O capítulo 33 do livro de Números descreve minuciosamente as jornadas do povo de Deus no deserto. É impossível alguém ler esse capítulo e ficar indiferente ao terno amor e cuidado de Deus, ali tão assinaladamente manifestados.
Apesar das repetidas demonstrações de dúvida, hesitação, fraqueza humana, o Senhor caminhou adiante daqueles Seus filhos cada passo da jornada pelo deserto. Em todas as aflições que experimentaram, Ele também foi afligido. Cuidou deles como a mãe cuida do filho. Durante 40 anos, não permitiu que seus vestidos envelhecessem nem que seus pés inchassem (Dt 8:4). Operou milagres extraordinários em seu favor.
Mas a história ainda não chegou ao seu fim. Deus cumpriu Suas promessas feitas àquela geração, levando-a para a Canaã terrestre. Também cumprirá as promessas de conduzir Seu povo da atualidade à Canaã celestial. Para os modernos peregrinos, é consoladora a certeza de que cada etapa da jornada está marcada pelo amor infinito e a sabedoria de um Deus infalível. Ele nos está guiando por um caminho, às vezes sinuoso, para as moradas que está preparando (Jo 14:1-3).
Não existe nenhuma circunstância na vida ou nenhum componente de nossa experiência que não sejam amorosamente ordenados ou permitidos por Ele, tendo em vista nosso bem-estar atual e nossa felicidade eterna. Que nossa prioridade máxima seja viver em ininterrupta comunhão com Ele, “lançando sobre Ele toda a [nossa] ansiedade” (1Pe 5:7), até que, terminada a peregrinação, habitemos na “casa do Senhor para todo o sempre” (Sl 23:6).
Em nossa caminhada, podemos aprender preciosas lições extraídas dos preparativos que os israelitas fizeram antes de entrar em Canaã, de acordo com o estudo desta semana.
Lição de história
A primeira lição de nosso estudo está relacionada ao propósito que Deus tinha, ao ordenar que Moisés registrasse a história de “suas saídas, caminhada após caminhada” (Nm 33:2). Em cada detalhe dessa jornada, Ele podia ser visto operando em favor de Seu povo.
“Para Yahweh, era importante que a rota e suas paradas fossem registradas para que as gerações vindouras meditassem a respeito. E então teriam provas plenas da realidade do evento e do poder que conduziu Israel através do deserto, a caminho para a terra que fora prometida a Abraão, no pacto (Gn 15:18). O versículo deixa entendido que cada estágio da viagem foi determinado por Yahweh. Isso era feito por meio dos movimentos da nuvem, de dia, e pelos movimentos da coluna de fogo, à noite” (R. N. Champlin, O Antigo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo, v. 1, p. 730).
Semelhantemente, nunca deveríamos nos esquecer dos poderosos feitos divinos em nosso favor, ao longo da nossa peregrinação terrestre. Nossa vida está pontilhada de exemplos de acontecimentos majestosos e outros aparentemente singelos que nos asseguram a direção de Deus em nossa vida. Cada um de nós pode enumerar muitos deles... Tê-los em mente nos ajuda a manter o sentimento de gratidão e nos reafirma a certeza de que, ao soprarem ventos tempestuosos no futuro, não estaremos sós.
Aconselha-nos Ellen White: “Conservemos sempre vivas na memória todas as ternas misericórdias que Deus tem tido para conosco – as lágrimas por Ele enxugadas, as dores que suavizou, as ansiedades que desvaneceu, os temores que dissipou, as necessidades que supriu, as bênçãos que concedeu – e fortaleçamo-nos assim para tudo quanto nos aguarda no restante de nossa peregrinação” (Caminho a Cristo, p. 125).
E mais: “Passando em revista a nossa história, percorrendo todos os passos de nosso progresso até o estado atual, posso dizer: ‘Louvado seja Deus!’ Quando vejo o que Deus tem executado, encho-me de admiração por Cristo, e de confiança nEle como dirigente. Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado” (Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 31).
A segunda lição tem que ver com os deveres de Israel quando chegasse à terra prometida: No dizer de Champlin, “a invasão por parte de Israel não seria apenas a conquista de um território para servir de pátria. Também era mister que houvesse total purificação da idolatria e do paganismo, a fim de que o território conquistado fosse um lugar apropriado para a promoção do novo Israel, sob Yahweh, ou seja, a teocracia. Foi Yahweh quem deu a Israel a terra prometida, pelo que foi Ele quem ditou as condições que deveriam prevalecer ali. Seria agora finalmente, cumprida a antiga profecia dada a Abraão, ou seja, a taça da iniquidade dos povos cananeus estaria cheia; e então a destruição haveria de atingi-los (Gn 15:16). Tudo isso fazia parte do pacto abraâmico, que estipulava que Israel teria uma pátria especial” (Champlin, Op. Cit., 733).
Evidentemente, essa orientação estava inserida num contexto histórico específico. Em nossos dias, pela natureza de nossa missão como igreja e como indivíduos, é necessário interagir com o mundo. Apesar dos riscos que tal interação pode envolver, não podemos nos permitir ser influenciados por seus conceitos, tendências e máximas. Como “sal da terra” e “luz do mundo”, é nosso dever permanecer nele, exemplificando o poder transformador do evangelho, agindo como objetos inoxidáveis que entram em contado com a impureza, mas não se deixam contaminar. Jesus Cristo orou: “Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal... Santifica-os na verdade, a Tua Palavra é a verdade” (Jo 17: 15, 17).
É assim que ajudaremos a encaminhar outros habitantes para a Canaã celestial.
Cidades dos levitas
Levi tivera um passado questionável, ao participar do assassinato dos siquemitas (Gn 34). Entretanto, se arrependera e se mantivera fiel em meio à apostasia que resultou na adoração do bezerro de ouro (Êx 32). E Deus recompensou a tribo com a investidura sacerdotal. “Levi tinha deixado de ser uma tribo e havia-se tornado uma casta sacerdotal” (Champlin, Op. Cit., p. 736). Com isso não dispunham de herança na forma de terras, mas haviam recebido cidades, em que pudessem habitar. “A herança dos levitas era Yahweh e o serviço a Ele prestado. Assim, ganhavam em herança espiritual o que tinham perdido em herança física” (Ibid.).
“Todas as cidades que dareis aos levitas serão quarenta e oito cidades, juntamente com os seus arredores. Quanto às cidades que derdes da herança dos filhos de Israel, se for numerosa a tribo, tomareis muitas; se for pequena, tomareis poucas; cada um dará das suas cidades aos levitas, na proporção da herança que lhe tocar” (Nm 35:7, 8).
“Os que foram designados para ministros do santuário – os levitas – não receberam herança em terras; habitavam juntos em cidades separadas para seu uso, e recebiam seu sustento dos dízimos, donativos e ofertas dedicados ao serviço de Deus. Eram os ensinadores do povo, hóspedes em todas as suas festividades, e em toda parte honrados como servos e representantes de Deus. À nação toda fora dada esta ordem: ‘Guarda-te que não desampares o levita todos os teus dias na terra (Dt 12:19). ‘Levi, com seus irmãos, não tem parte na herança; o Senhor é a sua herança’ (Dt 10:9)” (Ellen G. White, Educação, p. 148, 149).
“Os servos do Senhor dependiam inteiramente dEle para ter sua porção. Não tinham herança nem possessão senão em Deus. Bendita herança! Precioso lote! Não há nenhum outro semelhante, segundo o juízo da fé.. [...] Deus tinha cuidado dos Seus servos e permitia a toda a congregação de Israel compartilhar do sagrado privilégio – porque tal certamente era – de cooperar com Ele em fazer provisões para aqueles que se haviam dedicado voluntariamente à Sua obra, abandonando tudo o mais” (C. H. Mackintosh, Estudos Sobre o Livro de Números, p. 363).
“Como é óbvio, os levitas precisavam de alguma terra e de certos bens materiais, pois de outra sorte não teriam sobrevivido. Viviam do ministério, mediante dízimos e ofertas, um princípio que foi transferido para o Novo Testamento (1Co 9:9)” (Champlin, Ibid.).
As cidades de refúgio
Das quarenta e oito cidades reservadas aos levitas, seis delas seriam cidades de refúgio, “para que, nelas se acolha o homicida” (Nm 35:6). Que tipo de homicida? Certamente, não eram os assassinos frios, violentos, contumazes. Eram pessoas que tivessem cometido erros trágicos, acidentais, e que por isso mesmo, provavelmente, estivessem sob forte tensão, emocionalmente abaladas pela experiência vivida, desejando ansiosamente retroceder no tempo e apagar o acontecimento.
Observe em Números 35:16-28 a diferença entre o assassinato intencional e o não intencional.
“Segundo dizem os rabinos, para facilitar a ida dos fugitivos, o Sinédrio tinha a responsabilidade de manter nas melhores condições possíveis as estradas que davam acesso às cidades de refúgio. Não poderia haver morros; em todos os rios deveria haver pontes, e a própria estrada precisava ter pelo menos trinta e dois cúbitos de largura (cerca de dezesseis metros). Em todas as curvas deveria haver placas de sinalização com a palavra Refúgio. Além disso, o fugitivo deveria ser acompanhado de dois estudiosos da Lei para, se possível, apaziguarem o vingador do sangue, caso este alcançasse o fugitivo” (Merryl F. Unger, Unger’s Bible Dictionary, citado em Charles Swindoll, Vivendo Sem Máscaras, p. 142).
Enquanto permanecesse dentro dos limites da cidade de refúgio, o transgressor estava seguro. Caso saísse e fosse encontrado pelo vingador, este o mataria e ficaria sem culpa (Nm 35:26, 27).
Uma vez na cidade, eis como deveria ser tratado: “Então a congregação julgará entre o matador e o vingador do sangue, segundo estas leis, e livrará o homicida da mão do vingador do sangue, e o fará voltar à sua cidade de refúgio, onde se tinha acolhido; ali, ficará até à morte do sumo sacerdote, que foi ungido com óleo santo” (Nm 35: 24, 25).
Swindoll destaca três expressões desse texto:
“’Julgará’, ou seja, pesar os fatos, ouvir as explicações e refletir sobre as evidências, convencendo-se então da inocência do acusado. ‘Livrará’, isto é, depois disso, a congregação procuraria de todos os modos a sua sobrevivência e recuperação. A ação empreendida por esse grupo possui um sentido altamente afirmativo e positivo. ‘Fará voltar’, noutras palavras, restaurar plenamente o acusado. A congregação não tinha que providenciar apenas para que o homem fosse libertado de culpa e plenamente perdoado, mas tinha que ampará-lo para que recuperasse o senso de dignidade própria e seu valor pessoal. E, quando morresse o sacerdote, aquele homem estaria livre para voltar à sua casa” (Ibid., 146, 147).
Lições
Esse tema é pródigo no oferecimento de questões para reflexão e diálogo com os membros da unidade. A sugestão deste comentarista é que a oportunidade seja muito bem aproveitada.
1) “Entre as instruções específicas sobre o julgamento das pessoas suspeitas de homicídio constava: ‘Todo aquele que matar a outrem será morto conforme o depoimento das testemunhas; mas uma só testemunha não deporá contra alguém para que morra’ (Nm 35:30).
Quanta sabedoria nessa instrução! Se a acusação fosse formulada por apenas uma pessoa, o suspeito não seria condenado, ainda que houvesse fortes evidências circunstanciais contra ele. Por outro lado, se ficasse comprovada a culpa, não haveria expiação nem resgate para livrá-lo de modo algum. Por mais elevada que fosse sua posição na sociedade, ele teria que pagar pelo seu crime. O pecado de homicídio tinha que ser severamente punido para que fossem mantidas a segurança e a pureza da nação. A vida humana, que só Deus pode conceder, tem que ser preservada de maneira sagrada” (Signs of the Times, 20/01/1881).
2) “Essa misericordiosa provisão contém uma lição para o povo de Deus até o tempo do fim. O mesmo Cristo que deu a Moisés instruções explícitas para o povo hebreu, quando esteve pessoalmente na Terra repetiu as mesmas lições sobre a maneira de tratar os que erram. O testemunho de uma só pessoa não é suficiente para inocentar ou condenar alguém. Visões ou opiniões de um homem não podem liquidar uma questão. Em qualquer assunto, é necessário que coincidam e dividam as responsabilidades duas ou mais pessoas. A proposta divina é que haja submissão entre os Seus servos. A posição de uma pessoa não deve ser dominante em relação a qualquer assunto. A consideração mútua e o respeito acrescentam dignidade ao exercício do ministério e unem os servos de Deus com os laços do amor e da harmonia. Ao mesmo tempo que devem depender de Deus para receber força e sabedoria, os que anunciam o evangelho devem buscar a harmonia mútua em todas as questões que requerem deliberação. ‘Pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça’ (Mt 18:16; Signs of the Times, 20/01/1881).
Uma pergunta pertinente: Quais são os critérios que fundamentam a aplicação da disciplina em sua igreja?
Felizmente, independentemente de quem seja o transgressor ou do erro cometido, há uma esperança perfeita e firme: “As cidades de refúgio destinadas por Deus ao Seu antigo povo são um símbolo do refúgio provido e revelado por Jesus Cristo. A oferta feita pelo nosso Salvador teve o valor suficiente para fazer a total expiação pelos pecados de todo o mundo, e todos os que, através do arrependimento e da fé, fugirem para esse Refúgio estarão seguros; encontrarão paz depois das mais terríveis pressões da culpa e alívio depois da mais profunda condenação. Através do sacrifício expiatório de Cristo e pela Sua obra de mediação em nosso favor, podemos ser reconciliados com Deus. O sangue de Cristo se provará eficaz para extirpar as piores manchas do pecado.
‘O misericordioso Salvador providenciou as cidades de refúgio para que os inocentes não tivessem que sofrer como culpados. Da mesma forma, o piedoso Salvador construiu, pelo Seu sangue derramado em favor dos transgressores da Lei de Deus, um seguro refúgio para o qual podemos correr em busca do livramento da angústia da segunda morte. E poder nenhum poderá arrancar das Suas mãos aquele que a Ele corre para ser perdoado” (Ibid.).
Editor da Revista Ministério
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