sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Confiança II




“Não abandoneis... a vossa confiança; ela tem grande galardão” (Hb 10:35). O galardão da confiança coincide com o galardão da vitória. Da mesma forma que a confiança tem que ser perseverante (“não abandoneis...”), a vitória é ganha depois de árduo e constante combate. Montecuccoli estabeleceu a relação entre confiança e vitória ao declarar: “O maior sinal da derrota é quando já não se crê na vitória.”


Principalmente em assuntos espirituais, não crer na vitória corresponde a não crer em Deus, pois “o cavalo prepara-se para o dia da batalha, mas a vitória vem do Senhor” (Pv 21:31). Assim, se queremos ser vitoriosos, não deixemos de confiar em Deus; para tanto, a lição desta semana, concorre com motivos incontestes em função dos quais temos que nEle confiar.


Tendo confiança (1Jo 5:13-21)


Em 1 João, o tema da confiança não se limita à parte final da epístola. Ele foi mencionado desde bem antes. “Confiança” é versão do grego parrhēsía, que também significa liberdade, ousadia (principalmente para se expressar), intrepidez, autoridade, segurança. O termo implica ausência de temor face à coragem otimista que leva seu possuidor mesmo a ser intrépido, ousado, biblicamente num sentido positivo, pois tudo decorre da fé (veja Ef 3:11, 12; 6:20; Hb 3:6; 10:19). Como a lição afirma, “essa confiança repousa totalmente em Jesus.”


Além do emprego em 5:14, o termo aparece mais três vezes em 1 João, sempre vertido para “confiança” na Almeida e sempre no contexto do relacionamento correto do crente com Deus (sem essa qualidade de relacionamento, a confiança não passa de mera presunção): 2:28, 3:21 e 4:17.

Vejamos:


2:28 – Devemos permanecer em Deus para que, quando Jesus voltar, tenhamos a segurança (confiança) de não nos envergonharmos em Sua presença;

3:21 – Um amor não fingido, ou que não é só de palavra (3:18), que leva à ação, evidencia que somos da verdade e nos supre uma consciência que não nos acusa, o que nos dá confiança diante de Deus;

4:17 – Conhecer o amor de Deus e crer nEle (v. 16) aperfeiçoa em nós esse amor, o que nos dá confiança para o dia do juízo. A razão é simples: “no amor não existe medo”. e “os cristãos não temem o juízo. Contam com o que Jesus fez por eles. Sua confiança não está neles mesmos, nem no que fizeram ou no que poderiam ter feito”;

5:14 – Crendo em Jesus, temos a vida eterna (v. 13), o que nos dá a confiança de que Deus “ouve” o que pedimos.

Ademais, o tema da confiança está implícito em outros textos, principalmente com o emprego da fórmula “sabemos”, ou “conhecemos”, quase sempre seguida da conjunção “que” (quatorze vezes em toda a epístola, sendo cinco no capítulo 5): 2:3, 5, 18; 3:2, 14, 16, 24; 4:13, 16; 5:2, 15, 18, 19, 20. A fórmula expressa segurança, certeza, convicção.

Vejamos:


2:3 – Não há dúvida quanto à verdadeira evidência de que alguém conhece a Deus: a guarda de Seus mandamentos;

2:5 – Não há dúvida quanto à verdadeira evidência de que estamos em Deus: a guarda de Sua Palavra;

2:18 – Não há dúvida quanto à verdadeira evidência de que a última hora é chegada: muitos anticristos têm surgido;

3:2 – Com certeza, seremos iguais a Jesus quando Ele Se manifestar;

3:14 – Não há dúvida quanto à verdadeira evidência de que alguém passou da morte para a vida: o amor aos irmãos;

3:16 – Não há dúvida quanto à verdadeira evidência de se conhecer o amor: Cristo deu Sua vida por nós, e devemos dar a nossa pelos irmãos;

3:24 – Não há dúvida quanto à verdadeira evidência de que Deus permanece em nós: o Espírito nos foi dado;

4:13 – Não há dúvida quanto à verdadeira evidência de que permanecemos em Deus e Deus permanece em nós: o Espírito nos foi dado;

4:16 – podemos ter certeza de que Deus tem amor por nós;

5:2 – Não há dúvida quanto à verdadeira evidência de que amamos os filhos de Deus: amamos a Deus e praticamos os Seus mandamentos.


Assim, a confiança é reiterada frequentemente em 1 João; o escritor o faz de forma a envolver o todo de nossa vida: “...os cristãos têm confiança no que se refere ao seu relacionamento com Deus, sua vida de oração [comunhão com Deus], sua condição presente e destino futuro.”


Em várias das vezes em que o apóstolo fala da certeza de se conhecer as coisas relacionadas a Deus, ele registra o verbo ginōskō, conhecer, da mesma raiz de gnōsis, conhecimento, aquilo que os gnósticos dissidentes supunham ter para lhes garantir vida eterna. Ao tocar o tema da confiança, João não deixa de lhes dar um recado, mostrando que são os que exercem fé genuína em Jesus que têm essa garantia. Os que são da verdade “sabem”, mas aqueles que se desviaram dela, aqueles que “saíram do nosso meio” (2:19), “não sabem” nem para onde vão (v. 11).


A posse da vida eterna (1Jo 5:13)


Embora a posse da vida eterna deva ser encarada como promessa (2:25), podemos considerá-la uma realidade presente, pois Deus não pode mentir (veja Tt 1:2). Por isso, é-nos dito igualmente que a vida eterna já nos foi dada (5:11 e 13). Principalmente em João, a salvação é uma experiência imediata; algo que já nos foi outorgado. Vida eterna é uma qualidade de vida reservada para o pecador a partir do momento em que ele se rende a Jesus. É verdade que ele continua ainda vivendo na carne, mas passa a viver pela fé no Filho de Deus (Gl 2:20), e “vida eterna” integra essa vivência por fé.


João se aproxima do término de sua epístola ansioso por firmar em seus leitores a consciência de que Deus os ama de tal maneira que receberam dEle a vida eterna; se eles realmente criam em Jesus, podiam estar confiantes de que haviam tomado posse desse maravilhoso dom.


Isso contém uma importante implicação para nós. “Deus quer que tenhamos a certeza da salvação.” Isso não seria por demais pretensioso? Depende de como nos relacionamos com Deus e com a salvação. No comentário acima aludido, lembramos que deveríamos cuidar com o “presunçoso sentimento de que ‘uma vez salvo, salvo para sempre!’”


Mas não podemos nos permitir ficar no outro extremo, o da dúvida e o da incerteza. Se ainda não estamos certos de nossa salvação é porque alguma coisa não vai bem em nossa vida espiritual, e quanto mais cedo o impasse for resolvido melhor será.


Não podemos esquecer que tomamos posse da vida eterna como resultado do perdão divino. Agora, a certeza do perdão não se fundamenta nos sentimentos, mas na fé. Tomamos Deus em Sua Palavra. Ele prometeu perdoar, então, simplesmente creremos que Ele o fez; descansaremos nessa certeza. Não esperaremos outra evidência palpável; simplesmente assumiremos nossa condição de perdoados, e essa assunção nos levará a viver a qualidade de vida identificada como “vida eterna”. Creio que isso é o que significa “tomar posse da vida eterna”, e era o que João desejava para seus leitores.


Portanto, como fruto da fé, a segurança da salvação é uma ditosa experiência. Ela nos fortalece na certeza do amor de Deus, infunde ânimo e coragem nos momentos difíceis e nos impulsiona para a frente na caminhada cristã. Se pela fé depositei aos pés de Jesus meu fardo de dúvidas e ansiedades, por que ainda hei de carregá-lo? É como diz aquele notável hino: “Que segurança! Sou de Jesus! Eu já desfruto o gozo da luz! Sei que herdeiro sou de meu Deus; Ele me leva à glória dos Céus!”


“Como podemos evitar que essa certeza se torne presunção?”, e nos leva a três textos bíblicos (um deles joanino) próprios para essa questão; além disso, é inserido um bom comentário a respeito. Apenas acrescento que, Se aceitei Jesus como meu Salvador pessoal e a Ele rendi a minha vida, por que deveria duvidar que Ele me salvou? Agora, esta aceitação e esta rendição devem se repetir a cada dia, no decorrer da vida, e isto caracterizará meu preparo para o Céu, ao tempo em que estarei resguardado de qualquer ideia presunçosa.


De acordo com Sua vontade (1Jo 5:14-17)


Este assunto toca um ponto muito sensível: a vontade de Deus e a nossa. Nem sempre o que queremos corresponde ao que Deus quer, e vice-versa. Mas podemos ter certeza de uma coisa: aquilo que Deus quer pode não ser aquilo que queremos, mas é sempre o que precisamos.


Com as palavras do v. 14, João deseja salientar a importância de nos harmonizar com a vontade de Deus, inclusive em nossas preces. É por isso que ele diz que Deus ouve quando Lhe pedimos “alguma coisa segundo a Sua vontade”. Talvez, o melhor sentido de “ouvir”, nesse texto, seja “atender”, pois Deus em momento algum deixa de ouvir; Ele jamais seria um Deus desatento. Mesmo quando não pedimos segundo Sua vontade, Ele ouve, e, em geral, não atende, tal como um pai ouve o pedido do filho de apenas 4 anos que lhe deixe brincar com uma navalha, o que, naturalmente, contraria a sua vontade. Ele ouve, mas responde “não!” por amor ao próprio filho.


Deus, todavia, às vezes atende a um pedido que não se harmoniza com Sua vontade. Possivelmente, a cura do rei Ezequias possa ser mencionada como um exemplo desse fato (veja Is 38:1-5). Quando Ele o faz, entretanto, é para nos ensinar uma lição. O mínimo que se deve aprender é que não compensa um pedido atendido que não corresponda à vontade divina. Deus está pronto a atender tudo o que for para nosso bem, da mesma forma que, quando não nos atende, também é para nosso bem (ver Rm 8:28).


Entretanto, quando pedimos algo de acordo com a vontade de Deus, Ele atende, e em muitos casos, de imediato. Dois exemplos: perdão por pecados cometidos, e que nos faça Seus filhos por crermos em Jesus. Mas, às vezes, algo da vontade de Deus é solicitado por nós para não ser atendido nem imediata nem posteriormente. Por exemplo, posso pensar em determinado amigo que ainda é incrédulo e então, peço que Deus o convença do pecado e o leve à conversão. Ora, isso é de Sua vontade, pois Ele não quer que ninguém pereça (2Pe 3:9); mas a conversão solicitada poderá se tornar realidade somente depois de um bom tempo em que esse amigo seja evangelizado; ou pode não ocorrer, pois Deus respeita a decisão individual, oriunda do livre-arbítrio que Ele mesmo implantou no homem. O mais importante, então, é que qualquer pedido a Ele feito seja submetido à Sua vontade, como Jesus fez no Getsêmani.


O conteúdo dos versos 16 e 17 é de difícil compreensão, principalmente a parte final do v. 16: “Há pecado para a morte, e por esse não digo que rogue”.


Os que admitem a ideia de pecado mortal e pecado venial fundamentam-na nesses dois versos. Mas essa ideia é incorreta, pois a morte é o salário de todo pecado (Rm 6:23). Este só não resulta em morte eterna quando perdoado, e o único que está além da possibilidade de perdão é o pecado contra o Espírito Santo (Mc 3:29); assim, o pecado “não para a morte” (v. 17), é aquele passível de perdão. Mas, para alguns, esta explicação não é válida.


Outra possível solução se encontra no fato de que o termo grego vertido para rogue, no fim do verso 16, tem dois sentidos principais. O termo é erōtesē, aoristo subjuntivo de erōtaō, perguntar, interrogar, inquirir acerca de, etc. (primeiro sentido), e requerer, rogar, pedir, etc. (segundo sentido). É interessante notar que o apóstolo usou um verbo diferente na primeira parte do texto, quando ele recomendou pedir por alguém que viesse a cometer pecado não para a morte: aiteō, que tem mais o sentido de rogar, pedir, requerer, demandar, desejar, etc. Se ele queria simplesmente dizer que não se rogasse por alguém que tivesse cometido “pecado para a morte”, por que não empregou o mesmo verbo com uma negativa?


Na opinião de alguns estudiosos, isso nos autorizaria a crer que o apóstolo, na última parte do verso, exortou sua comunidade a não bisbilhotar, nem inquirir acerca de alguém que praticasse aquela qualidade de pecado. Assim se evitaria qualquer ensejo para maledicência, intriga, e coisas do tipo, o que estaria em perfeita consonância com suas prévias recomendações sobre o amor fraternal.


Seja como for, creio que o mais importante do texto são as lições que podemos daí auferir. Noto pelo menos duas:


1) João continua se referindo ao ato de orar, agora em vista do pecado de um irmão (v. 16). Em outras palavras, antes ele falou da oração peticionária (feita em favor de quem ora); a seguir fala da oração intercessora.


Não é verdade que é mais fácil, diante do pecado alheio, uma atitude de bisbilhotice, de acusação e condenação, até um sentimento de mórbida satisfação diante do erro de alguém? (Lembramos aqueles fariseus quando levaram perante Jesus a mulher flagrada em adultério). Não deveríamos, antes, lamentar o ocorrido e orar pela pessoa em falta?


2) Como constatar quais pecados não são para a morte e quais são? Isso é algo que apenas Deus sabe. Então, prefiro ver que aqui João insiste para que seus leitores, principalmente em assuntos assim delicados, submetam plenamente seus pedidos à vontade de Deus. Em outras palavras, a validade de nossas orações se efetiva ao reconhecermos que a vontade de Deus é soberana, e a ela nos condicionarmos, pois só Ele conhece todas as coisas e sabe o que é melhor.


Confiança de proteção (1Jo 5:18, 19)


Quase encerrando a epístola, João faz uma admoestação final quanto ao pecado, enquanto assegura aos crentes que Deus providenciou, pelo plano da redenção, os recursos para o triunfo (não é por acaso que ele abre esse assunto logo depois de falar da oração; ela é um dos mais eficientes recursos para a vitória).


Até esse ponto, na epístola, a encarnação continua sendo o motivo condutor da vida cristã vitoriosa. Mas então, o escritor realça a importância desse fato dizendo que a encarnação precisa ocorrer espiritualmente em nós, da mesma forma que o todo da vida de Jesus, Sua morte e ressurreição.


E como Deus repete a encarnação de Jesus naquele que O aceita como Salvador e Senhor? Através do novo nascimento. É por isso que João menciona, no v. 18, “aquele que é nascido de Deus” (o crente) em paralelo com “Aquele que nasceu de Deus” (Cristo). O novo nascimento é da mesma natureza do nascimento de Jesus.


É verdade que o nascimento deste, contrariando o conceito dos dissidentes gnósticos, foi “em carne” (caso contrário, não seria encarnação), e o novo nascimento é o nascimento do ou pelo Espírito ― “o que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3:6). De fato Jesus nasceu na carne; mas Ele não nasceu da carne. Ele foi gerado “pelo Espírito Santo” e “do Espírito Santo” (Mt 1:18, 20) para viver na carne a vida do Espírito. Assim, igualmente o novo nascimento é pelo Espírito e do Espírito, para o novo-nascido viver na carne a vida do Filho de Deus (Gl 2:20); aliás, o Espírito Santo não gera outra qualidade de vida que não a da vida de Jesus.


A implicação de toda essa gloriosa experiência é que, aquele que nasceu de Deus pode ser um vitorioso, permitindo que o Espírito desenvolva nele a vida daquele que jamais conheceu uma derrota. Em outras palavras, que ele permita que o Espírito o conduza em todo o processo da santificação até que reflita plenamente a imagem de Jesus (veja 2Co 3:18). Para tanto, é-nos dito que aqueles que nasceram de novo foram libertos da escravidão do pecado e, para não persistirem nele (Rm 6:1, 2), agraciados com o poder do Espírito Santo (Rm 6:14, 8:1, 2).


É fácil a tarefa? Claro que não, pois temos que batalhar contra “principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra forças espirituais do mal” (Ef 6:12), e contra nossa natureza pecaminosa (1Co 9:25-27); isso, naturalmente, requer nosso empenho total, conjugado ao poder do Espírito operando em nós e por nós. Dessa forma se cumpre a maravilhosa promessa da parte final do verso 18: “...o maligno não lhe toca”, uma declaração da vitória que aguarda todo seguidor de Cristo; afinal, o maligno é um inimigo já derrotado.


É verdade também que o crente enfrenta “os dominadores deste mundo tenebroso”, tenebroso porque todo ele “jaz no maligno” (1Jo 5:19). Mas isso, igualmente, não é problema sem solução; o grande Vitorioso afirmou: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; Eu venci o mundo” (Jo 16:33).


Tendo verdadeiro conhecimento da Divindade (1Jo 5:20, 21)


Em suas palavras de encerramento, João nos brinda com uma das passagens mais significativas sobre a divindade e humanidade de Jesus; seu propósito, naturalmente, ainda é contestar o engano gnosticista. “Também sabemos que o Filho de Deus é vindo, e nos tem dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em Seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (v. 20).


O escritor foi suficientemente hábil em associar dois temas bíblicos fundamentais: cristologia (a doutrina da pessoa de Cristo) e soteriologia (a doutrina da salvação). Jesus pode salvar em virtude do que Ele é e daquilo que fez e faz. Por esta razão, os dissidentes estavam literalmente perdidos, pois distorciam a realidade da pessoa e obra de Cristo.


Os comentaristas se dividem quanto a quem é mencionado como “verdadeiro Deus” na parte final do verso: “pode se referir a Deus o Pai, ou a Jesus, ou a ambos.” Prefiro ver uma declaração explícita da plena divindade de Jesus pelas seguintes seis razões:


1. Uma interpretação natural desta passagem requer que Jesus seja aqui o “verdadeiro Deus”, desde que, gramaticalmente, “este” aponta para o antecedente mais próximo.

2. A referência ao Pai aqui seria tautológica, isto é, uma repetição sem sentido. O Pai é mencionado previamente duas vezes como “o verdadeiro.” Não é próprio dizer “o verdadeiro” é “o verdadeiro Deus”, ou “o verdadeiro Deus” é “o verdadeiro”. Isso seria meramente redundante. É muito mais lógico entender que o escritor acrescenta aqui outro item, indispensável à sua maneira de raciocinar.

3. Embora o Pai seja chamado “o único Deus verdadeiro” em João 17:3, não é de surpreender que Jesus seja aqui referido como Deus, já que nos escritos joaninos Ele é explicitamente assim considerado (veja Jo 1:1; 20:28). Ademais, Jesus é apresentado como a personificação da verdade em João 14:6. É difícil entender por que Ele não poderia ser aqui designado como o “verdadeiro Deus”.

4. O predicado identificativo de “este” é duplo: “o verdadeiro Deus” e “a vida eterna”. Em João, esta construção corresponde melhor a Jesus que a Deus. Embora o Pai tenha “vida em Si mesmo” (Jo 5:26), “vida” é um predicado associado mais ao Filho (11:25; 14:6; 1:4). Foi declarado, poucos versos antes de 1 João 5:20, que “aquele que tem o Filho tem a vida”, e que “aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida” (v. 12); no prólogo desta epístola, o escritor identifica Jesus como o “Verbo da vida” (1:1), acrescentando que “a vida eterna, a qual estava com o Pai”, foi-nos “manifestada” (v. 2; veja também Jo 1:1, 2, 14). Jesus é, assim, identificado com “a vida eterna” no princípio e fim da epístola, o que nos leva à razão seguinte; e, se em 5:20, Ele é “a vida eterna”, então é também “o verdadeiro Deus”.

5. A referência a Jesus aqui está mais em harmonia com a estrutura joanina da epístola. Edward Malatesta vê em 5:20 “a mais profunda declaração cristológica do autor” (Interiority and Covenant, p. 322), a qual, embora não tão explicitamente, ele tinha já enunciado em seu prólogo (1:1-4). Deve-se notar que o prólogo conclui com uma referência à “comunhão com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo” (v. 3), a qual está implícita em 5:20. É notável o paralelo com o Evangelho, onde é óbvio que as mais importantes declarações sobre Jesus estão também colocadas no início e no fim. Este paralelo demonstra quão importante era, para o pensamento joanino, a confissão de Jesus como Deus, não de forma meramente abstrata, mas concreta. Crer que Jesus é Deus é condição para que se obtenha a vida eterna.

6. Finalmente, a referência a Jesus é mais coerente com o contexto e o argumento desenvolvido em 5:20: “estamos no [Deus] verdadeiro” por estarmos “em Seu Filho Jesus Cristo.” Por que é isto possível? Porque Jesus “é o verdadeiro Deus e a vida eterna.” É precisamente porque o Filho é o verdadeiro Deus que a pessoa que está nEle está igualmente no Pai. Com efeito, Jesus deixou isso bem claro ao afirmar: “...ninguém vem ao Pai senão por Mim” (Jo 14:6).


A advertência “guardai-vos dos ídolos” tem sua razão de ser no próprio fato de que um ídolo se torna um substituto de Cristo, o único meio para o conhecimento de Deus e para a vida eterna. É por isto que um ídolo é tão abominável para Deus. “A quem Me comparareis para que Eu lhe seja igual?... Eu sou Deus e não há outro; Eu sou Deus e não há outro semelhante a Mim” (Is 46:5, 9). Cristo, todavia, pode reiterar igualdade com Deus, pois Ele disse: “Quem Me vê a Mim vê o Pai” (Jo 14:9).


“Idolos,” portanto, no contexto de 1 João, que não registra qualquer prévia referência ao perigo da idolatria, devem ser considerados como as falsas ideias sobre o Pai e o Filho, ligadas ao pernicioso gnosticismo que naquele tempo pressionava os crentes, como já visto, a se desviarem da verdadeira fé. Embora tais ideias fossem apresentadas por mestres que se intitulavam cristãos, que pretendiam ensinar conceitos cristãos sobre Deus, eram, tais mestres, de fato anticristãos no comportamento e no ensino, pois negavam a plena revelação de Deus em Cristo. Esta advertência, válida para a igreja no fim do primeiro século, é igualmente importantíssima para nós hoje.


Autor: José Carlos Ramos – D. Min





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