domingo, 27 de setembro de 2009

Uma nova ordem para um povo que foi escravo




Parte introdutória às 13 Lições do livro de Números (Bíblia)


Muitos se perguntam por que o livro de Números pertence ao cânon bíblico e que lições espirituais se poderiam tirar dos relatos da longa caminhada pelo deserto (o título do livro em hebraico é bemidbar, literalmente, “no deserto”), das ordens divinas para se contar o povo, de como este devia se acampar, dos deveres e ofícios dos levitas, etc. A resposta é encontrada em Romanos 15:4: “Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança”, e em 1 Coríntios 10:11: “Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado.”


Na verdade este livro do Pentateuco encerra preciosas lições. Só para citar algumas: Deus aprecia a ordem e a organização; Ele separa pessoas para o ministério (caso dos levitas e todo o ritual do santuário), deseja habitar com Seu povo (fato exemplificado pela coluna de nuvem, de dia, e de fogo, durante a noite), espera que os líderes não façam tudo sozinhos, mas que deleguem tarefas a outros (como quando Deus designou 70 anciãos para ajudarem Moisés), repudia o preconceito (ao punir com lepra Miriã, por falar mal da esposa de Moisés), permite que o pecador colha os resultados de sua conduta incrédula (como aconteceu à geração daqueles que saíram do Egito, que não entrou em Canaã), etc.


Com essas considerações em mente, tomemos tempo, cada dia, para meditar nas mensagens divinas contidas em Números, tão atuais quanto o foram para os israelitas em sua caminhada rumo à Canaã terrestre – símbolo de nossa caminhada rumo à Canaã celestial.


Desígnio e ordem no mundo natural são reais e representam a mão de nosso Criador. Mas a ordem de Deus não é demonstrada apenas pela natureza. Também pode ser vista no trato com Seu povo da aliança, os israelitas, mesmo enquanto vagavam pelo deserto.


Nesta semana, vamos estudar melhor como Deus organizou Seu povo para seu sagrado chamado e vamos tirar algumas lições para nós em nossos dias.


I.Organizando o exército


Pode parecer estranho a nós hoje que o livro de Números comece com a ordem divina para que Moisés fizesse o censo de todos os homens, de vinte anos para cima, “capazes de sair à guerra” (Nm 1:3). Mas, sendo Deus amor (1Jo 4:8), por que essa Sua ordem para organizar um exército? Devemos nos lembrar de que Israel era uma teocracia, ou seja, nação dirigida por Deus para o cumprimento de Seus planos.


De fato, Deus havia suportado longamente os cananeus em sua impiedade cada vez mais crescente. Havia enviado a luz da verdade a eles, através dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó. Além disso, concedeu-lhes alguns séculos a mais de graça, enquanto os israelitas moravam no Egito. Mas nada disso adiantou. Cada geração procedia pior do que a anterior. Sendo assim, uma vez que a misericórdia divina fora sistematicamente rejeitada, deveria entrar em ação Sua justiça, ministrada a esses ímpios através do exército israelita. Mas, como Deus não usa de dois pesos e duas medidas, ao longo da história de Israel, Ele usou exércitos estrangeiros (como os da Assíria e Babilônia) para castigar Seu povo.


II.A presença do Senhor


Deus havia dito a Moisés que era Seu desejo “habitar no meio” de Seu povo (Êx 25:8). E como representação visível dessa presença, ordenou a construção do Santuário.


Cada vez que um israelita avistava o Santuário, lembrava-se de que Deus estava com eles. Isso lhe dava segurança e a certeza de que, com Deus habitando com Seu povo, ninguém o poderia vencer. Mas era também lembrado que devia proceder retamente, visto que o Deus Santo não tolera o pecado.


Mas, para que não perdessem de vista a santidade de Deus e se esquecessem de sua pecaminosidade e carência, foi-lhes dito que acampassem a certa distância do Santuário. Somente os levitas poderiam chegar perto, ministrar no Santuário, armá-lo, desarmá-lo e transportá-lo. Aqui está uma lição valiosa: Deus é tanto imanente (proximidade), quanto transcendente (distância). Ele está bem perto do “contrito e abatido de espírito”, mas também é “o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo” (Is 57:15). Isso indica que podemos nos achegar “confiadamente” junto ao Seu trono de graça (Hb 4:16), mas com o devido respeito que Ele merece de Suas finitas criaturas (Ap 14:7).


III.Debaixo dos estandartes


O acampamento hebreu era separado em quatro grandes divisões, cada qual com sua posição designada no acampamento, com base nas famílias e nos laços tribais. Tendo como ponto de referência o Santuário, a leste (“puxando a fila”) se acampava e marchava o arraial de Judá (tribos de Judá, Issacar e Zebulom), ao sul, o arraial de Rúben (Rúben, Simeão e Gade), a oeste, o arraial de Efraim (Efraim, Manasses e Benjamim), e por último o arraial de Dã (Dã, Aser e Naftali).


O primeiro arraial a marchar era o de Judá, com o exército mais numeroso (186.400 guerreiros) e o último, como retaguarda, era o de Dã (o segundo exército mais numeroso, com 157.600 guerreiros). Os arraiais com menor número de guerreiros (o de Rúben, com 151.450 guerreiros, e o de Efraim, com 108.100) marchavam em segundo e terceiro lugar, respectivamente, ou seja, entre o arraial de Judá e o de Dã. Já os levitas, transportando o Santuário, marchavam bem no meio de todos esses arraiais. Ou seja, depois que os arraiais de Judá e o de Rúben partiam, e antes da partida dos arraiais de Efraim e de Dã.


O que aprendemos desse sistema tão bem organizado? É que em nossa vida pessoal, bem como na igreja, tudo deve ser feito “com decência e ordem”. Diz-nos Ellen G. White: “É perfeita a ordem no Céu, assim como a obediência, a paz e a harmonia. Os que não têm tido nenhum respeito pela ordem e a disciplina nesta vida não respeitarão a ordem observada no Céu. Não poderão ser ali admitidos; pois todos quantos houverem de ter entrada no Céu amarão a ordem e respeitarão a disciplina” (Conselhos Sobre Educação, p. 43).


IV.Chamado para o ministério


Em memória da libertação da escravidão egípcia, a morte dos primogênitos egípcios e da libertação dos seus próprios filhos sob o sinal do sangue, Deus pediu que os primogênitos de Israel fossem dedicados a Ele (Êx 13:2, 12-15). Mais tarde, no monte Sinai, o Senhor fez uma permuta com os primogênitos de todos os israelitas. Em lugar deles, Ele tomaria os levitas (Nm 3:12, 13). O Senhor dedicou os levitas da família de Arão para serem sacerdotes; os levitas das outras famílias deveriam ajudar na adoração de Deus e no cuidado do tabernáculo. De certo modo, eles foram chamados para o ministério da igreja no deserto.


Ao chegarem à Terra Prometida, os levitas continuaram ligados ao santuário em diversas tarefas (1Cr 23:27-32). Espalhados por todas as tribos, alguns se tornaram levitas instrutores (2Cr 17:7–9); outros se tornaram juízes (2Cr 19:8-11), instruindo o povo nos caminhos de Deus.


Essa escolha divina dos levitas nos deixa maravilhados com a transformação que Deus pode operar na vida das pessoas. Lembre-se de que, junto com seu irmão Simeão, Levi massacrou todos os homens (recém circuncidados) de Siquém, pelo estupro sofrido por sua irmã Diná (cap. 34 de Gênesis). Se Deus pôde transformar Levi e usá-lo em Sua causa, há esperança para cada um de nós, quanto aos nossos defeitos de caráter.


V.Protegendo o que é sagrado


Dentre os levitas, Deus escolheu a família de Arão para atuar como sacerdotes. Assim, Moisés consagrou Arão como sumo sacerdote e seus quatro filhos – Nadabe, Abiú, Eleazar e Itamar – como sacerdotes assistentes. Eles, juntamente com as outras famílias levíticas, deviam trabalhar para preservar e proteger a santidade do sistema de adoração em Israel.


Os sacerdotes eram os mediadores entre um Deus santo e o povo caído. Evidentemente, em seus papéis, eles também eram símbolos de Jesus, nosso verdadeiro Sumo Sacerdote no santuário celestial (Hb 8).


Mas algo estranho aconteceu. Dois sacerdotes, Nadabe e Abiú, filhos de Arão, “morreram perante o Senhor, quando ofereciam fogo estranho” (Nm 3:4). Ou seja, queimaram o incenso com fogo comum, trazido de casa. O que havia dado errado? O fogo que trouxeram de casa não era fogo do mesmo jeito? Por que Deus agiu com tanta severidade?


O fato é que Deus havia dado orientações precisas no sentido de que o incenso fosse queimado com fogo sagrado, ateado pelo próprio Deus quando os serviços do Santuário tiveram início. E Nadabe e Abiú conheciam bem essas orientações. Mas, então, por que a transgrediram? A resposta é inferida da ordem de Deus a Arão: “Vinho ou bebida forte tu e teus filhos não bebereis quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais... para fazerdes diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo” (Lv 10:8-10). O fato é que eles haviam ingerido bebidas alcoólicas antes de oficiarem no Santuário.


Esse terrível incidente nos ensina que Deus não tolerará a transgressão aberta de Suas ordens, as quais têm de ser levadas a sério. Qualquer desvio da vontade de Deus é oferecer “fogo estranho” – seja nas áreas da música, do traje, do tipo de leitura, em relação aos programas a que assistimos na TV, os filmes que vemos, ou em qualquer outra. A pergunta que cada um deve fazer é: Estou oferecendo a Deus algum tipo de “fogo estranho”?


Autor: Ozeas Caldas Moura – ThD


Ozeas Caldas Moura é Doutor em Teologia Bíblica, na área do Antigo Testamento, pela PUC do Rio de Janeiro.


O Dr. Ozeas foi pastor por doze anos em várias igrejas do Brasil, além de ter lecionado Teologia por treze anos nos SALTs IAENE e UNASP II. Desde 2007, trabalha como editor associado na Casa Publicadora Brasileira.


É nosso desejo que seus comentários a estas duas primeiras lições (bem como os comentários dos outros comentaristas da lição deste trimestre) contribuam para um melhor entendimento deste livro de Moisés e levem a uma real apreciação da mensagem divina nele contida.






OBS. Comunicamos que esta é a primeira publicação de uma série de treze semanas sobre o pouco conhecido livro da Bíblia, que é o livro de Números. O título geral é: "O povo a caminho. O livro de Números". Esperamos que o estudo do livro de Números continue sendo uma bênção para todos, como foi o das cartas de João. Deus nos ilumine e continue conosco. Amém.



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