segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A santidade de Deus (comentário ao estudo nº 05)




Introdução
Um dos elementos fundamentais da natureza distinta de Deus, como revelado na Bíblia, é Sua santidade.

A palavra santidade também é usada para caracterizar a resposta à graça divina que deve        fazer parte do povo de Deus quando ele se permite ser transformado à Sua semelhança.

No Antigo Testamento, a expressão qados, “santo” e qodes, “santidade” aparecem mais de 830 vezes. Já no grego do Novo Testamento, a palavra hagios, “santo”, seus derivados e cognatos ocorrem mais de 260 vezes.

Conceito de santidade no Antigo Testamento
Embora não seja comum prestarmos atenção ao tema da santidade, sem nenhum exagero, esse é o elemento que transpassa todos os outros no que se refere à descrição veterotestamentária do caráter de Deus (Sl 99:3, 5, 9). No Novo Testamento, essa característica não é tão evidente, mesmo porque se entende que o Antigo Testamento é base e fonte de todas as suas pressuposições teológicas.

A primeira ocorrência do termo santidade que aparece na Bíblia refere-se ao sábado. A declaração divina transformou um dia normal de 24 horas em um dia especial, distinto, único. Se Deus determinou o sábado como santo, o que o ser humano poderá fazer para destituí-lo dessa santidade?

A santidade de Deus:
A ideia básica que se destaca na santidade de Deus é a de Sua unicidade e distinção, Sua qualidade em ser único, Sua diferenciação de tudo o mais que existe; Aquele que não pode ser confundido com nenhuma outra coisa, principalmente com os falsos deuses (Êx 15:11). A santidade de Deus revela Sua distinção de tudo o que foi criado. Assim, a santidade reflete em altíssimo grau a distinção absoluta que existe entre criatura e Criador.

Como decorrência dessa unicidade se estabelece o conceito de santidade que nos é mais comum: a perfeição moral divina. Deus possui a total liberdade em não poder ser acusado de imperfeição (Sl 89:35). Mais que isso: diante de Sua presença, tudo o mais que não é perfeito demonstra seu estado de imperfeição. Um exemplo clássico é o segundo chamado de Isaías ao ofício profético, descrito no capítulo 6. Diante do coro angelical exaltando a santidade de Deus, o ser humano se mostrou extremamente frágil e pecador a ponto de antever a morte. Foi a santidade de Deus que trouxe ao coração de Isaías a certeza de sua pecaminosidade (6:5).

O canto reverente dos serafins indica também que, mesmo que eles não possuíssem nenhum traço de pecado, a perfeição deles estava aquém e era dependente da perfeição de Deus. O Criador e Senhor de tudo é, em essência, santo, e essa santidade O distingue de qualquer outro ser.

Isaías 6 expõe outro conceito sobre a santidade de Deus – a glória de Sua presença. Assim, glória e santidade são ideias complementares quando se descreve a natureza de Deus.

A proclamação tripla da santidade de Deus (“santo, santo, santo”) é conhecida teologicamente por trisagion. Essa fórmula é única no Antigo Testamento (aparece novamente no Apocalipse). Nenhum outro atributo da natureza de Deus é assim descrito.
Alguns comentários indicam que essa era a forma da língua hebraica para estabelecer o superlativo, mas esse argumento se decompõe por sua característica única.

Outros estudiosos da Bíblia entendem que essa tripla repetição indica uma fórmula pré-trinitariana.

L. Farnell em sua obra Attributes of God nota que “qualquer que seja a crença teísta adotada, santidade faz parte da essência da ideia” (p. 186).

Quando Isaías contemplou a santidade de Deus, reconheceu seu estado e foi justificado pela fé, seu senso de missão se tornou claro. Podemos concluir que é a santidade de Deus que nos impulsiona para a proclamação do evangelho. Será que, sem o senso dessa santidade, poderemos realmente testemunhar?

Conforme citado no texto da lição, outros exemplos de reconhecimento da santidade de Deus são: Jó, Jacó, Ezequiel e Daniel.

Sempre que um ser humano encontra o Deus vivo, há o espanto inicial de finalmente ver a verdadeira profundidade do seu próprio pecado” (texto da lição – quarta-feira). Os povos antigos evidenciavam essa reação pelo ato de rasgar as vestes e se cobrir com trapos, pó e cinza.       

A santidade de Deus está refletida em Sua demanda por adoração exclusiva. Essa exigência é muito bem estabelecida nos primeiros dois mandamentos. Em outras palavras, quando adoramos, devemos ter em mente a santidade de Deus. Culto não é um programa onde buscamos entretenimento... Se fizéssemos uma reflexão mais cuidadosa da santidade de Deus, nossa adoração certamente seria muito mais cuidadosa.

Santidade não faz parte da natureza de nenhuma outra deidade em qualquer outra religião, antiga ou moderna. Por isso, cultos a outras divindades sempre estão ligados ao prazer, à autossatisfação e à sensualidade.

Assim, santidade é sempre exigida na adoração do verdadeiro Deus. Não podemos adorar a Deus de qualquer maneira, trazendo diante dEle qualquer coisa (música, mente, etc.).

Há uma conexão íntima entre a santidade de Deus e Sua justiça. A santidade de Deus não é inócua, inconsequente ou simplesmente um conceito etéreo. A santidade de Deus é proativa e assegura o direito que tem de monitorar a conduta do Seu povo. No Antigo Testamento, Deus estava sempre indicando a incompatibilidade do comportamento de Israel diante de Seu caráter. Um exemplo desse aspecto é encontrado em Amós 2:7. Quando pai e filho possuem a mesma mulher, a santidade de Deus é violada. Por causa da desobediência, a ira de Deus entra em ação. Quando Seu povo só é santo na aparência ou no nome, mas não de fato, Deus não pode por Sua justiça deixar de expressar Seu desprazer em termos de julgamento (Os 13:4-14; Am 4:2; Ez 2:17-22). Essa foi a história de Israel. Qual tem sido a nossa? Da mesma forma, a crueldade profana das outras nações ofendem a santidade e a justiça de Deus e, por isso, recebem punição (Ez 38:17-23).

A santidade almejada em Israel
No Antigo Testamento, santidade não é inerente a Israel, mas uma qualidade cuja fonte se encontra no próprio Deus. Como em Deus, a santidade de Seu povo também se mostra dúplice. O primeiro aspecto é evidente em sua condição privilegiada de ser o povo escolhido, distinto, único, em contraste com as outras nações. Israel era a possessão exclusiva de Deus. Essa escolha não foi em virtude da proeminência de Israel, um povo ínfimo numericamente ao ser comparado com outros povos. Foi por eleição, pelo amor e propósito de Deus (Dt 7:7ss). O segundo aspecto foi exposto quando Israel foi movido a honrar Deus por meio de sua obediência e fidelidade ao concerto (Êx 19:5ss). Essa era santidade adquirida (Lv 11:44ss; Dt 28:9). Deveria ser a nação modelo, fonte de atração dos povos para o conhecimento do Deus verdadeiro. Infelizmente, a história deixou claro que Israel não honrou a santidade de Deus.
        
O conceito de santidade permeava a vida de Israel. A terra era santa por ser um presente dado por promessa ao povo. Jerusalém era a cidade de Deus, onde se manifestava a Sua presença no santuário (etimologicamente “o lugar onde está a santidade”), mais particularmente, no lugar santíssimo do templo. Os serviços realizados no templo eram santos. A arca e todos os utensílios do templo eram santos.  Quando a arca foi tomada pelos filisteus, o entendimento era que a glória de Deus se havia apartado (1Sm 4:22). Os levitas deveriam ser santos e purificar-se. O Dia da Expiação era santo. Até as guerras contra as nações pagãs eram consideradas santas, pois eram agentes do Santo para trazer juízo. O sábado era santo. O dízimo era santo. O problema é que Israel reduziu a mero cerimonialismo a santidade de Deus.

A santidade no Novo Testamento
Como era de se esperar, o Novo Testamento mantém o entendimento sobre santidade do Antigo Testamento. Por exemplo, lemos que Deus é santo (1Pe 1:15), dos santos anjos (Lc 9: 26), dos santos profetas (At 3:21), dos primogênitos que são santos (Lc 2:23), de um sacerdócio santo (1Pe 2:5), da nação santa (1Pe 2:9), da cidade santa (Mt 4:5), das Santas Escrituras (Rm 1:2), etc. O Novo Testamento faz alusões claras à santidade como estando em conformidade com a natureza de Deus em vez de um envolvimento meramente cerimonial.

A santidade da divindade:
O Pai é santo. Na oração sacerdotal, Jesus aludiu ao Seu Pai como santo (Jo 17:11). Ao ensinar os discípulos a orar, Jesus os instruiu para que reconhecessem o Pai como digno de ser aclamado com honra, como único – “santificado seja o Teu nome” (Mt 6:9). O vidente de Patmos registrou o louvor dos anjos ao Pai na mesma fórmula já descrita por Isaías – o trisagion (Ap 4:8). O apelo dos mártires por vindicação reconhece a santidade de Deus (Ap 6:10). O Cântico do Cordeiro cantado pelos que venceram a besta alude à exclusividade da santidade do Pai (Ap 15:4).

O Filho é santo. A predição angélica de que Maria teria um Filho incluía a observação de que a “criança” seria reconhecida como santa (Lc 1:35). Até os demônios reconheceram Sua santidade (Mc 1:24 ou Lc 4:31-36). Depois de Sua ressurreição, os primeiros cristãos oravam fazendo referência à santidade de Jesus (At 4:27, 30 - ver também At 2:27; 13:35; Hb 7:26).

O Espírito é santo. Embora o Antigo Testamento não deixe de se referir ao Espírito, Ele é habitualmente descrito como o “Espírito do Senhor”. Já no Novo Testamento, Espírito Santo é o nome mais comum atribuído à Terceira Pessoa da divindade. Nos Evangelhos sinóticos Ele é representado como repousando sobre Jesus e O fortalecendo no cumprimento de Sua missão (Lc 4:14, 18). Quando os escribas chegaram a atribuir as obras de Jesus a espíritos malignos, Jesus declarou que este seria um pecado imperdoável, isto é, blasfemar contra o Espírito Santo (Mc 3:22-30). No livro de Atos, o Espírito Santo assume a liderança da igreja por meio da iluminação, capacitação e direção dos servos de Cristo (1:8; 2:4; 5:32; 13:2; 16:6ss). É o Espírito o responsável por manter a igreja pura (At 5:1-11). Acima de tudo, no Novo Testamento o Espírito é o promotor da santidade (1Ts 4:7ss; 1Co 6:19).

A santidade dos filhos de Deus: No Novo Testamento, os seguidores de Cristo são chamados a ser santos e a conduzir-se como santos.

Chamados para a santidade. Tendo em vista o paralelismo óbvio entre o povo de Israel e a igreja do Novo Testamento, não é de se surpreender que os filhos de Deus sejam considerados santos em virtude de sua condição. Os cristãos são considerados santos em virtude do chamado que receberam.

Parece contraditório que Paulo tivesse tratado os irmãos da igreja de Corinto como santos (1Co 1:2; 3:17), tendo em vista a longa lista de pecados que eles estavam praticando. Algumas traduções tentam suavizar essa aparente contradição colocando a santidade como algo a ser obtido no futuro (“chamados para ser santos”). Contudo, o que Paulo estava falando é que eles eram santos por ter sido chamados, refletindo assim sua posição em relação a Deus e não necessariamente sua condição. Os cristãos foram colocados à parte por Deus em Cristo.

Em 1 Coríntios 6:11, os cristãos foram separados dos demais porque “foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus.” Paulo não afirma que os cristãos se haviam tornado santos em caráter, mas que foram declarados como santos por ter sido chamados por Deus. Essa ideia é confirmada porque o termo “santificados” precede a palavra “justificados”. O cristão nunca será justo em si, mas é reconhecido ou declarado justo mesmo não sendo nem merecendo. Um paralelo pode ser tirado do próprio apostolado de Paulo. Ele não foi um apóstolo por ter sido reconhecido assim pela igreja, mas o era por ter sido declarado e chamado para ser um apóstolo.

Com isso, não quero dizer que a condição de santidade não tenha nada a ver com o caráter e a conduta do cristão. O que está sendo afirmado é que a santidade é resultante de um chamado feito por Deus a todos os que aceitam Cristo como Senhor. Esse chamado motiva ou direciona o cristão a se entregar, sem reservas, ao poder do Espírito que atuará na transformação de sua vida, objetivando a santidade de caráter. Pedro deixa isso evidente: “Assim como é santo Aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem, pois está escrito: ‘sejam santos, porque Eu sou santo’” (1Pe 1:15-16).

Santos em caráter: Como observamos, é evidente que o chamado para ser santo também      implica, consequentemente, uma mudança de vida, no moldar do caráter, o que pode ser      chamado de processo de santificação.

Embora cada crente deva estar envolvido na transformação de seu caráter, esse processo nada tem de meritório. O único fator a ser considerado é a decisão de colocar a vida, sem reservas, nas mãos do Deus santo..A salvação já é um dom concedido pela graça e não merece discussão. Contudo, desde que passo a ser filho de Deus, devo desejar reproduzir em mim os traços da família, que é a vontade de Deus.

O ponto de partida para o desenvolvimento do caráter é a compreensão de que a graça recebida de Deus espera, clama por uma resposta. Em Romanos 12:1, Paulo chama essa resposta como a entrega da vida, “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. O verso 2 declara como esse processo toma lugar: a despeito de lutas e tentações vencidas, pela renovação da mente o cristão se permite ser transformado até “experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.

Quando contemplamos a glória (santidade de Deus), nossos pecados são revelados, deles nos arrependemos e os abandonamos. E, assim, “segundo a sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor que é Espírito” (2Co 3:18).

Devemos observar que nessa transformação, o Espírito Santo é o grande agente capacitador, mas não o padrão a ser seguido. Este é Jesus Cristo. É Cristo que deve ser formado em nós (Gl 4:19). As igrejas pentecostais erroneamente têm colocado sobre o “Espírito” a essência da experiência cristã.

Arrependimento, oração e leitura da Palavra são indispensáveis nesse processo de crescimento espiritual, de santificação.

O programa de reavivamento e reforma focaliza de forma correta a transformação de caráter que cada crente que aguarda a vinda de Jesus deve experimentar.

Podemos, contudo, destacar três possíveis desvios no processo de santificação.
O primeiro deles é o antinomianismo (não há necessidade de guardar a lei). Assim pensam: desde que fui chamado para ser santo, já estou salvo. Não necessito, portanto, transformar minha vida à semelhança de Cristo. Ele já fez isso por mim na cruz para que eu viva uma vida de liberdade nEle. O antinomianismo é facilmente refutado porque é impossível imaginar que a vida cristã continue sendo uma vida de pecado (Rm 6:1-6). Entretanto, a mornidão laodiceana leva muitos a viver esse erro na prática cristã.

O segundo é o perfeccionismo. Essa tendência é oposta ao antinomianismo. Na busca de se tornarem semelhantes ao caráter de Cristo, as pessoas imaginam poder viver sem pecado. A vida de perfeição é sempre colocada na Bíblia como um alvo a ser atingido na glorificação. Embora Paulo pareça favorecer o perfeccionismo em 2 Coríntios 7:1, quando descreve sua própria experiência religiosa parece estar longe dessa proposta (Fp 3:12). Para Paulo, essa é uma experiência futura (1Co 13:10) que envolverá toda a comunidade cristã (Ef 4:13).

O perfeccionismo sempre foi uma “tentação” para alguns adventistas ou por não entenderem o real significado do pecado ou pelo desejo desvairado de pertencer à “última geração”. É raro, mas temos lido e ouvido declarações que afirmam que a última geração dos adventistas viverá sem cometer pecados e, só então, Jesus voltará. A perfeição de caráter (ou perfeccionismo) da última geração é “a condição” para a segunda vinda de Cristo.

Para uma breve discussão sobre o assunto, ver G. Knight, ed., Questões sobre Doutrina, CASA.
    
A terceira dificuldade em entender o tema da santidade vem do movimento pentecostal. Santidade é identificada com a manifestação de sinais, milagres e maravilhas. O centro da experiência religiosa não é Cristo e a necessária transformação de caráter, mas a vivência de uma mística miraculosa, identificada erroneamente como pentecostal. Assim, a prática do dom de línguas e exorcismos passa a ser evidência de uma vida santificada, ou movida pelo Espírito.

A santificação final
Com a compreensão que temos do Grande Conflito, sabemos por experiência pessoal que a batalha entre a carne e o espírito é algo real e nos acompanhará até a segunda vinda de Jesus. Embora Cristo tenha trazido a libertação sobre o poder do pecado, a presença do pecado perdurará até o fim (1Ts 5:23). Nossos corpos ainda estão sob o efeito da doença, da decrepitude e da morte. Por que, então, nosso caráter estaria totalmente liberto do pecado? Perfeição é algo que nos será concedido no “dia do Senhor”, quando o que é corruptível será revestido de incorruptibilidade (1Co 15:53).

Por outro lado, sabemos que é vital para o crente a experiência da transformação de caráter na santificação. Sem ela ninguém verá o Senhor (Hb 12:14).

Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, mas sabemos que, quando Ele Se manifestar, seremos semelhantes a Ele, pois O veremos como Ele é. Todo aquele que nEle tem esperança purifica-se a si mesmo, assim como Ele é puro” (1Jo 3:2-3).

Sobre o autor deste comentário: Edilson Valiante nasceu em São Paulo. Formou-se em Teologia em 1979. Por mais de 20 anos serviu como professor da Faculdade Adventista de Teologia. Foi distrital, departamental de Educação e JA. Atualmente é o Secretário Ministerial da União Central Brasileira. Casado com a professora Nely Doll Valiante, possuem um casal de filhos: Luciene e Eduardo.





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