Nosso assunto hoje faz um repasse nos principais temas de 1º João. Reiterando realizar nova leitura desta maravilhosa epístola.
Sinta como esses temas se expandiram com as lições estudadas; sinta também quais são as implicações desses temas para a vida cristã.
A Divindade
É nos escritos joaninos que encontramos as mais conclusivas declarações que nos levam aos postulados da doutrina da Trindade. 1º João nos fala do Pai, do Filho e do Espírito Santo, com especial ênfase nos dois primeiros.
Não esqueçamos, porém, que João não estava interessado em meras abstrações sobre Deus. Seguindo o padrão de toda a Bíblia, antes de tudo, ele destaca Suas obras, e daí chega às conclusões do que Deus é. Por exemplo, ele afirma que “Deus é amor” (4:8, 16) em referência ao que Deus fez e faz pelo ser humano perdido no pecado. Ele também afirma que “Deus é luz” (1:5) mostrando que nEle não há qualquer compatibilidade com o pecado. Assim, os atos de Deus são predominantes em 1º João.
Estes atos devem ser vistos particularmente em Jesus e na redenção por Ele provida, naturalmente com todas as implicações daí oriundas. Sua morte derrotou o diabo e o pecado, e supriu o meio para o perdão, a purificação, a regeneração e a redenção do pecador contrito. A presente intercessão de Jesus ao lado do Pai garante todas as bênçãos, e Sua segunda vinda consumará a salvação. Não é por acaso que uma correta compreensão de Deus é exclusivamente dependente da revelação dEle feita em Jesus.
Portanto, todas essas bênçãos, bem como qualquer outra, são generosamente concedidas primeiramente em virtude da natureza de Deus. Aquilo que Ele é O leva a agir da forma como o faz. Por exemplo: é-nos dito em 1º João 2:12 que somos perdoados “por causa do Seu nome”. Nome equivale a caráter, e caráter é a essência daquilo que a pessoa é. Isso levanta diante de nós uma decisiva questão: que conceito de Deus acalentamos? Cremos em todas as Suas promessas? Valorizamos o que Ele requer de nós? “Toda a nossa vida espiritual será moldada pelas nossas concepções do caráter de Deus” (Ellen G. White, Review and Herald, 5 de abril de 1887).
A Igreja
O termo “igreja” não foi empregado por João, nem no Evangelho, nem na primeira e segunda epístolas, e não precisamos especular por quê. Alguns imaginam que o termo, no fim do primeiro século, já estava ganhando um sentido deturpado, algo que veio a ficar plenamente manifesto mais tarde com a institucionalização e secularização do cristianismo. Nesse caso, por que o escritor o empregou em 3 João e no Apocalipse, escritos mais ou menos na mesma ocasião? Seja como for, o que importa é que João desenvolve um conceito muito sugestivo de igreja, e isso em todos os seus escritos. No evangelho, ela é o rebanho de Deus, sendo Jesus o bom Pastor, e cada um de Seus seguidores uma ovelha; nas Epístolas a igreja é Sua família, tendo Deus como Pai, Jesus, por implicação, o Irmão mais velho, e os membros, Seus filhos; finalmente, no Apocalipse, a igreja, inicialmente militante,e depois triunfante, é a mulher pura e gloriosa, a esposa do Cordeiro.
Sob a figura de uma família, a igreja pode considerar seu líder uma espécie de pai, e os membros, seus filhinhos (é com este tratamento que João se dirige àqueles sob sua responsabilidade). Este seria um contexto muito próprio para o cultivo do amor fraternal (um dos temas preferidos do escritor), a afeição de uns com os outros, e do amor irrestrito a Deus. É assim que eles vivem a dimensão horizontal e vertical da igreja. Como alguém afirmou, o pior representante de Cristo é um cristão sem amor.
Por outro lado, as boas qualidades observáveis numa família precisam ser também notadas na igreja: em primeiríssimo lugar, agora mesmo considerado, o amor recíproco, que suprirá o espírito de concórdia, de união, de dependência mútua, de interação, de solidariedade, de intercessão, etc. Assim é numa família feliz, assim será na igreja.
Há um paralelo de conceitos entre o quarto Evangelho e as epístolas, face ao que João elabora, em ambos, sobre a igreja. Para começar, no Evangelho, os componentes da igreja são chamados, em relação a Jesus, de “os Seus” (Jo 13:1), expressão equivalente aos “familiares mais íntimos”, como quando alguém pergunta: “vão bem os seus?” Há também que se notar que Deus é tanto o Pai de Jesus como o Pai dos discípulos (20:17), em que pese a distinção da filiação divina dEle e a da deles, como se pode sentir na forma como Jesus Se expressou: “Subo para Meu Pai e vosso Pai”, e não, “para o nosso Pai”.
Por outro lado, a figura do pastor com seu rebanho lembra um relacionamento de família, pois, nos tempos bíblicos, o pastor praticamente deixava o convívio do próprio lar para viver com as ovelhas, formando uma unidade com elas. Assim, Jesus Se tornou um conosco para sempre, ao vir a este mundo e se tornar o “Supremo Pastor” (1Pe 5:4).
Salvação
Salvação é o tema central de todo o Novo Testamento, se não de toda a Bíblia, e, nos escritos joaninos, ele foi elaborado com o máximo do carinho que um apóstolo pleno do amor de Deus poderia oferecer. Não é por mero acaso que João 3:16 é considerado o verso áureo de toda a Bíblia. E poderíamos dizer que as palavras de João 20:31 podem ser aplicadas aos escritos joaninos em sua totalidade: “Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em Seu nome.”
Claro que aqui o apóstolo estava falando de tudo o que havia narrado em seu Evangelho; mas o mesmo é verdade quanto a tudo o mais que ele escreveu. Mesmo as sérias advertências registradas em suas epístolas sempre tiveram esse propósito; em 1 e 2 João com respeito aos dissidentes, e em 3 João face ao comportamento ambicioso e arbitrário de Diótrefes no exercício da liderança, o que motivou o apóstolo a agir com rigor (v. 9, 10). Ele sabia que aqueles sob seus cuidados estariam colocando em risco a salvação caso viessem a dar guarida ao falso ensino e apoiar o mau procedimento.
Em 1º João, “a cruz não é mencionada diretamente”; aliás, João empregou o termo apenas em seu Evangelho, e a forma verbal crucificar apenas no Apocalipse (uma vez) além do Evangelho. Mas a cruz está no centro de todos os escritos joaninos; em 1º João, ela está implícita nas três referências ao ato de Deus enviar Seu Filho (4:9, 10, 14), e explícita no ato do Filho sacrificar Sua vida (3:16), bem como nas referências ao sangue de Jesus (1:7; 5:6, 8).
João é taxativo em registrar, nas três referências, o propósito do envio de Jesus a este mundo ― salvar:
4:9 – “...para vivermos por meio dEle”
4:10 – “como propiciação pelos nossos pecados”
4:14 – “como Salvador do mundo”
Isto deve ser visto como um desdobramento do grande propósito, de ter Jesus sido enviado, segundo o maior texto salvífico das Escrituras, João 3:16: “...para que todo aquele que nEle crê, não pereça mas tenha a vida eterna."
O escritor não poderia ser mais claro quanto à base sobre a qual o plano da redenção foi alicerçado. Deus fez tudo o que era necessário para que o pecador fosse salvo, não poupando nem Seu próprio Filho (veja Rm 8:32). E se Deus, movido por Seu amor, foi a esse extremo, deve ficar bem claro para nós que não há outro meio de salvação (veja At 4:12).
Mas, por mais que a salvação seja uma exclusividade de Deus; por mais que Ele tenha pago plenamente o preço requerido, ela só se efetiva no pecador que responde positivamente ao que Deus fez. Em outras palavras, temos que aceitar a salvação e receber “a abundância da graça e o dom da justiça” (Rm 5:17). De fato, a salvação só é possível pela graça, só é exequível pelo sangue derramado, mas só é alcançada por essa qualidade de resposta. “O primeiro passo rumo da salvação é corresponder à atração do amor de Cristo” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 323).
E quando respondemos positivamente ao amor de Deus, ocorre uma transformação de vida, confirmada pelo comportamento cristão, que é o próximo assunto.
Comportamento cristão
Fazer profissão de fé é importante? Por certo que sim! Se devemos testemunhar de Cristo, e esta é a missão de toda a igreja, torna-se necessário que aquilo que professamos ou pensamos seja do conhecimento de terceiros. Muito mais importante, porém, é assumir o que professamos e viver uma vida condizente. Se creio que Jesus vai voltar, não posso viver como se isso nunca fosse acontecer. Se professo guardar o sábado, não devo ser leviano quanto ao que o quarto mandamento requer. Não podemos ser como aquele cidadão que, enquanto ia caminhando, assoviava o hino 445 de nosso hinário: “as riquezas mundanas nada valem pra mim...” O problema é que ele assoviava andando em direção à Casa Lotérica para comprar um bilhete, fazendo uma fezinha no grande prêmio que estava acumulado em vários milhões. A incoerência não é de Deus.
Em assunto de profissão de fé, a crença é prioritária porque dita o comportamento. João entendeu “que a teologia condiciona a ética e que uma teologia errônea pode levar a atos errados.” Daí todo o seu empenho em combater a dissidência que, em seu tempo, se alastrava pela igreja. E ele não somente a combateu; ele tomou a qualidade de vida dos dissidentes como prova do engano.
Religião e revelação caminham lado a lado: a primeira decorrendo da segunda; em religião, a maneira como o homem se coloca diante de Deus pressupõe a maneira como, em revelação, Deus, previamente, Se colocou diante do homem. Isto significa que a revelação divina, distorcida pelo homem, acarretará uma resposta humana consoante com tal distorção e, consequentemente, será imprópria do ponto de vista de Deus, pois “uma compreensão errada... da lei e da graça levou milhões sem conta a pisotear o sábado de Deus.” Levou também para o outro extremo, o da justificação pelas obras.
O ponto crucial em qualquer abordagem sobre religião, portanto, é a resposta humana, a qual, normalmente, mostra se a revelação é exata ou não, e caracteriza a religião como autêntica ou falsa. O grande teólogo Karl Barth toca esse ponto quando afirma que a religião falsa não revela Deus absolutamente, mas distorce a revelação com uma ideia arbitrária sobre Deus. Ele também diz que a conduta humana vindica a religião como verdadeira ou falsa (Church Dogmatics, 1.2, veja p. 301-310, 331-338).
À primeira vista, parece que a afirmação de Barth não corresponde inteiramente à realidade. Afinal, uma pessoa pode pautar a vida por um procedimento exemplar e ainda reter um entendimento de Deus e de Sua vontade não totalmente apropriados. Mas esse “procedimento exemplar” não excederá o tanto de conhecimento correto que ela possui, pois não é possível a alguém viver uma verdade que não conhece. O mais triste, todavia, é quando se tem um conhecimento maior da verdade e não se vive ao nível desse conhecimento. Deus tem mais em estima o pagão vivendo a pouca luz por ele adquirida, do que o cristão que professa muito e vive pouco do que professa (veja Rm 2:11-16).
E não esqueçamos que o que professamos como adventistas do sétimo dia tem que ver com o que somos e com o que fazemos; envolve todo tipo de relacionamento e de costume (minha vida em família, meus negócios, a maneira como me trajo, o ambiente que frequento, as pessoas com quem me associo, etc., e até o que como e o que bebo). No contexto da primeira epístola, um correto comportamento requer que os cristãos “não mintam, não pequem, não odeiem seus irmãos e irmãs, não amem o mundo com suas atrações e orgulho, e não pratiquem a iniquidade.” Enfim, “andar e viver de maneira semelhante à vida de Jesus (1Jo 2:6).”
É praticamente impossível exagerar a importância de um bom testemunho. Que impressão quanto às minhas convicções dou àqueles que me observam?
Verdade e mentiras
Este tema é, no mínimo, curioso: “Verdade [singular] e mentiras [plural]”. É possível ver enfatizada a ideia de que a verdade seja uma só enquanto as mentiras podem ser várias. Tome-se o exemplo dos dissidentes gnósticos, combatidos por João, e como eles se colocavam entre diferentes posições.
Verdade e mentira! Bem, aqui temos um dos dualismos empregados por João em sua primeira epístola para realçar as coisas de Deus em contraste com as do pecado. Outros são: bem e mal, luz e trevas, e vida e morte. Estes dualismos demonstram a atitude controvertida e contraditória dos seres humanos para com Jesus. Quem O rejeita se posiciona ao lado do mal, permanece em trevas, vive a mentira e está morto. Quem O recebe se define no bem, anda na luz, exalta a verdade e vive a vida eterna.
Para um mundo em que o relativismo está em alta, um mundo em que é proibido proibir, Deus não tem mais nem menos verdade, ou meia verdade. A verdade é, antes de tudo, Alguém, ou algo que revela esse Alguém: Jesus é a verdade (Jo 14:6), o Espírito Santo é a verdade (1Jo 5:6), a Palavra de Deus é a verdade (Jo 17:17), e Sua lei é a verdade (Sl 119:142, 151); enfim, o Deus verdadeiro é o Deus da verdade (Sl 31:5), e Sua igreja, “coluna e baluarte da verdade” (1Tm 3:15). Por isso, a verdade de Deus é soberana e absoluta. Quanto a isso, não há, para Ele, meio termo. Ou é ou não é. “Seja a tua palavra ‘sim, sim’; ‘não, não’. O que passa disso é de procedência maligna” (Mt 5:37). Se é de procedência maligna, Deus não tem parte nisso. Portanto, Ele é o primeiro a cumprir a atitude que requer do ser humano.
É por isso que João, com o mesmo ardor com que aclama a verdade, contesta o erro, a mentira. Segundo ele, “mentirosa é a pessoa que faz afirmações não confirmadas pelos fatos, que confessa amar a Deus e não guarda os mandamentos e que nega que Jesus seja o Cristo. Em contraste, os cristãos sinceros conhecem a verdade, amam a verdade e pertencem à verdade.”
O relativismo está errado porque ele considera o ser humano, por si mesmo, como soberano para decidir “o que é verdade e o que é erro, o que é bom e o que é mau, o que é moral e o que é imoral... Não existe padrão absoluto de verdade, bondade ou moralidade... Temos que chegar a essas coisas por nós mesmos – fazendo o melhor que pudermos de acordo com nossa própria cultura, comunidade e tradições.” Num contexto ético/filosófico, o relativismo é fruto do situacionismo (ou seria este fruto daquele): a atitude certa é aquela que a situação determina. Se você se encontra em meio a pessoas que guardam exclusivamente o sábado, e insistem que o faça, então, por amor à harmonia, não há alternativa: você deve também guardar o sábado. Mas se você se encontra num ambiente de vida livre, então, igualmente por amor à harmonia, não deve impor princípios e normas, seja por preceito, seja pelo exemplo.
Existem verdades relativas? Existem. Por exemplo, tempo bom é, no sul do país, aquele marcado com muito sol, céu sem nuvens, etc. Mas para o agricultor do nordeste, amargando uma seca que já dura meses ou até anos, seria esse o conceito correto de tempo bom? Mas uma verdade assim relativa, não tem nada que ver com valores eternos. Ainda pergunto “como podemos aprender a distinguir entre o que deve ser absoluto e invariável e o que pode mudar e ser relativo, dependendo das circunstâncias?” Entendo que nada do que envolve a vontade revelada de Deus pode ser submetido ao relativismo; não há como negociar princípios e normas divinos!
Veja que João insistiu com o conceito da verdade junto a seus leitores. Vinte vezes empregou esse termo nas três epístolas, com as seguintes conotações:
(1) Objetivamente – equivalendo...
(1.1) à mensagem autêntica do evangelho, em contraste com distorções alardeadas por dissidentes – 1Jo 2:4, 21; 3:19; 2Jo 1, 2, 4; 3Jo 3 (segundo registro), 4;
(1.2) à obra de Deus, com a qual devemos cooperar – 3Jo 8;
(1.3) a um padrão de vida ilibada – 3Jo 12;
(1.4) à veracidade, o ato de não proferir o que é falso, mentiroso – 1Jo 1:6, 8;
(1.5) à locução de fato, em realidade, com efeito, ou aos termos verdadeiramente, realmente – 2Jo 1; 3Jo 1.
(2) Subjetivamente – significando integridade de caráter, retidão – 1Jo 3:18; 3Jo 3 (primeiro registro).
Podemos perceber que o emprego do termo verdade por João incide maiormente no sentido (1.1), a mensagem autêntica do evangelho, em contraste com o falso ensino, a mentira. É desta forma que o apóstolo insta com seus leitores para que fiquem firmes ao lado da verdade, rejeitando o engano muitas vezes divulgado de forma sedutora e deslumbrante.
Com efeito, muita coisa anunciada como nova luz não passa de velhas trevas; muita coisa, quanto à qual se diz “que é que tem...?”, violenta apenas um código: a lei de Deus. Apenas um, mas o suficiente para perpetrar o pecado e perpetuar a perdição.
Autor: José Carlos Ramos – D. Min
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