domingo, 21 de fevereiro de 2010

O fruto do Espírito Santo é mansidão (comentário)




Entre as virtudes que o Espírito Santo faz brotar e crescer na vida de um filho de Deus encontra-se a mansidão. Em Gálatas 5:23, a expressão utilizada é praútes, a qual aparece onze vezes no Novo Testamento (Exemplos: 1Co 4:21; 2Co 10:1). Também foi traduzida como brandura (Gl 6:1) e cortesia (Tt 3:2). O termo manso é praús, empregado apenas quatro vezes (Mt 5:5; 11:29; 21:5 e 1Pe 3:4).2

No hebraico, a língua utilizada pelos escritores do Antigo Testamento, há três palavras relacionadas à mansidão: (1) anaw – aparece vinte vezes – e é traduzida pormansos (Sl 25:9; 37:11), humildes (Sl 76:9; 147:6) e pobres (Jó 24:4). (2) Anavah – apenas quatro vezes – significando gentilezahumildade (Pv 15:33; 18:12; 22:4) emansidão (Sf 2:3). (3) Anvah – duas vezes – mansidãosuavidade e brandura (Sl 45:4; 18:35)3, sendo que a tradução Almeida Revista e Atualizada, 2ª edição, traz, respectivamente, verdade e clemência4).

Mansidão e humildade

No texto bíblico, algumas vezes a mansidão está vinculada à humildade, sendo, como já vimos, identificada com ela (Pv 15:33; 18:12; 22:4) ou colocada ao seu lado (Sl 25:9; Mt 11:29; Ef 4:2). Como tal, ela é um importante componente em nossas relações, quer com Deus, quer com os homens. Observe alguns pensamentos que tratam de humildade e orgulho e que, em poucas palavras, às vezes bem humoradas, nos ajudam a melhor compreender a questão:
  • “Na próxima vez que formos tentados a nos tornar ‘inchados’ com nossa própria importância, vamos simplesmente olhar para o buraco de onde fomos arrancados. Isso acaba facilmente com nosso orgulho.” – Charles Swindoll
  • “Um homem cheio de si é sempre vazio.” – Edward Abbey
  • “O pavão de hoje é o espanador de amanhã.” – Autor desconhecido
  • Ele era tão orgulhoso que mal podia esperar para levantar-se de manhã a fim olhar-se no espelho. – Adaptado de Jere D. Patzer
  • “O orgulho não é grandeza e sim inchaço; e o que está inchado parece grande, mas não é saudável.” – Santo Agostinho
  • “Não confunda humildade com pobreza, ignorância ou timidez. Estas podem favorecer àquela, mas não são idênticas. Pior que um rico orgulhoso, é um pobre orgulhoso. Pior que um doutor orgulhoso, é um ignorante orgulhoso. Pior que um sujeito extrovertido e carismático orgulhoso, é um tímido orgulhoso.” – Emilson dos Reis
  • “O poder só sobe à cabeça quando encontra o local vazio.” – Ciro Pellicano
  • “Tudo que tenho recebi de Deus; de que queres que me envaideça?” –  Zálkind Piatigórsky
  • “A perfeição é impossível sem humildade. ‘Por que haveria eu de lutar pela perfeição, se já sou suficientemente bom?'” – Leon Tolstoi
No trato com os homens, por um lado, a mansidão nos leva a reconhecer o valor que eles têm e, por isso, nos recusamos a nos considerar superiores. Por outro lado, essa mansidão não envolve autodepreciação, que é uma imitação barata dessa qualidade. Já em nosso relacionamento com Deus, ela nos leva a reconhecer que Ele é a grande fonte dessa graça, e que Jesus Cristo é seu supremo exemplo, como pode ser visto em Sua encarnação e em Sua maneira de tratar os homens.5  Ela ainda nos mantém humildes enquanto trabalhamos para Deus. Como disse um escritor cristão:
“Deus... faze-me ver que o rio do Teu Reino precisa correr livremente, sem que cada cristão precise construir uma represa com Teu nome, para que todos saibam: ‘Esta obra de Deus passou primeiro pelas minhas mãos!’.

Se algo de bom foi produzido por Deus, que diferença faz por quais mãos passou?...
A humildade se tornará nossa paixão quando percebermos que, quanto mais tirarmos nosso ego do caminho, mais a vida, o poder e os propósitos de Deus podem fluir através de nós. Quando isso ocorre, algo glorioso acontece: começamos a experimentar a qualidade de vida eterna sem a corrupção de nosso controle humano e das pequenas demandas de nosso ego.”6

Quando refletimos a respeito da mansidão, geralmente temos a ideia de uma virtude que se manifesta no relacionamento com nossos semelhantes.  Todavia, nas Escrituras, mansidão é mais do que isso. É um componente indispensável também em nosso relacionamento com Deus (Sl 25:9; Sf 2:3; Tg 1:21). Analisando os diversos textos bíblicos que tratam da mansidão, bem como as narrativas que evidenciam essa virtude na vida dos personagens bíblicos, podemos dizer: Mansidão é uma atitude que envolve humildade, submissão e confiança. O manso é aquele que, reconhecendo sua pequenez e necessidade, se abandona aos cuidados de Deus e permite que Ele o guie como melhor Lhe parecer. Tendo aprendido a morrer para o eu e a confiar no Senhor, ele desfruta mais e mais do descanso e da paz que Deus prometeu para Seus filhos.

A mansidão é aprendida de Jesus

É interessante notar que, embora outras virtudes cristãs sejam apontadas nas Escrituras, também como atributos de Deus, o mesmo não ocorre com a mansidão e a humildade. Desse modo, encontramos declarações de que Deus é amor e de que Ele é longânimo, bondoso, benigno e fiel. Todavia, não é dito ser Ele manso ou humilde. Talvez, porque tais expressões impliquem em “necessidade e submissão” e, portanto, não sejam adequadas, de modo nenhum, para retratar aquele que de nada necessita e que a todos é superior. Entretanto, Cristo – que voluntariamente Se tornou um de nós, submetendo-Se ao Pai e dependendo de Sua ajuda – pode dizer “sou manso e humilde de coração” (Mt 11:29).

Dentre os muitos ensinos de Jesus, um dos mais conhecidos é: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o Meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo é leve” (Mt 11:28-30). Esta passagem bíblica é conhecida como o convite de Jesus, mas, em verdade, Jesus está fazendo não apenas um, e sim três convites, o que pode ser visto pelo uso dos verbos no imperativo afirmativo. São eles: Vinde... tomai... e aprendei. Eles nos indicam três passos que precisamos dar e que nos mostram o que significa aceitar Cristo em nosso coração.

O primeiro convite é Vinde a Mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei”. Com estas palavras Cristo Se dirige a todos os seres humanos, porque todos eles, quer saibam, quer não, estão cansados e oprimidos, e o fardo mais pesado que temos levado é o do pecado. Estamos cansados de lutar em nossas próprias forças contra nosso eu pecador, contra as atrações do mundo e contra Satanás; cansados de lutar contra vícios, maus hábitos e tentações demasiadamente fortes. “Vinde a Mim!” Podemos ir a Jesus através da oração, e assim depositar diante dEle todos os nossos fardos. Aprecio muito um conselho que o apóstolo Paulo deu aos cristãos de Filipos: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças” (Fp 4:6). Não importa qual seja nosso problema, somos convidados a apresentá-lo ao Senhor. Em vez de ficar ansioso, ore!

O segundo convite é: “Tomai sobre vós o Meu jugo”. O jugo é um instrumento de madeira colocado sobre o pescoço dos animais para que possam realizar determinada tarefa. Em nosso país é mais conhecido como canga, e geralmente é colocado sobre o pescoço de dois bois em posição paralela, para que puxem um arado, uma carreta ou outra carga qualquer. Quando um animal coloca o pescoço debaixo de um jugo, torna-se submisso ao condutor ou carreiro. Daí em diante, é comandado e faz o que seu dominador deseja. Jesus nos oferece Seu jugo, que são Seus ensinos, Suas leis, enfim, Sua vontade para nossa vida. Quando colocamos o pescoço debaixo deste jugo, estamos submetendo nossa vontade à vontade de Deus; estamos entregando a Ele o comando de nossa vida, estamos aceitando o estilo de vida que Ele tem para nós. Deste modo, a expressão “tomai sobre vós o Meu jugo” significa “aceitem Minha vontade para sua vida”. Aceitar o jugo de Cristo equivale a fazer-Lhe uma entrega completa da vida.

O terceiro convite é“Aprendei de Mim”. Com frequência, a Bíblia apresenta coisas da natureza para ilustrar verdades espirituais. O próprio Filho de Deus é comparado a animais. Assim, no evangelho de João, Ele é chamado de “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29), porque, apesar de inocente, Ele haveria de morrer sobre a cruz, como os inocentes cordeiros morriam sobre o altar. Já no Apocalipse Ele é retratado como “o Leão da tribo de Judá” (Ap 5:5), porque, como o leão, lutou bravamente – isto Ele fez contra o pecado e as forças do mal – e saiu vitorioso.

Agora, neste texto do evangelho de Mateus, embora não seja mencionado o nome de um animal, a referência é feita ao boi, o animal que, naqueles dias e ainda hoje, é o que mais usa um jugo. Naqueles tempos, quando queriam treinar um boi novo para o serviço, eles o colocavam debaixo de um jugo e, ao seu lado, um boi mais velho e experiente. Durante dias e semanas, eles andavam juntos. O boi mais velho conhecia bem o boieiro e suas vontades, conhecia bem os caminhos, porque já havia passado por eles tantas vezes, e quando chegavam a um atoleiro ou a uma subida íngreme, era ele o que fazia mais força e arcava com o maior peso. Assim, dia a dia, o novilho ia aprendendo com o boi mais velho e era por ele ajudado.

Ao nos convidar “aprendei de Mim”, Jesus está dizendo: “Eu sou o boi mais velho e você é o boi novo; fique ao Meu lado e Me acompanhe. Eu conheço o Senhor e Sua vontade, Eu conheço o caminho, pois já vivi aqui na Terra e passei por lutas e aflições. Tenho todo o poder e vou ajudar você nos momentos difíceis” (Mt 11:27; Hb 4:14, 15; 2:17, 18).

Depois de irmos a Jesus e aceitarmos Sua vontade para nossa vida, é nosso privilégio desfrutar diariamente de Sua companhia e dEle aprender. Isso ocorre quando oramos, quando estudamos a Bíblia, quando participamos dos cultos. “... aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração”. O mundo presente pertence aos violentos e aos orgulhosos, mas Jesus nos convida a ser como Ele é: mansos e humildes. Se aceitarmos Seu convite e caminharmos continuamente com Ele, Jesus nos transformará, e nosso caráter será semelhante ao dEle. Portanto, a mansidão que Cristo deseja que aprendamos se encontra em um contexto de relacionamento com Deus, que envolve a humildade, o senso de nossa necessidade e a disposição de O buscarmos e em confiança nos submetermos a Ele. É somente atendendo a esses três convites que desfrutaremos de Seu descanso e gozaremos de Sua paz. Vamos aceitá-los?7

A mansidão é o melhor adorno

Em sua primeira carta, o apóstolo Pedro, entre outros assuntos, dedicou um parágrafo com instrução especialmente endereçada às mulheres (1Pe 3:1-6), a qual, todavia, pode ser de valor para todos. Ele está tratando de algo muito importante para as mulheres – a beleza – e a palavra chave que ele emprega é adorno (kosmos – de onde deriva a palavra “cosmético”). Já naqueles dias, havia uma tendência à supervalorização da aparência e do vestuário, uma preocupação exagerada com a beleza exterior – o que despendia muito trabalho, tempo e dinheiro.

A questão parece ser: qual é o melhor adorno? Em sua resposta, ele contrasta os diferentes adornos exteriores com um adorno interior. 

(1) O melhor adorno não está relacionado ao cabelo, nem aos penteados que se podem fazer, por mais caros, vistosos e apreciados que possam parecer. 
(2) O melhor adorno não são os brilhantes e chamativos adereços pendurados no corpo. 
(3) O melhor adorno não é o vestuário que cobre nosso corpo, por mais belo, luxuoso ou atual que seja (1Pe 3:3). 
(4) O melhor adorno, a verdadeira beleza, está no interior da pessoa: seu caráter, aquilo que ela realmente é, e que o apóstolo chama de “incorruptível trajo” (v. 4), porque todas as coisas anteriormente mencionadas são corruptíveis, fadadas a desaparecer (ver 1Pe 1:24; Pv 31:30); são de pouca duração, enquanto este, que ele recomenda, é permanente.

Este traje consiste em “um espírito manso e tranquilo”. Na avaliação de Deus, este é o melhor adorno, esta é a beleza que possui grande valor, a qual permanece. Isso não significa que não devamos nos preocupar com nossa aparência e vestuário. O condenável é o orgulho, a vaidade, a extravagância, a inversão de prioridades. Comentando este texto, Ellen White escreveu:

A mansidão é o adorno interior que Deus julga de grande preço. O apóstolo fala dela como sendo mais excelente e valiosa do que o ouro, ou as pérolas, ou vestidos preciosos. Enquanto o adorno exterior embeleza somente o corpo mortal, a virtude da mansidão adorna o coração e põe o homem finito em conexão com o Deus infinito. Este é o ornamento da própria escolha de Deus. Aquele que ornamentou os céus com as esferas de luz, prometeu que, pelo mesmo Espírito, ‘adornará os mansos com a salvação’ (Sl 149:4). Os anjos do Céu registrarão como mais bem adornados aqueles que se revestem do Senhor Jesus Cristo e andam com Ele em mansidão e humildade de espírito.8

Portanto, façamos da mansidão uma prioridade em nossa vida. Peçamos a Deus que no-la conceda, por meio de Seu Espírito, enquanto olharmos constantemente para Seu Filho, o Modelo a quem devemos imitar.


Autor: Emilson dos Reis atuou como pastor distrital em diversas igrejas no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.  Foi pastor e professor no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul e no Centro Universitário Adventista de São Paulo.  É doutor em Teologia Pastoral e  diretor da Faculdade Adventista de Teologia no UNASP, onde também leciona as disciplinas de Introdução Geral à Bíblia e Homilética. É autor dos livros: Introdução geral à BíbliaAprenda a liderarComo preparar e apresentar sermões O dom de profecia no púlpito.

Referências bibliográficas

2. Russell Norman Champlin e João Marques Bentes, eds., “Mansidão”, Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia, 6 vols., 3ª ed. (São Paulo: Candeia, 1995), 4:60.
3. Ibid. Ver também Leonard J. Coppes, “‘anâ”, Dicionario internacional de teologia do Antigo Testamento, org. R. Laird Harris, traduzido por Márcio Loureiro Redondo e outros (São Paulo: Vida Nova, 1998), 1143-1146.
4. Ver Derek Kidner, Salmos 1-72: Introdução e comentário, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1981), 113, 192.
5. Ver Champlin, 4:60.
6. Gary L. Thomas, As virtudes cristãs (Rio de Janeiro: Textus, 2003), 71.
7. Emilson dos Reis, “O convite de Jesus”, Revista Adventista, Março de 1999, 8-10.
8. Ellen White, Santificação, 16.



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