sábado, 17 de outubro de 2009

Trombetas, sangue, nuvem e fogo










A história do povo de Israel após o êxodo tem muita coisa para nos ensinar. Quem disse que o deserto não tem vida? Talvez até você gostasse de ter vivido naquele tempo, em que coisas incríveis aconteciam com frequência e Deus falava de maneira mais direta com o povo.


O estudo desta semana, baseada em Números 9 e 10, fala de “trombetas, sangue, nuvem e fogo”, no contexto da jornada dos israelitas rumo à terra prometida. Paradoxalmente, o povo estava tão perto (na geografia) e tão longe (no coração) do destino! Por isso, Deus precisou instruí-lo e prepará-lo para a mudança. Vamos focalizar alguns aspectos dessa caminhada, começando com a celebração da liberdade.


O festival da liberdade


Por muito tempo, o Brasil foi colônia de Portugal. Quando conseguiu sua independência, em 1822, instituiu um feriado (7 de setembro) para celebrar a vitória. Muitos países tiveram uma experiência parecida. No caso de Israel, a Páscoa pode ser considerada o “dia da independência”, pois foi instituída para comemorar sua libertação da escravidão no Egito e o nascimento da nação. O interessante é que a primeira Páscoa foi um ato de fé, pois comemorou o que Deus estava para fazer.1


O nome Páscoa (pesach em hebraico) vem do verbo pasach, normalmente traduzido como “passar sobre”, no sentido de proteger. A festa era uma celebração da libertação, mas também da providência de Deus. Por isso, na sequência da Páscoa, já dentro da festa dos pães sem fermento, os israelitas não deveriam comparecer de “mãos vazias” (Êx 23:15; Dt 16:16).2 


Em outras palavras, a Páscoa era uma festa histórica, comemorando o êxodo do povo de Israel do Egito, mas ainda retinha elementos dos festivais agrícolas. Em parte, as festas de Israel e das culturas ao seu redor tinham raízes nos ciclos agrícolas.


A Páscoa é chamada de festa (hag) somente em Êxodo 34:25 e Ezequiel 45:21. Mas nem por isso deixava de ser uma grande festa. Afinal, quem não gosta de um bom festejo? O costume de festejar é tão antigo quanto a humanidade. A vida em sociedade inclui vários tipos de festas.


No caso de Israel, as festas eram muito mais do que comer e beber. Elas tinham profundo significado religioso. Eram “a expressão ritual de sua vida como a comunidade do povo de Deus”. Através das festas, a fidelidade de Yahweh no passado se tornou a base ritual da esperança dos israelitas para o futuro.3


Das três festas anuais obrigatórias para os hebreus (Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos), a Páscoa era a que mais atraía peregrinos. O valor dado a essas festas pode ser visto na própria severidade com que o povo era intimado a participar dos rituais.


Independentemente da obrigatoriedade, os israelitas valorizavam muito todas as festas. Esse sentimento era manifestado até por pessoas mais intelectualizadas. Por exemplo, o historiador Josefo dava tanta importância à Páscoa que apoiou a celebração do festival mesmo após a destruição do templo de Jerusalém, no ano 70, podendo inclusive ter participado de sacrifícios em Roma.4


A Páscoa aparece em vários contextos do Antigo Testamento, como no Egito antes do êxodo, no Sinai, logo após a entrada em Canaã, no reinado de Salomão, na reforma de Ezequias, na celebração de Josias e no retorno do exílio. Embora fosse uma festa anual, ela é citada principalmente em momentos de mudança na história do povo de Deus, indicando realidades opostas: “escravidão/liberdade” (êxodo), “carência/abundância” (Canaã), “falta da lei/estabelecimento da lei” (Sinai), “santuário temporário/santuário permanente” (deserto), “adoração de muitos/adoração de um” (Ezequias, Josias) e “exílio/terra natal” (retorno do exílio).


Quase toda a legislação sobre o festival vem do Pentateuco; a exceção é Ezequiel 45. Um ponto que vale a pena destacar é que, se a pessoa estivesse impossibilitada de participar da Páscoa devido a alguma impureza, como tocar em cadáver, ela ainda tinha uma segunda chance, pois Deus permitia nova celebração no mês seguinte. Isso mostra que Deus é gracioso. Ele leva em conta nossos imprevistos e sempre nos dá novas oportunidades. Além disso, os estrangeiros residentes que adoravam o Deus verdadeiro podiam participar da festa, enquanto os israelitas não praticantes deveriam ficar de fora.


A Páscoa era carregada de simbolismo. Por certo, Deus escolheu esse ritual para celebrar a libertação do êxodo e prefigurar a salvação através de Cristo porque ele tornaria o memorial mais didático, atrativo, pessoal e memorável. Afinal, enquanto “a teologia é para poucos, os símbolos são para todos”, incluindo intelectuais e crianças.5


A Páscoa era comemorada no “primeiro mês do ano”, chamado Abibe, que, depois do cativeiro babilônico, foi mudado para Nisan. Isso correspondia ao fim de março ou início de abril do nosso calendário. Mas os preparativos começavam quatro dias antes, o que mostra que devemos fazer as coisas de Deus com ordem e planejamento.


Em certo sentido, a Páscoa continuava com a festa dos pães asmos. Esses festivais não eram sinônimos, mas estavam conectados. Historicamente, as duas festas parecem ter sido unificadas, depois distinguidas e unificadas de novo. Os dois festivais duravam oito dias. Com o tempo, o próprio festival da Páscoa teve alguns ajustes.


Há muito debate sobre o significado do pão não levedado. O fermento tem sido interpretado como símbolo do pecado, impureza e corrupção moral. Paulo atribui essa conotação negativa ao fermento (1Co 5:7, 8). Mas é importante notar que o consumo de pão sem fermento aparece em várias circunstâncias relacionadas à pressa, em que não havia muito tempo para a preparação (Gn 19:3; Êx 12:39; 13:6-10).


Na Páscoa, os hebreus deviam comer “ervas amargas” (literalmente, “coisa[s] amarga[s]”. “Embora não seja conhecido o tipo de ‘erva’ usado no Egito, os judeus da Palestina usaram, mais tarde, duas variedades de alface, uma espécie de cardo, endívia [tipo de chicória] e agrião. Alface e endívia são nativas no Egito e na Palestina. A última pode ser encontrada do começo dos meses de inverno [no hemisfério norte] até o fim de março, e a alface em abril e maio. Isso talvez explique o fato de que os judeus consideravam essas plantas ingredientes necessários da refeição pascal. Quaisquer que fossem as ervas amargas usadas, é óbvio que seu objetivo era lembrar os participantes a respeito de sua servidão e sofrimento amargo na terra do Egito.”6


Naturalmente, os alimentos ingeridos na Páscoa eram mais do que apenas ervas amargas e carne de carneiro, assim como os alimentos da Ceia não eram apenas vinho e pão. Eles tinham um significado espiritual. Comer, uma atividade comum e essencial para a vida, pode ser um ato sagrado e tornar-se um ritual religioso. Não por acaso, na Bíblia, o ato de comer é frequentemente associado ao sacrifício. 


Comer pode ser um gesto de amizade e reconciliação, uma expressão de alegria e gratidão.


Como destaca a antropóloga Gillian Feeley-Harnik, as refeições representavam o “comportamento apropriado” entre grupos sociais em relação uns aos outros e a Deus. “Quem pode comer o que e com quem é uma expressão direta das relações sociais, políticas e religiosas.” O alimento era “uma das mais importantes linguagens” que os judeus usavam para “expressar relações” entre as pessoas e entre os seres humanos e Deus. No período intertestamentário, as leis dietéticas se tornaram a base para a distinção social entre judeus e não judeus. “Os cristãos do I século d.C., como judeus praticantes, usaram a linguagem do alimento para estabelecer a legitimidade de Jesus e a novidade de sua interpretação da lei, que requeria diferentes tipos de relações entre seres humanos e Deus do que aqueles advogados por outros judeus sectários.”7


Há uma discussão acadêmica sobre a questão de a Ceia ser uma espécie de nova Páscoa ou não. Alguns estudiosos acham que se tratava de outro tipo de ritual.8 Mas parece não haver dúvida de que a Ceia é a Páscoa cristã. Entre os argumentos apoiando esta ideia estão os seguintes:9


  1. Há declarações explícitas nos evangelhos sinóticos indicando essa relação.
  2. A refeição de Jesus e dos discípulos foi feita à noite, como ordenado em relação à Páscoa.
  3. Os participantes ficaram reclinados em vez de manter a postura normal de ficar sentados durante as refeições comuns.
  4. Os participantes tomaram vinho, como prescrito para a Páscoa.
  5. A refeição foi encerrada com um hino, o que aponta para o Hallel (recitação de salmos como forma de oração e louvor) no fim da ceia pascal.
  6. Após a Ceia, Jesus foi para o Getsêmani e não para Betânia. Este local ficava fora da área para onde alguém poderia ir durante a noite de Páscoa, enquanto o Getsêmani não ficava.
  7. As palavras ditas por Jesus durante a instituição da Ceia têm paralelo com o costume do oficiante da Páscoa de explicar o significado dessa cerimônia durante o ritual.

A Páscoa tinha que ver com liberdade e, portanto, era um tipo de Cristo, nosso “Cordeiro pascal” e Libertador da escravidão do pecado. A Ceia do Senhor, como Páscoa cristã, também celebra a salvação de Deus. Ambos os rituais foram instituídos para simbolizar realidades muito importantes. Se o ser humano tem o poder de transformar metais e pedras comuns, por exemplo, em símbolos de relações ternas e eternas, o poder de Deus é muito maior! Ele pode pegar um alimento comum e dar-lhe um sentido transcendental.


Tanto a Páscoa quanto a Ceia são refeições rituais, com explicações, simbolismos, celebrações periódicas e regras específicas. São memoriais de eventos fundamentais na história do povo de Deus. Ao mesmo tempo em que a Ceia ligava a experiência dos primeiros cristãos com a história judaica, ela os distinguia como povo especial. Embora os rituais fossem diferentes, as funções eram similares. Havia uma conexão histórica, tipológica, ritual e espiritual.
Ellen White comenta: “Conquanto a instituição da Páscoa apontasse para trás, ao maravilhoso livramento dos hebreus, ela também apontava para a frente, mostrando a morte do Filho de Deus antes que ocorresse. Na última Páscoa que nosso Senhor observou com Seus discípulos, Ele instituiu a Ceia do Senhor em lugar da Páscoa, para que fosse observada em memória de Sua morte. Não tinham mais necessidade da Páscoa, pois Ele, o grande Cordeiro antitípico, estava pronto para ser sacrificado pelos pecados do mundo. O tipo encontrou o antítipo na morte de Cristo.”10 


Na mesma linha, ela enfatiza: “Quando o Salvador rendeu Sua vida no Calvário, cessou a significação da Páscoa, e a ordenança da Ceia do Senhor foi instituída como memorial do mesmo acontecimento de que a Páscoa fora tipo.”11


Para os cristãos, portanto, a Ceia do Senhor tem imenso valor. Trata-se de um evento simples, em que o povo de Deus come e bebe junto, mas com múltiplos e profundos significados. É um convite para encontrar Cristo, se identificar com Ele e unir-se a Ele pela presença do Espírito Santo. Enquanto o primeiro casal pecou e morreu ao comer com incredulidade e desobediência, os crentes recebem vida ao comer/beber com fé e obediência.


Vivendo sob uma nuvem


Muita gente vive tentando descobrir qual é a vontade de Deus. Alguns se perguntam: “Será que devo ir ou ficar? Devo casar ou comprar um carro? Devo estudar teologia ou medicina?” Seria bom se Deus desse uma resposta direta, não é? Pois bem, no tempo de Moisés, isso ocorria. Deus Se manifestava com frequência através de uma nuvem. Isso não quer dizer que Ele esteja mais distante hoje. Significa que deseja que usemos nossa razão e sigamos as instruções dadas.


De qualquer modo, naquela época, era assim que as coisas funcionavam. Deus Se manifestava de modo visível e quase tangível. A teofania (isto é, a manifestação de Deus) é um motivo recorrente no livro de Êxodo e também recebe destaque em Números. A presença de Deus era representada pela nuvem de dia e o pilar de fogo à noite, fenômeno que guiou e protegeu o povo de Israel desde a saída do Egito até a entrada em Canaã e depois sinalizou a presença divina no santuário e no templo. Diz o relato: “Durante o dia o Senhor ia adiante deles, numa coluna de nuvem, para guiá-los no caminho, e de noite, numa coluna de fogo, para iluminá-los, e assim podiam caminhar de dia e de noite. A coluna de nuvem não se afastava do povo de dia, nem a coluna de fogo, de noite” (Êx 13:21, 22). No cânon do Antigo Testamento, a expressão “coluna de nuvem” é usada somente treze vezes, mas o conceito aparece muito mais.


Em nosso dia a dia, nuvem geralmente é sinônimo de coisa ruim, especialmente quando uma “nuvem escura” paira sobre a cabeça de alguém. Mas, no caso de Israel, a situação era diferente. Naquele contexto cultural, a manifestação de Deus na nuvem ou no fogo era sinal do favor divino. A nuvem representava proteção, providência, liderança, direção, julgamento quando necessário e descanso. Era, ao mesmo tempo, escudo, ar-condicionado, GPS...


Por isso, quando você achar que há uma nuvem sobre sua cabeça, saiba que ela pode ser uma nuvem boa, se fizer você olhar para cima e buscar a direção de Deus. O problema é que, às vezes, somos muito vagarosos ou apressados e não queremos seguir o ritmo da nuvem. Porém, você pode ter certeza de que Deus conhece o ritmo adequado e o melhor caminho.


Mesmo quando a nuvem divina guiava o povo pelos lugares mais difíceis, Deus sabia o que estava fazendo, pois Israel não estava preparado para passar pelo caminho mais fácil, no litoral, onde poderia ter que enfrentar inimigos mais fortes. Agora, para seguir a nuvem e viver sob a nuvem, é preciso ter fé e confiança.


O povo de Israel era muito privilegiado por ter a presença divina em seu meio. Imagine então o privilégio de Moisés, com quem Deus falava face a face (panim el panim)! Somente nos dez primeiros capítulos de Números, a expressão “Deus disse a Moisés” aparece 23 vezes. Não foi por acaso que Moisés argumentou com Deus que, se a presença divina não fosse com o povo, então ele também não iria, pois a presença divina era o diferencial de Israel em relação às outras nações (Êx 33).


Um lugar especial da revelação de Deus a Moisés era a tenda do encontro, ou, como diz o Targum Onqelos, a “tenda do lugar da instrução”. Essa tenda era “uma espécie de ponto de teofania pós-Sinai”.12 Contudo, o plano de Deus não era de Se manifestar apenas a Moisés, mas habitar no meio do povo, no santuário.


“O propósito para o êxodo do Egito era que Deus pudesse habitar no meio de Seu povo. A vinda da presença gloriosa de Deus ao recém-construído tabernáculo forma o clímax do livro do Êxodo (40:34).”13 


Se a nuvem era um tipo de templo móvel, o tabernáculo seria “uma espécie de Sinai móvel”.14 Só para lembrar, o Sinai era o monte das revelações de Deus, o lugar em que Ele deu a lei a Moisés e, por extensão, a Israel e ao mundo.


Às vezes, não paramos para apreciar devidamente a importância da presença de Deus conosco, mas deveríamos fazê-lo. Talvez os israelitas piedosos valorizassem mais essa presença do que nós. O templo se tornou tão fundamental na vida espiritual, social e econômica de Israel porque a presença de Deus era percebida ali. “Jerusalém era preciosa para os crentes do Antigo Testamento porque o templo estava lá, e o templo era precioso para eles porque Deus estava lá.”15


Especificamente, quem estava na nuvem? Em Êxodo 33:20, a “presença” de Deus é, literalmente, a “face” de Deus. Portanto, a presença de Deus é o próprio Deus. Porém, podemos avançar um pouco mais. Se interpreto corretamente os dados bíblicos, eu diria que a melhor resposta é: o Espírito Santo. Ou seja, Deus manifestava Sua glória na nuvem através do Espírito Santo.


Note que, em Êxodo 14:19 e 20, há uma clara distinção entre o anjo de Deus (mal’ak ha’elohim) e o pilar de fogo e nuvem: “A seguir o anjo de Deus que ia à frente dos exércitos de Israel retirou-se, colocando-se atrás deles. A coluna de nuvem também saiu da frente deles e se pôs atrás, entre os egípcios e os israelitas. A nuvem trouxe trevas para um e luz para o outro, de modo que os egípcios não puderam aproximar-se dos israelitas durante toda a noite.” Isso indica que o anjo de Yahweh não era identificado com a nuvem.


Isaías (63:9, 10), aparentemente se referindo ao mesmo episódio, também faz uma diferença entre o anjo da presença de Deus e o Espírito Santo: “Em toda a aflição do Seu povo Ele também Se afligiu, e o anjo da Sua presença os salvou. Em Seu amor e em Sua misericórdia Ele os resgatou; foi Ele que sempre os levantou e os conduziu nos dias passados. Apesar disso, eles se revoltaram e entristeceram o Seu Espírito Santo. Por isso Ele Se tornou inimigo deles e lutou pessoalmente contra eles.”


Esse texto, ao lado de outros, como Neemias 9:12-20, que também menciona o “bom Espírito” de Deus instruindo o povo de Israel, permite dizer que o Espírito Santo era a glória divina na forma de uma nuvem. Há uma impressionante correspondência entre o trabalho do Espírito e a função da coluna de nuvem e fogo. Podemos dizer que a nuvem de glória do Antigo Testamento tipificava a presença do Espírito Santo no Novo Testamento.


Essa presença gloriosa de Deus se manifestou de modo especial na vida de Jesus. Diz João (1:14): “Aquele que é a Palavra tornou-Se carne e viveu [no grego, skenoo, literalmente ‘tabernaculou’] entre nós. Vimos a Sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade.” E a mesma presença deve se manifestar na vida dos crentes, que são templos nos quais Deus habita e resplandece através do Espírito Santo (1Co 3:16, 17; 2Co 3:17, 18).


De passagem, vale mencionar que, como adventistas, devemos sempre olhar para o céu em busca da nuvem que, por ocasião da volta de Jesus, manifestará novamente a presença de Deus e nos guiará para a verdadeira terra prometida.


O toque das trombetas


Assim como a coluna de nuvem controlava os movimentos do povo, as trombetas também tinham essa finalidade. Além disso, convocavam os líderes, os soldados e o povo para a guerra e a adoração. Toques longos eram usados para reunir todo o povo; toques a rebate eram sinais para a batalha ou a partida. Em tempo de guerra e crise, os toques das trombetas eram como um lembrete a Deus de que Seu povo precisava de ajuda. Ou seja, eram um pedido de socorro, uma oração coletiva. E, em momentos de alegria, o som das trombetas anunciava as bênçãos de Deus.


Mas é bom saber de que trombetas estamos falando, pois havia mais de um tipo de trombeta naquela época. Diferentes instrumentos expressam necessidades, sentimentos e emoções diferentes.


A Bíblia menciona dois instrumentos feitos de chifres de animais: o shofar e o qeren. O toque do shofar, mencionado 72 vezes e geralmente traduzido como corneta e trombeta, foi usado, por exemplo, para advertir o povo sobre a manifestação de Deus no Sinai, sinalizar a queda do muro de Jericó, anunciar a coroação do rei Salomão, relembrar a chegada da lua nova e proclamar o ano do jubileu. Apenas em casos excepcionais, era usado como instrumento musical em si. Apesar disso, é o único instrumento musical antigo ainda usado nas sinagogas judaicas.


Porém, este não é o tipo de instrumento que encontramos em Números 10:1 e 2. A trombeta mencionada ali era feita de metal e chamada em hebraico chotzotzerah, palavra que ocorre 28 vezes no plural e uma no singular no Antigo Testamento. 


Descrevendo a construção dessas trombetas, Josefo16 diz que eram tubos retos, com quase um cúbito de comprimento (cerca de 50 cm), mais grossos do que uma flauta e terminando em formato de sino. Moedas judaicas do II século d.C. retratam trombetas que parecem com a descrição do historiador, embora outra representação de um par de trombetas do templo mostre-as como sendo mais longas.


Para nós, as trombetas podem já não ser tão importantes, mas elas ainda conservam um simbolismo especial. É ao som da última trombeta, quando Jesus voltar, que os mortos voltarão à vida, os vivos serão transformados e os anjos reunirão os eleitos (Mt 24:31; 1Co 15:52). Se em alguns lugares os fiéis costumam ser chamados à adoração pelos sinos, no fim dos tempos eles serão convocados pelas trombetas.


Por isso, para concluir à moda de João no Apocalipse, quem tem olhos olhe para a nuvem e quem tem ouvidos ouça a trombeta. Use todos os sentidos para perceber os movimentos e a direção de Deus.



  1. Roy Gane, Bajo la Sombra de la Shekina (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 2009), 37.
  2. Todas as citações bíblicas são da Nova Versão Internacional.
  3. C. E. Armerding, “Festivals and Feasts”, em Dictionary of the Old Testament: Pentateuch, editado por T. Desmond Alexander e David W. Baker (Downers Grove: InterVarsity, 2003), 312.
  4. Ver Federico M. Colautti, Passover in the Works of Josephus (Leiden: Brill, 2002).
  5. Tamara Prosic, “Passover in Biblical Narratives”, Journal for the Study of the Old Testament 82 (1999):  47. Ver Erwin R. Goodenough, Jewish Symbols in the Greco-Roman Period, edição abreviada (Princeton: Princeton University Press, 1988), 49-51.
  6. Francis D. Nichol, editor, The Seventh-day Adventist Bible Commentary, edição eletrônica (Hagerstown: Review and Herald, 2002), 1:551.
  7. Gillian Feeley-Harnik, The Lord’s Table: Eucharist and Passover in Early Christianity (Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1981), 2, 19, 95, 96, 166.
  8. Ver, por exemplo, os argumentos apresentados por Mark A. Throntveit, “The Lord’s Supper as New Testament, Not New Passover”, Lutheran Quarterly 11 (1997): 271-289. Como diz o título do artigo, Throntveit favorece a ideia de que a Ceia é um testamento da última vontade de Cristo, e não uma nova Páscoa.
  9. Os argumentos a seguir foram listados por Leon Morris, que se baseia, em grande parte, em uma importante obra de Joachim Jeremias sobre o assunto. Os dois autores discutem também os argumentos contrários a esse ponto de vista. Ver Leon Morris, The Gospel According to John, edição revisada (Grand Rapids: Eerdmans, 1995), 684-687; e Joachim Jeremias, The Eucharistic Words of Jesus (Philadelphia: Fortress, 1966).
  10. Ellen G. White, “The Life of Christ”, Youth's Instructor, 1o de maio de 1873.
  11. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CD-Rom]), 539.
  12. John Durham, Exodus (Waco: Word, 1987), 440.
  13. B. T. Arnold e B. E. Beyer, Encountering the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 1999), 114.
  14. R. E. Averbeck, “Tabernacle”, em Dictionary of the Old Testament: Pentateuch, editado por T. Desmond Alexander e David W. Baker (Downers Grove: InterVarsity, 2003), 824.
  15. James M. Hamilton Jr, God’s Indwelling Presence: The Holy Spirit in the Old & New Testaments (Nashville: B & H Academic, 2006), 38.
  16. Antiguidades 3.12.6.

Marcos De Benedicto, DMin
Editor de livros na Casa Publicadora Brasileira



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