Nova lição com título duplo. Aqui também o primeiro enunciado é causativo do segundo: quem anda na luz rejeita os anticristos. Estes são elementos ligados às trevas sem qualquer consenso com a luz, apesar de às vezes sustentarem o engano não apenas com uma aparência de verdade, mas mesmo com boa dose de verdade. Mas isso também são trevas; quem se arriscaria a tomar um copo de leite misturado com uma colherinha de formicida?
Desde o início destes comentários, chamei a atenção para o fato de que João se preocupou em alertar as igrejas sob seus cuidados quanto a falsos mestres que, furtivamente, penetravam nos arraiais cristãos e disseminavam ensinos errôneos, heresias.
Entendo que este foi um dos propósitos não apenas das epístolas joaninas, mas também do quarto Evangelho e do Apocalipse, livro que previu a manifestação definitiva do anticristo por excelência (Ap 13, 17), aquele que incorpora as diferentes formas de engano engendrado pelo inimigo em todas as épocas.
A última hora (1Jo 2:18)
Considerando que, desde os primórdios do cristianismo (pois o próprio Jesus havia tocado nesse assunto ― veja Mt 24:11, 12, 24) a manifestação do anticristo é considerada um sinal da proximidade dos tempos finais (2Ts 2:1-12), João assegura aos leitores que a proliferação do engano em seus dias era uma evidência de que era chegada a “última hora”.
A lição de hoje explica satisfatoriamente o contexto em que a última hora havia chegado no final do primeiro século. Lembra também que esta fórmula exclusiva de João corresponde a “últimos dias” em outras partes do Novo Testamento, por cujo testemunho se entende que estes começaram com a primeira vinda de Jesus (veja Hb 1:1, 2; At 2:17; veja também a lição de 22 de julho, onde se lê que a “nova era” foi “inaugurada com o primeiro advento de Jesus”). Acrescentaria mais duas fórmulas que encerram o mesmo significado: “último tempo” e “fim dos tempos” (Jd 18; 1Pe 1:5, 20; 1Tm 4:1). Mesmo quando os escritores sagrados falam do que ocorreria nos últimos dias, estão, com efeito, falando de seus próprios dias (veja 2Pe 3:3-5; 2Tm 3:1-9; Jd 18, 19).
Estariam, então, equivocados os adventistas quando, fundamentados nas profecias de Daniel, afirmam que o tempo do fim começou em 1798? Não necessariamente. Um estudo mais atento da escatologia bíblica, que tem que ver com os acontecimentos finais, nos dá conta de que ela deve ser considerada em duas dimensões: realizada em Cristo e realizada na História, esta em três lances distintos: (1) inaugurada por Jesus (particularmente com Sua morte e ressurreição), (2) intensificada e (3) consumada. A fase que se denomina inaugurada vai do primeiro advento até 1798; a segunda fase, intensificada, vai de 1798 até o fim (por isso é chamada “tempo do fim”), e, finalmente, a consumada envolve a volta de Jesus, o milênio e o surgimento dos novos céus e da nova Terra. Os “últimos dias”, portanto, medeiam os dois adventos.
Quais são as implicações de os “últimos dias” começarem a partir da cruz? O cristão é um cidadão de dois reinos (ou dois mundos), o terreno e o celestial, com prioridade para o segundo (Mt 22:21; Rm 13:1-7; 1Pe 2:13-17; Fp 3:20, 21). Na morte, ressurreição e ascensão de Jesus, há uma antecipação da era porvir, com o desfrute, por parte da Igreja, das bênçãos do reino, as quais alcançarão a plenitude a partir da segunda vinda. É o já e o não ainda tão significativamente subentendidos na mensagem do Novo Testamento, principalmente em Paulo. As bênçãos da era porvir são pré-desfrutadas pela Igreja através da presença do Espírito com ela e nela. Paulo diz que temos as primícias (Rm 12:23) do Espírito como garantia ou penhor (2Co 1:22; 5:5; Ef 1:14) de que desfrutaremos tudo a partir da consumação final (cf. Rm 8:32). Observe o gráfico a seguir:
A lição confirma esse fato. “Com Jesus chegou uma nova era. Todo o período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo é considerado ‘os últimos dias’. Pelo contexto de seus escritos, a ‘última hora’ de João pode simplesmente ser sua forma de dizer ‘os últimos dias’, período entre a primeira e a segunda vinda de Jesus.”
A vinda dos anticristos (1Jo 2:18, 19, 22, 23)
Depois de exortar sua comunidade quanto à luz e as trevas, ao pecado e a confissão, à propiciação e o perdão, o conhecimento de Deus e a guarda de Seus mandamentos, o amor fraternal e a comunhão, João declara explicitamente o que eram aqueles dissidentes que estavam iludindo as igrejas e desencaminhando os incautos. Não eram outra coisa senão anticristos, emissários do inimigo e pedras de tropeço. Anticristos são “todos aqueles que se exaltam contra a vontade e a obra de Deus” (Ellen G. White, SDABC, v. 7, p. 950).
E o pior: não provinham do mundo; haviam saído da própria igreja (v. 19). Muitos anos antes, Paulo já havia admoestado os líderes precisamente da igreja de Éfeso, prevendo que dentre eles mesmos se levantariam mestres ensinando coisas pervertidas, “para arrastar os discípulos atrás deles” (At 20:30). Agora, esta situação estava na ordem do dia.
Já expus o perfil dos hereges daquele tempo, e de suas heresias, comentando lições anteriores (veja especialmente o comentário introdutório da lição 1 e o comentário de 1º e 2 de julho). Quem é anticristo senão aquele que nega as verdades reveladas, particularmente na vida e ministério de Jesus, incluindo Sua morte e eventos posteriores, e insere, em seu lugar, ensinos deturpados, procedentes da mente do demônio? Quem é anticristo senão aquele que, através de ensinos deturpados, engana e tenta usurpar o lugar a que unicamente Cristo tem direito? Como a lição esclarece, “um anticristo tenta tomar o lugar de Cristo e a Ele se opõe.”
Nesse caso, Satanás é, de fato e por direito, o anticristo original e no mais alto grau (pois empreendeu, no Céu, apoderar-se da posição de Cristo). Ele está por trás de toda racionalização que resulta no afastamento da verdade. “A resolução do anticristo, de levar a cabo a rebelião que iniciou no Céu, continuará a operar nos filhos da desobediência.” (Testemunhos Seletos, v. 3, p. 394). Sabemos que um dos últimos lances da obra de engano ocorrerá quando Satanás aparecer como anjo de luz (2Co 11:14), numa contrafação quase perfeita da pessoa de Jesus Cristo.
Também cremos que determinado poder político-religioso, que se manifestou no seio do cristianismo centenas de anos depois de João, foi a culminação da apostasia que, em seu tempo, estava em andamento. Paulo se referiu a isso ao afirmar que “o mistério da iniquidade”, cujo desenvolvimento máximo introduziria a figura nefasta do “homem da iniquidade, o filho da perdição”, já operava em seus dias (2Ts 2:3, 7). E esse sistema de engano, em futuro próximo, estará de volta ainda com poder maior, e autoridade suficiente para levar o mundo todo a se levantar contra o povo remanescente.
Pergunto, então, o que nos diria o apóstolo João, estivesse ele em nosso meio hoje? Sua preocupação em alertar os membros da igreja quanto aos anticristos de seu tempo realça a necessidade de estarmos muito mais atentos e preparados para os enganos de nossos dias, e para a manifestação final da apostasia que logo terá lugar.
Como o faremos? Provando os espíritos (lição de amanhã), buscando diariamente a unção do Espírito Santo (lição de quarta-feira), e permanecendo fiéis em Cristo (lição de quinta-feira).
Provando os espíritos (1Jo 4:1-6)
Para continuar o tema tratado ontem, a lição interrompeu a sequência do texto joanino; de 2:23 passamos para os primeiros seis versos do capítulo 4. A questão agora é o que nos cumpre fazer para não nos deixarmos levar pela obra do engano. Esse importante detalhe é complementado com as lições de amanhã e quinta, quando retornamos ao ponto em que o texto teve sua sequência interrompida.
O primeiro passo é provar os espíritos a ver se realmente procedem de Deus. Principalmente em assuntos espirituais, as meras aparências enganam muito, pois frequentemente a obra dos anticristos não se manifesta em rebelião declarada. Jesus já havia advertido Seus seguidores dizendo-lhes: “Acautelai-vos dos falsos profetas que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores” (Mt 7:15).
No contexto desta advertência Ele também afirmou: “Nem todo o que Me diz:‘Senhor, Senhor!’ entrará no reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai que está nos Céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-Me: ‘Senhor, Senhor! Porventura não temos nós profetizado em Teu nome, e em Teu nome não expelimos demônios, e em Teu não fizemos muitos milagres?’ Então lhes direi explicitamente: ‘Nunca vos conheci. Apartai-vos de Mim, os que praticais a iniquidade” (v. 21-23).
Parece até que Ele fez essa advertência ontem, pois o mundo religioso vive hoje o frenesi do carismatismo, do evangelho da prosperidade, da onda avassaladora dos milagres como prova da presença e operação divinas.
São os milagres, mesmo aqueles praticados em nome de Jesus, inteiramente confiáveis? A advertência de Jesus, acima referida, nos responde com um categórico Não! “...os que andam à procura de milagres como sinal de guia divina acham-se em sério risco de engano” (Mensagens Escolhidas, p. 54). “Nestes últimos dias, Satanás desceu para operar com todo engano de injustiça naqueles que perecem. Reivindicando ser o próprio Cristo, Sua majestade satânica opera milagres aos olhos de falsos profetas, aos olhos de homens” (Ellen G. White, SDABC, v. 5, p. 1.087).
Deus nos deu clara orientação sobre como pôr à prova os espíritos. “Pelos seus frutos os conhecereis”, disse Jesus (Mt 7:15, 20); mas às vezes o enganador se camufla com tal aparência de piedade que nem mesmo seus maus frutos podem ser facilmente discernidos, pelo menos de imediato. Então, temos o critério final e infalível: “À lei e ao testemunho! Se eles não falam de acordo com esta palavra, é porque eles não têm luz alguma” (Is 8:20, New American Standard Bible). “A vestimenta de ovelha parece tão autêntica, que o lobo não pode ser discernido exceto conforme vamos ao grande padrão moral de Deus e constatamos que são transgressores da lei de Deus” (Ibid., 1.087, 1.088).
A Bíblia, portanto, tem a última palavra quanto a nos dizer quem é quem entre aqueles que professam ensinar a verdade. Precisamos seguir esta regra infalível para não sermos, de alguma forma, enganados.
A unção (1Jo 2:20, 21, 27)
A unção referida no verso 20 é indiscutivelmente aquela dotação especial do Espírito Santo operando na mente humana e capacitando-a a assimilar a verdade, e distinguir esta do que é espúrio e diabólico. João lembra os seus destinatários que é por causa da unção que haviam recebido que eles tinham o “conhecimento” da verdade. Jesus já havia prometido: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, Ele vos guiará a toda a verdade...” (Jo 16:13).
O segredo, portanto, é ser guiado pelo Espírito Santo, e temos evidenciada a Sua guia não pelos nossos sentimentos e emoções, mas, como visto acima, pela Bíblia. O Senhor jamais contrariará o que Ele mesmo inspirou os profetas a nela escrever. Como disse alguém: “O que o Espírito Santo nos está falando pode sempre ser confirmado pela Bíblia. Através [dela], podemos saber com certeza se as impressões que recebemos são do Espírito Santo.” Este jamais mistura a verdade com o erro, como fazem os outros espíritos.
Por esta razão, João lhes lembra que, se estavam sendo guiados no conhecimento da verdade, não havia nenhuma necessidade de que dissidentes desta ou daquela natureza viessem para lhes anunciar alguma “nova luz”, porque “mentira alguma jamais procede da verdade” (v. 21). Assim, deveriam permanecer na verdade, porque desta forma permaneceriam “nEle”, isto é, em Jesus Cristo, o assunto de amanhã.
A lição de hoje ainda nos lembra que “o antídoto para as mensagens dos anticristos é a Palavra de Deus, comunicada pelo Espírito Santo. É o padrão objetivo pelo qual as doutrinas podem ser avaliadas. Os verdadeiros crentes contam com o Espírito Santo, que Se manifesta nas Escrituras. A Bíblia precisa ser a autoridade final em todos os nossos ensinos.” É o apego à Bíblia que finalmente redundará em triunfo. Diz Ellen G. White, no contexto dos últimos acontecimentos, inclusive da aparição satânica na forma de Cristo, o engano quase invencível dos últimos dias: “Apenas os que forem diligentes estudantes das Escrituras, e receberam o amor da verdade estarão ao abrigo dos poderosos enganos que dominam o mundo. Pelo testemunho da Bíblia estes surpreenderão o enganador em seu disfarce. Para todos virá o tempo de prova. Pela cirandagem da tentação, se revelarão os verdadeiros crentes. O povo de Deus acha-se hoje tão firmemente estabelecido em Sua Palavra que não venha a ceder à evidência de seus sentidos?” (Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 624).
Permanecendo nEle (1Jo 2:28)
A lição afirma que o verbo permanecer é um dos mais empregados por João. Trata-se do grego ménō, 41 vezes no Evangelho, 23 em 1 João e 3 em 2 João ― tanto com acepção positiva (a maior parte das vezes), como com negativa (Jo 3:36; 8:35; 9:41; 12:24; 15:6; e 1Jo 3:14, 15, 17; 2Jo 9). Tem amplo significado, implicando muito a ideia de residência, permanência e perseverança; exemplos: “pousar”, em João 1:33; “subsistir”, em 6:27 e 9:41; “continuar”, em 7:9 e 8:31; e “permanecer”, a mais frequente versão do termo em nossas Bíblias; em 1 e 2 João, é praticamente este o único sentido.
Nas epístolas, o apóstolo insiste na experiência subjetiva de se permanecer (1) em Deus,o Pai e/ou o Filho ― 1Jo 2:6, 24, 27, 28; 3:6, 24; 4:15, 16; (2) na luz ― 1Jo 2:10; (3) na doutrina ― 1Jo 2:24; 2Jo 9; (4) no amor ― 1Jo 4:16; e (5) na verdade ― 2Jo 2. Esta experiência é chamada subjetiva por ser nossa resposta à experiência objetiva de permanência em nós da parte (1) de Deus, o Pai e/ou o Filho ― 1Jo 3:24; 4:12, 15 ; (2) da doutrina e/ou da Palavra de Deus ― 1Jo 2:14, 24; (3) da unção divina― 1Jo 2:27; (4) da semente divina ― 1Jo 3:9; (5) do amor de Deus ― 1Jo 3:17; e (6) da verdade ― 2Jo 2.
Podemos notar, então, que, a exemplo da experiência de amar, a experiência de permanecer é recíproca. Assim como o amor de Deus por nós precisa encontrar da nossa parte uma resposta de amor por Ele, para efetivamente cumprir com o seu propósito, também a permanência de Deus em nós só será efetivamente auspiciosa a nosso respeito se permanecemos nEle.
E como é Deus quem nos ama primeiro e suscita o nosso amor (1Jo 4:19), também a iniciativa da comunhão partiu dEle, enviando Seu Filho para “habitar” conosco (Jo 1:14); o trágico evento nesse processo foi que Ele “veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam” (v. 11). Que lástima! Por escolha própria, permaneceram nas trevas. Seguiremos este triste exemplo?
Mas sempre existiram aqueles que O receberam, os quais desfrutam o direito de ser filhos de Deus (v. 12), assunto da próxima lição, isto é, de ser membros de Sua família. “E porque vós sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito de Seu Filho...” (Gl 4:6). É esse Espírito a nós concedido que atesta a permanência de Deus em nós e nossa permanência nEle (1Jo 3:24; 4:13).
Que experiência bendita! Dela depende o efetivar de nossa salvação, a qual começa agora, pela permanência de Deus em nós e pela nossa permanência nEle (afinal, apenas aqueles que perseverarem até o fim serão salvos ― Mt 24:14), e se consuma no glorioso dia da volta de Jesus, o que o escritor sagrado, no verso de hoje, apresenta como razão para permanecermos em Cristo: “...para que quando Ele Se manifestar, tenhamos confiança e dEle não nos afastemos envergonhados na Sua vinda.”
Compreendemos, então, por que tanto zelo, tanto ardor da parte de João, instando com sua comunidade a que permanecesse firme na “doutrina” que havia recebido, e não desse ouvidos a dissidentes que se apresentavam com ares de mensageiros divinos. Não estaria acontecendo o mesmo hoje? “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo, e nela não permanece, não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem assim o Pai como o Filho” (2Jo 9).
Que Deus nos ajude a cumprir integralmente a admoestação apostólica. Não há melhor atitude que continuarmos com o Pai e com o Filho, através do Espírito Santo em nosso coração.
Autor: José Carlos Ramos – D. Min
Extraído de: http://www.cpb.com.br/htdocs/periodicos/licoes/adultos/2009/frlic632009.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário