sábado, 13 de fevereiro de 2010

O fruto do Espírito Santo é fidelidade (comentário)




Se você examinar um exemplar do Novo Testamento na língua em que foi escrito originalmente, isto é, no grego, vai encontrar que a virtude seguinte mencionada como parte do fruto do Espírito é designada pela palavra pistis (Gl 5:22). Esta é uma das palavras mais importantes da teologia cristã e aparece 239 vezes nas Escrituras. É traduzida para o português como fé, em quase qualquer lugar do Novo Testamento.

O contexto em que se encontra determina seu real significado.

(1) Na grande maioria das ocorrências, se refere à confiança em Deus que conduz à salvação (ex.: Rm 3:22, 25; 1Co 13:13; Ef 2:8). (2) Mas também pode se referir às convicções intelectuais ou crenças doutrinárias (Tg 2:17), que tanto homens como demônios podem ter (Tg 2:19), mas que não resulta em salvação. 
(3) Às vezes, indica o conjunto de doutrinas ou crenças cristãs, o conteúdo da mensagem do cristianismo (At 6:7; 13:8; Gl 1:23; 3:23). (4) Pode se referir à faculdade psicológica da certeza, convicção (Hb 1:1). 
(5) Outro uso é uma referência à fidelidade, ou integridade, ou lealdade, ou confiabilidade, ou dignidade – uma qualidade que merece confiança (Mt 23:23).  

No texto que estamos considerando, Gálatas 5:22, a melhor tradução parece ser fidelidade.2 Enquanto a fé salvadora já se manifesta desde antes da experiência do novo nascimento e é requisito indispensável para que esse ocorra, o fruto do Espírito somente desponta depois dessa experiência.3

No Antigo Testamento, a ideia correspondente é expressa pela raiz ’aman', que significa: “ser leal, digno de confiança, fiel” e pode ser aplicada em relação a Deus e aos homens (Nm 12:7; 1Sm 22:14; Is 8:2; Dt 7:9).4

A fidelidade de Deus


Assim como as Escrituras declaram que Deus é santo, que Deus é amor, elas também asseveram que “Deus é fiel” (1Co 10:13; 2Co 1:18), o que indica que “Ele nunca esquece, nunca falha, nunca vacila, nunca deixa de cumprir Sua palavra. O Senhor Se mantém estritamente apegado a cada declaração de promessa ou profecia, faz valer cada compromisso de aliança ou de ameaça”.5  Como diz o texto sagrado: “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que Se arrependa. Porventura, tendo Ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?” (Nm 23:19).


Frequentemente, as Escrituras citam a fidelidade vinculada a algum outro atributo, indicando a proximidade de significado ou a harmonia que há entre eles. Destacam-se: a misericórdia (Sl 57:3), justiça (Sl 40:10), integridade (Js 24:14), benignidade (Sl 36:5), graça (Sl 40:10), verdade (Sl 40:10), bondade (Sl 61:7), benignidade (Sl 89:2), retidão (Sl 111:8).


As muitas narrativas de Sua Palavra demonstram ser Ele fiel em cumprir tanto Suas promessas como Suas ameaças; tanto em proteger das dificuldades como em castigar aqueles que se afastam de Seus caminhos. Por isso, quando Jerusalém foi destruída pelos babilônios, e os judeus foram levados cativos, o profeta Jeremias, em um de seus lamentos, reconheceu que o povo de Deus não fora inteiramente consumido por causa das misericórdias e da grande fidelidade de Deus (Lm 3:22-23). O salmista escreveu: “Bem sei, ó Senhor, que os Teus juízos são justos e que com fidelidade me afligiste” (Sl 119:75). Tratando da descendência do rei Davi, Deus declarou: “Se violarem os Meus preceitos, e não guardarem os Meus mandamentos, então, punirei com vara as suas transgressões e com açoites, a sua iniquidade. Mas jamais retirarei dele a Minha bondade, nem desmentirei a Minha fidelidade” (Sl 89:32-33). Em um momento de muita aflição, Davi orou por livramento de seus inimigos, dizendo: “Eis que Deus é o meu ajudador, o Senhor é quem me sustenta a vida. Ele retribuirá o mal aos meus opressores; por Tua fidelidade dá cabo deles” (Sl 54:4-5).


A fidelidade de Deus resulta em preciosas bênçãos para Seus filhos:


(1) Por ser Deus fiel, Ele não permite que sejamos tentados além das nossas forças. Sempre que uma tentação vier a nós, mesmo a mais difícil, haverá uma saída, um modo de escapar ileso, sem compactuar com o mal. Deus proverá livramento (1Co 10:13). Em algumas situações, será necessário fugir, como José na casa de Potifar (Gn 39:7-12), em outras, apenas aguardar a intervenção de Deus, como ocorreu com os três amigos de Daniel. Diante da estátua, do rei e dos muitos oficiais, eles simplesmente fizeram o melhor que podiam: não se curvaram em adoração e aguardaram o desenrolar dos acontecimentos, descansando em Deus (Dn 3). 


Nos exemplos acima, os filhos de Deus não pecaram. Eles venceram a tentação. No primeiro caso, José, aparentemente foi prejudicado, pois em resultado de sua obediência a Deus, ele foi lançado na prisão. Mas, depois, Deus empregou essas mesmas circunstâncias para conduzi-lo à elevada posição de governador do Egito. No segundo caso, os três hebreus foram exaltados e prosperaram. Assim, mais cedo ou mais tarde, a fidelidade de Deus é claramente percebida e a fidelidade de Seus servos claramente recompensada.


(2) Por ser Deus fiel, Ele opera em nós a santificação, preparando todo o nosso ser para a vinda de Cristo (1Ts 5:23-24). Na justificação, Deus trata com o passado de nossa vida. No momento em que, arrependido, confesso meus pecados e reclamo o sacrifício de Cristo em meu favor, Deus me perdoa, justifica, e são perdoados todos os meus pecados dali para trás. Assim, da parte de Deus, não há mais nenhuma condenação sobre mim. Fico em paz com Deus (Rm 8:1; 5:1). Contudo, por maravilhosa que seja tal experiência, não teria muito valor se parasse por aí. Por quê? Porque a vida segue e, se agora estou limpo, mas continuo sozinho na luta contra o mal, acabarei repetindo os mesmos pecados. É aqui que entra o papel da santificação, “sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12:14). Se na justificação sou completamente perdoado quanto ao meu passado, na santificação, recebo ajuda para viver o presente como Deus espera de mim.


Um erro comum é pensar que a justificação é obra de Deus e a santificação, uma obra do homem. Alguns chegam a orar: “Senhor, eu pequei, mas estou arrependido e creio em Cristo para perdão de meus pecados. Se me perdoares, prometo ser obediente”. Semelhantemente a Israel no Sinai dizem: “Tudo o que falou o Senhor faremos” (Êx 24:3). O problema é que confiam na própria capacidade para obedecer. Quem santifica? Deus ou o próprio homem? A Bíblia nos ensina que a santificação também é uma obra de Deus (Ez 20:12; 1Ts 5:23).


Tanto a justificação como a santificação são resultado da ação de Deus. De início ao fim, e em todos os seus aspectos, a salvação é uma obra de Deus. O mesmo Deus que nos perdoa é o que nos santifica. Contudo, assim como para sermos perdoados tivemos que aceitar pela fé Seu perdão, igualmente, se vamos ser ou não santificados depende de nossa atitude.


Quando alguém recebe Jesus, quando alguém crê em Seu nome, Deus o justifica e, com Seu perdão, lhe concede uma dose de Seu poder a fim de que ele viva, dali em diante, de modo obediente (Jo 1:11-12). Esse poder não brota de nosso íntimo; ele vem de fora, vem de Deus, é poder de Deus. É com ele que podemos viver no dia a dia uma vida de obediência, santidade e pureza. É este poder que nos torna vitoriosos sobre as más tendências – hereditárias e cultivadas – sobre o mundo, o diabo e suas tentações.


Ao aceitarmos Cristo, o poder de Deus que opera em nós é tão maravilhoso que nos tornamos nova criatura (2Co 5:17). Cristo passa a viver em nós (Gl 2:20) e é justamente essa presença e esse poder em nós que santifica nossos pensamentos, emoções, palavras e atos. Desse modo cessamos de viver continuamente em pecado (1Jo 3:4, 6 e 9). Esse perde seu domínio sobre nossa vida (Rm 6:14).
Isto não significa que nunca mais haveremos de pecar, mas que o pecado não mais nos domina, como antes. Tal domínio foi quebrado por Cristo. Agora, passamos a ter uma vida vitoriosa e, mesmo quando falhamos por um momento, nos voltamos imediatamente para Deus e Ele prontamente nos perdoa, nos justifica outra vez (1Jo 2:1; 1:8-9). Haverá um grande contraste com a vida anterior. E quanto maiores pecadores tenhamos sido, maior será o contraste (Ef 4:22–5:21; Cl 3:1-17; Tt 3:3-8; 2Co 5:17). Deus não nos perdoa para que continuemos na mesma vida infeliz, inútil e pecaminosa que antes levávamos, mas nos restaura, nos eleva a uma posição onde tenhamos todas as condições necessárias para viver uma vida bem-aventurada, proveitosa e santificada.


Santificação não significa apenas vencer o pecado, os vícios, os maus hábitos. Significa, também, o desenvolvimento nas virtudes cristãs ou o crescimento no fruto do Espírito. Por essa razão é chamado de fruto, porque deve haver constante crescimento. Embora, para sermos perdoados e aceitos por Deus como justos, possa levar apenas um momento, o mesmo não ocorre para sermos bondosos, benignos e fiéis. Por toda a nossa vida precisamos crescer mais e mais nessas graças, sem nunca chegar ao ponto além do qual seja impossível avançar. Mas, para tanto, precisamos nos esforçar. Isso mesmo!


O antônimo de graça não é esforço e, sim, merecimento. Sem esforço de nossa parte, com a força que vem de Deus, não vamos desenvolver as virtudes, vale dizer, não seremos santificados. O mesmo Paulo que tanto enalteceu a graça de Deus, também declarou: “Para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a Sua eficácia que opera eficientemente em mim” (Cl 1:29; cf. 1Co 9:27). É Deus quem nos santifica, mas Ele faz isto nos concedendo Seu poder, para que com ele nos seja possível vencer o mal e desenvolver-nos no bem.6


(3) Por ser Deus fiel, Ele nos confirma em Seus caminhos e nos guarda do Maligno (2Ts 3:3). Se continuarmos a segurar a mão de Cristo, Deus será fiel em nos guardar. Satanás poderá nos tentar, poderá até tirar nossa vida, como fez com João Batista, Tiago, Paulo e tantos milhões de cristãos. Todavia, uma coisa ele não poderá fazer: vencer-nos espiritualmente. De fato, não há nada, nem ninguém que nos possa separar do amor de Deus (Rm 8:31-39). Embora Deus tenha muitas vezes protegido a vida física de Seus filhos (como fez com Daniel na cova dos leões e com seus amigos na fornalha ardente) e tenha poder para fazer o mesmo sempre que desejar, Suas promessas de proteção devem ser encaradas como se referindo à vida espiritual. Como dizem as Escrituras: Ele “é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da Sua glória” (Jd 24). Somos ovelhas do rebanho de Cristo, estamos em Sua mão, e desta mão ninguém nos pode arrebatar (Jo 10:27-30).


(4) Por ser Deus fiel, podemos confiar plenamente em Suas promessas (Hb 10:23). Por ser Ele sempre verdadeiro e por ter todos os recursos à Sua disposição, se Ele falou, Ele vai cumprir. Por ser Ele “fiel em todas as Suas palavras” (Sl 145:13) e em “todo o Seu proceder” (Sl 33:4), se O conhecermos como Ele é, se tivermos convicção pessoal de Sua fidelidade, poderemos confiar plenamente nEle e dizer como Paulo: eu “sei em quem tenho crido” (2Tm 1:12).


A fidelidade do homem


A fidelidade do homem é possível quando o Espírito de Deus habita nele. Ninguém pode ser manso, bondoso e fiel à parte do Espírito de Deus. É por essa razão que tais coisas são denominadas de fruto do Espírito. Somente quando Ele opera em nós é que o fruto desponta.


fidelidade do homem pode ser vista nas pequenas coisas da vida. Como Jesus ensinou: “Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito” (Lc 16:10). Aquele que é descuidado com as pequenas coisas ou injusto nas pequenas questões fará o mesmo com as grandes, embora numa escala maior. Aquele que se porta corretamente em relação àquilo que parece pequeno, dá indícios de que terá o mesmo procedimento em assuntos de maior importância. Em realidade, é com base nesse princípio que as empresas costumam promover ou não seus funcionários a postos que exigem mais e são mais valorizados. Algo semelhante ocorre mesmo nas igrejas e em quase qualquer empreendimento humano em que sejam necessárias muitas pessoas e muitos dons. O que ocorreu com José na casa de Potifar é um exemplo dessa verdade (Gn 39:2-6).


A fidelidade do homem o capacita a realizar grandes coisas para Deus. A Bíblia ilustra repetidamente esta realidade ao discorrer sobre a vida de homens e mulheres que foram fiéis ao Senhor. Noé, Jó, Abraão, José, Moisés, Ester, Daniel e Paulo são apenas alguns deles. Eles foram uma grande bênção em seus dias e continuam a sê-lo. Esta mesma verdade tem sido observada ao longo da história da Igreja e continua ainda hoje.


A fidelidade do homem será recompensada por Deus. Na parábola dos talentos, o Senhor disse ao servo obediente: “Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25:21) e o Apocalipse, no encerramento das Escrituras, depois de descrever as belezas e bênçãos que haverá no novo Céu e na nova Terra, declara: “E eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras” (Ap 22:12).


Portanto, vivamos em plena confiança em Deus, que é fiel em todas as circunstâncias, em todos os momentos e em todos os lugares. E, além disso, cooperemos com Seu Espírito, para que Seu fruto se desenvolva em nós, sabendo que nossa fidelidade será amplamente recompensada.

Autor: Emilson dos Reis

Atuou como pastor distrital em diversas igrejas no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.  Foi pastor e professor no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul e no Centro Universitário Adventista de São Paulo.  É doutor em Teologia Pastoral e  diretor da Faculdade Adventista de Teologia no UNASP, onde também leciona as disciplinas de Introdução Geral à Bíblia e Homilética. É autor dos livros: Introdução geral à BíbliaAprenda a liderarComo preparar e apresentar sermõesO dom de profecia no púlpito.

Referências bibliográficas


2. William Carey Taylor, “Pistis”, Dicionário do Novo Testamento grego, 4ª ed. (Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1965), 174-175. Ver também John William MacGorman, “Gálatas”, Comentário bíblico Broadman, 12 vols., editado por Clifton J. Allen e traduzido por Adiel Almeida de Oliveira (Rio de Janeiro: JUERP, 1985), 11:150; John R. W.  Stott, A mensagem de Gálatas (São Paulo: ABU, reimpressão 2003), 135. Para um estudo mais completo do termo, ver O. Michel, “Pistis”, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 4 Vols., editado por Colin Brown, traduzido por Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1985), 2:218-229.
3. Ver Donald Guthrie, Gálatas: Introdução e comentário (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984), 180.
4. Michel, 2:220.
5. A. W. Pink, Os atributos de Deus, traduzido por Odayr Olivetti (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985), 54.
6. Gary L. Thomas, As virtudes cristãs (Rio de Janeiro: Textus, 2003), 26-27, 50.




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