pois “todos” os mandamentos “se resumem neste preceito: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. [...] Portanto, o amor é o cumprimento da lei.” Novamente, o cumprimento da lei é enfatizado. Romanos 13:8-10 também deixa clara a relevância de toda a lei, pois afirma que “todos” os mandamentos estão incluídos nesse cumprimento.

Em vários textos, Paulo fala sobre a obediência aos mandamentos de Deus. Ele afirma: “
A circuncisão não significa nada, e a incircuncisão também nada é; o que importa é obedecer aos mandamentos de Deus” (1Co 7:19). A palavra “mandamentos” obviamente se refere aos mandamentos da lei (Rm 7:8, 9; 13:9). Portanto, devemos, sim, guardar os mandamentos. Mas Paulo não se limitou a dizer que toda a lei deve ser guardada. Ele citou vários mandamentos específicos da lei, mostrando que ela continua a ser um guia para o comportamento cristão. Paulo se refere, por exemplo, aos mandamentos que proíbem idolatria (1Co 10:14, 20, 21), adultério, assassinato, furto, cobiça (Rm 13:9) e o que pede que os pais sejam honrados (Ef 6:1, 2).

O que Paulo escreveu sobre a obediência é bem resumido pelo famoso versículo: “
Anulamos então a lei pela fé? De maneira nenhuma! Ao contrário, confirmamos a lei” (Rm 3:31).

Pecado como transgressão da lei

Todos nós conhecemos o texto de João: “Pecado é a transgressão da lei” (1Jo 3:4). Mas é importante notar que Paulo ensinava o mesmo (Rm 2:12, 23, 25, 27; 3:20). Somente por meio da lei é que sabemos o que é pecado (Rm 7:7). A condenação eterna é o resultado da transgressão à lei (Rm 4:15). A vida do ímpio é resumida no fato de que ele “não se submete à lei de Deus, nem pode fazê-lo” (Rm 8:7, 8).

Cristo morreu precisamente para nos libertar da antiga vida de transgressão da lei. A graça de Deus “nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente”. Cristo morreu “
a fim de nos libertar de toda a transgressão da lei [em grego, anomia] e purificar para Si mesmo um povo particularmente Seu, dedicado à prática de boas obras” (Tt 2:12-14, tradução literal).

Existe outro texto em que Paulo fala sobre a transgressão da lei, mas que é pouco citado por adventistas nesse contexto. Em 2Tessalonicenses 2, Paulo escreveu a respeito do “
homem do pecado”, o mesmo poder conhecido como “chifre pequeno” (Dn 7:8, 11, 24, 25) e besta que sai do mar (Ap 13:1-10). Em sua explicação, o apóstolo se baseou em Daniel 7 e 8.4 De acordo com Daniel, esse poder tentaria “mudar os tempos e a lei” de Deus (Dn 7:25, ARA). Paulo apresentou a mesma ideia: “Antes daquele dia [a volta de Cristo] virá a apostasia e, então, será revelado o homem do pecado, o filho da perdição. [...] O mistério do afastamento da lei [em grego, anomia] já está em ação [...]. Então será revelado aquele que se afasta da lei [em grego, anomos], a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de Sua boca” (2Ts 2:3, 7, 8, tradução literal). Assim como Daniel, Paulo ensinou que uma notável característica desse poder que se opõe a Deus seria a rejeição de Sua lei.

Lei abolida na nova aliança?

Muitos cristãos ensinam que, durante a época do Antigo Testamento, o povo de Deus precisava guardar a lei, mas hoje não precisamos mais fazê-lo. Para essas pessoas, a lei foi abolida na cruz e, na nova aliança, estamos livres da obrigação de guardar os mandamentos. No entanto, vários textos de Paulo mostram que a verdade é exatamente o oposto.

De acordo com Paulo, a lei é santa, justa, boa (Rm 7:12) e espiritual (v. 14). Não há nada de errado com ela, mas com o ser humano que não a obedece (Rm 7:10; 8:3). A lei revela a perfeita vontade de Deus para nós (Rm 2:17, 18). Ela sempre foi e continua sendo a lei de Deus (Rm 7:22, 25), e não meramente a lei de Moisés ou dos judeus. Portanto, não haveria necessidade de que o conteúdo da lei fosse alterado na nova aliança.

Na carta aos hebreus, o apóstolo escreveu extensamente sobre a antiga e a nova aliança, assunto que estudamos na semana passada. Ele explicou que o sacrifício de Cristo substituiu as leis relacionadas aos rituais do templo e as tornou desnecessárias (Hb 7:18; 10:1-4). Por outro lado, Paulo mostrou a contínua validade da lei na nova aliança.5 Citando a promessa de Jeremias 31:33, ele afirma: “
Porei Minhas leis em sua mente e as escreverei em seu coração. [...] Porque Eu lhes perdoarei a maldade e não Me lembrarei mais dos seus pecados” (Hb 8:10; cf. 10:16).

A mensagem desses textos é a mesma apresentada em Gálatas: Deus nos perdoa os pecados, livra da condenação da lei e nos habilita a obedecer Sua lei. Note que o texto não se refere a novas leis, mas a “Minhas leis”, aquelas que já existiam – as mesmas dadas ao povo de Israel no Monte Sinai. Portanto, a obediência a Deus, mencionada em muitos textos de Paulo, não deve ser entendida num sentido vago ou místico. A transformação realizada pelo Espírito Santo está em completa harmonia com a vontade de Deus revelada na Torá. 

Na antiga aliança, a lei estava escrita em tábuas de pedra, que traziam “morte” (2Co 3:7) e “condenação” (v. 9) aos pecadores.

Segundo a promessa que vimos acima, na nova aliança, a lei perde seu aspecto negativo e condenatório para os salvos e volta a ser o que era na época dos patriarcas: gravada no coração (veja o comentário da lição 6). O Comentário Bíblico Adventista afirma: “A lei moral, o Decálogo, não mais permanece em duas tábuas de pedra, como algo separado do ser humano. Em vez disso, aqueles que são ‘justificados pela fé’ em Cristo (Gl 3:24) se tornam novas criaturas em Cristo Jesus (2Co 5:17), com a lei de Deus escrita em sua mente e coração (Hb 8:10). E, assim, o ‘preceito da lei’ é cumprido neles (Rm 8:4).”6

As declarações de Paulo sobre a obediência na nova aliança se baseiam em promessas do Antigo Testamento. O Espírito Santo sempre atuou no povo de Deus e a lei era obedecida pelos fiéis (Dt 6:6; Sl 40:8). Essa transformação realizada pelo Espírito Santo desde aquela época era chamada de “circuncisão do coração” (Dt 10:16; 30:6; Jr 4:4, ARA). Mas, além disso, Deus prometeu que, quando o Messias viesse, o Espírito Santo seria concedido de forma ainda mais poderosa (Is 44:3; Jl 2:28, 29) e a obediência à lei se tornaria ainda mais intensa (Ez 11:19, 20; 36:26, 27).

Com a vinda de Cristo, essas promessas se tornaram uma realidade. Deus enviou o Espírito Santo em plenitude para nos transformar e nos pôr em harmonia com Sua vontade (Rm 2:28, 29; 7:6; 2Co 3:6). O Espírito Santo nos capacita a ter uma nova vida, de obediência e santidade (Rm 8:4-6, 9-14; Gl 5:16-18). Em vez de eliminar a obediência à lei de Deus, a nova aliança a consolida mais do que nunca.

Alguns podem se preocupar com o fato de que, em suas cartas, Paulo nunca mencionou explicitamente a guarda do sábado. A resposta a isso é bastante simples: o sábado é parte da lei moral de Deus. Os textos que estudamos acima (e vários outros) ensinam que devemos guardá-la. A conclusão natural é de que o sábado deve ser guardado; não há como fugir desse fato. Como dissemos no início deste texto, o grande equívoco de muitos cristãos é se esquecerem de um fato óbvio: o sábado é parte da lei moral de Deus. E, de acordo com Paulo, essa lei deve ser obedecida.

Conclusão
Os oponentes de Paulo acreditavam que a lei devia ser obedecida como um meio de alcançar o favor de Deus e a salvação. O apóstolo ensinou que a lei deve verdadeiramente ser obedecida, mas como resultado da obra de Deus em nós. Ninguém pode sequer entrar em um relacionamento de salvação com Deus por meio da lei.

A obediência pode ser realizada somente por meio da fé. Então, o Espírito Santo nos transforma, subjuga nossa natureza pecaminosa, circuncidando nosso coração e gravando nele os princípios da lei de Deus, capacitando-nos assim a obedecê-la. De acordo com Paulo, isso se tornou uma realidade mediante Jesus Cristo. Portanto, o raciocínio do apóstolo é o oposto daquele mantido por muitos cristãos. Se, no Antigo Testamento, a lei de Deus era obedecida, quanto mais depois da morte de Cristo!


1. Para estudo adicional, veja Frank Thielman, From Plight to Solution: A Jewish Framework for Understanding Paul’s View of the Law in Galatians and Romans, Novum Testamentum Supplements, v. 61 (Leiden: Brill, 1989); idem, Paul and the Law: A Contextual Approach(Downers Grove, IL: InterVarsity, 1994); idem, “Lei”, em Dicionário de Paulo e Suas Cartas, ed. Gerald F. Hawthorne, Ralph P. Martin e Daniel G. Reid (São Paulo: Vida Nova / Paulus / Loyola, 2008), p. 779-796; Thomas R. Schreiner, The Law and Its Fulfillment: A Pauline Theology of Law (Grand Rapids, MI: Baker, 1993).
2. Os textos bíblicos são extraídos da Nova Versão Internacional, salvo outra indicação.
3. D. R. de Lacey, “The Sabbath/Sunday Question and the Law in the Pauline Corpus”, em From Sabbath to Lord’s Day: A Biblical, Historical, and Theological Investigation, ed. D. A. Carson (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1982), p. 182.
4. Veja Hans K. LaRondelle, “O remanescente e as três mensagens angélicas”, em Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, ed. Raoul Dederen (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011), p. 865-868.
5. Veja Ángel Manuel Rodríguez, “El nuevo pacto de Hebreos”, disponível em http://www.adventistbiblicalresearch.org/preguntasbiblicas/nuevopactohebreos.htm
6. Francis D. Nichol, ed., Seventh-day Adventist Bible Commentary (Washington, DC: Review and Herald, 1957), v. 6, p. 962.

Autor deste comentário: Pr. Matheus Cardoso Editor-assistente dos livros do Espírito de Profecia na Casa Publicadora Brasileira




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