Como não poderia deixar de ser, o primeiro estudo do trimestre é de caráter introdutório à epístola aos Romanos. A introdução a um livro ou epístola da Bíblia envolve seu fundo histórico e atende a questões do tipo:
Todas as evidências externas e internas da epístola apontam Paulo como autor. Nas palavras de F. W. Beare, “existem claras evidências de seu uso por outros escritores cristãos antes do fim do primeiro século e na primeira metade do segundo...; e antes do fim do segundo século é alistada e citada sob o nome de Paulo. Cada listagem das Escrituras cristãs que tem chegado até nós inclui Romanos entre as cartas de Paulo. A evidência externa de autenticidade não poderia ser mais forte, e a evidência interna suporta plenamente a tradição. A carta pertence à primeira geração da igreja, e existe muito nela que não poderia ser razoavelmente relacionado a nenhuma situação posterior; a linguagem inclui grupos de palavras e frases que são caracteristicamente do vocabulário de Paulo; e não existe nada que sugira a mentalidade ou o treino de um escritor que não pudesse ser identificado com o apóstolo” (The Interpreter’s Dictionary of the Bible, 4:112).
As outras questões são respondidas nos primeiro e segundo estudos; as seguintes abordam algo mais sobre o autor e destinatários.
Reforçando o que a lição afirma, exponho o seguinte:
Algumas evidências internas de Romanos deixam claro onde Paulo se encontrava ao escrever a epístola:
(1) ele estava para ir a Jerusalém com as ofertas para os pobres da igreja (15:25, 26).
(2) as ofertas eram da Macedônia e Acaia, ou Grécia. Paulo deveria estar nas proximidades desses locais.
(3) ele cita Cencreia, a região do porto de Corinto, recomendando a Febe, diaconisa daquela igreja e possível portadora da epístola (16:1).
(4) Gaio era o anfitrião de Paulo (16:23); o apóstolo o batizara em Corinto (1Co 1:14).
Concluímos que Paulo escreveu aos Romanos da casa de Gaio em Cencreia.
Quanto à ocasião, devemos lembrar que Paulo visitou Corinto em sua segunda viagem, ali permanecendo por um ano e meio (At 18:11).
Paulo diz que ia a Jerusalém para levar as ofertas trazidas desde a Macedônia e Acaia (At 24:17), item referido
Foi em sua terceira viagem, antes de voltar a Corinto, que Paulo passou pela Galácia onde tomou conhecimento do problema do legalismo que abalava a estrutura espiritual das igrejas daquela região. Por obra de elementos cristãos/judaizantes, o autêntico evangelho de Cristo estava sendo suplantado por outros de qualidade espúria. Paulo chamou esse evangelho de anátema, maldição, pois as obras concorrentes para o mérito humano estavam sendo impostas como meio de salvação, em lugar da fé.
A lição observa que Paulo deve ter temido que esses elementos chegassem a Roma antes dele e contaminassem com suas heresias a igreja naquela cidade. Daí ter escrito aos cristãos romanos uma epístola tratando do mesmo assunto da epístola aos Gálatas: justificação pela fé. Para isso concorre a ideia de que Paulo teria escrito aos Gálatas do mesmo local e na mesma época de onde e quando escreveu aos Romanos.
Em que pese a importância de toda essa situação corrente naqueles dias, em minha humilde opinião, o propósito da epístola aos Romanos se prendeu apenas indiretamente ao que vinha acontecendo e tinha acontecido particularmente na Galácia, e abrange mais que o tratamento de alguma problemática teológica entre os cristãos em Roma; em outras palavras, o propósito de Romanos difere daquele de Gálatas. Tratarei desse ponto no comentário à lição de amanhã.
Veremos agora o propósito da epístola aos Romanos: por que Paulo lhes escreveu? Entendo que esse propósito é vinculado ao plano do apóstolo de visitar os cristãos daquela cidade e o texto da pergunta 2, Rm 15:20-27, é fundamental para que dele nos apercebamos.
Assim, a razão porque Paulo escreveu aos crentes romanos difere daquela que motivou outras de suas epístolas. Gálatas e 1 Coríntios, por exemplo, foram escritas para defrontar problemas existentes nas respectivas igrejas, a primeira de cunho mais pastoral, e a segunda, de cunho mais teológico. Paulo não escreveu Romanos com esse objetivo, embora não ignorasse a existência de problemas de menor grandeza entre aqueles crentes e lhes apresentasse seu aconselhamento apostólico (ver o capítulo 14).
O propósito de lhes escrever, como acima aludido, fundamentou-se em sua perspectiva missionária. Ele entendeu que havia praticamente encerrado seu plano de trabalho na Ásia Menor e na região egeana (Grécia e Macedônia, 15:23), e agora alimentava a expectativa de penetrar em território virgem, principalmente em direção ao ocidente mais distante. A Espanha, a província ocidental romana mais afastada, era vista por ele com especial interesse (v. 24). Ele considerava Roma não um fim em si mesmo, mas um meio de cumprir as novas aspirações missionárias, o trampolim ideal de onde poderia saltar para as novas conquistas de seu ministério.
Ele sabia quão decisivo seria o apoio dos crentes de Roma para a consecução de seu ideal. Ele nunca havia estado na capital do império, pelo menos como pregador, e não conhecia a maior parte dos cristãos ali residentes. Uma carta proveria a necessária aproximação do apóstolo a esses crentes, e os induziria a compartilhar seu interesse, preparando-os para recebê-lo e apoiá-lo em seu projeto.
Mas por que Paulo abordou justamente nessa epístola, e da maneira como o fez, o tema da justificação pela fé? Como se relaciona isso com sua projetada missão?
Devemos observar como Paulo, em Romanos, se defende ciosamente de acusações infundadas da parte de falsos irmãos, seus adversários (3:8, 31; 6:1). Mediante distorcidas interpretações de seu ensino, engendravam conclusões absurdas que, atribuídas a ele, certamente resultavam em mal-entendidos e o colocavam em situação desfavorável junto aos companheiros de fé.
É provável que Paulo temesse que comentários negativos acerca de sua mensagem e pessoa estivessem sendo veiculados em Roma, e que ele estivesse sendo vítima de elementos maledicentes, que queriam prejudicar seu trabalho, como mais tarde ele verificou estar acontecendo entre os crentes de Jerusalém (ver At 21:20, 21). Como, então, poderia contar com o desejado apoio daqueles irmãos, muitos dos quais eram judeus? Eles tinham que ser esclarecidos.
Escreveu-lhes, portanto, expondo da maneira mais detalhada possível sua principal mensagem, precisamente aquela que mais controvérsia suscitava, levando-os a conhecer por sua própria voz e punho a substância do seu ensino, contestando à altura as acusações que lhe eram feitas, e deixando ver que ele apenas cumpria a missão que o próprio Senhor lhe havia confiado (Rm 15:15-21).
Ele não era um traidor de seus compatriotas, muito menos da fé. Bem ao contrário, amava-os a ponto de estar disposto a abrir mão da salvação, se isso fosse de algum benefício para eles (9:1-3). Como prova adicional de seu interesse pelos judeus, mencionou estar indo a Jerusalém portando uma oferta arrecadada entre os gentios por sua iniciativa, para fazer face às necessidades deles (15:25-27).
Levando tudo isso em conta, é provável também que Paulo olhasse para Roma como uma posterior central evangelística, de onde a mensagem pudesse alcançar os rincões mais distantes do mundo.
A chegada do apóstolo à capital do império foi um tanto diversa daquela que ele inicialmente planejara ao escrever aos romanos: Foi levado para lá acorrentado, para ser julgado por César. A lição recorda que, às vezes, a maneira de Deus conduzir os acontecimentos é inesperada e não coincide com o que pretendíamos, mesmo com os bons propósitos que tínhamos
Fatos ocorridos no transcurso de uns cinco ou seis duros anos para Paulo antes de ser levado para Roma: foi agredido e preso em Jerusalém (21:27-32), apresentou sua defesa diante de multidão desvairada (22:1-21) e então, perante o Sinédrio (23:1-10), daí, como proteção de uma cilada armada pelos judeus, foi levado para o cárcere em Cesareia (v. 12-30), onde, finalmente, se submeteu a um julgamento preliminar, inicialmente perante Félix (24:1-21), e depois, perante Festo e Agripa (caps. 25, 26), sendo finalmente encaminhado a Roma para ser julgado pelo próprio imperador (caps. 27, 28).
Nada disso, porém, abateu o ânimo e espírito missionário de Paulo. Ele tinha plena convicção de que a forma pela qual Deus conduzia as coisas concorreria para que ele cumprisse cabalmente sua missão, e era isso o que importava (ver Fl 1:12-14). Agora, as circunstâncias lhe haviam oferecido o ensejo de testemunhar de sua fé perante os próprios governantes do império, e ele não hesitou em apelar para o tribunal de César, um direito que lhe cabia por sua cidadania romana (25:10-12). O resultado foi que vários da “casa de César” se converteram (Fl 4:21, 22).
Nos primeiros parágrafos do capítulo 40 de Atos dos Apóstolos,Ellen G. White oferece emocionante descrição de como os cristãos de Roma (muitos dos quais haviam sido ganhos por Paulo em suas viagens missionárias) manifestaram seu carinho e apreço pelo encanecido e aprisionado apóstolo, mesmo antes de ele chegar à grande metrópole. Destaco apenas estas palavras:
“Desde que receberam a epístola de Paulo aos Romanos, os cristãos da Itália tinham avidamente desejado uma visita do apóstolo. Não haviam imaginado vê-lo como prisioneiro, mas seus sofrimentos apenas o tornaram mais querido deles...
“Os amantes discípulos ansiosamente afluem ao redor de seu pai no evangelho, obrigando todo o cortejo a parar... Na face macerada e batida pela dor, os discípulos viram refletida a imagem de Cristo. Asseguraram a Paulo que nunca o esqueceram nem deixaram de amá-lo; que lhe eram devedores pela feliz esperança que lhes animava a vida, e lhes dava paz para com Deus. Na ardência de seu amor, o levariam nos ombros todo o caminho até à cidade, fosse-lhes dado esse privilégio” (p. 447-449).
O verbo chamar, identificando um ato soberano de Deus objetivando a salvação, tem sido ponto de controvérsia entre os que estudam a Bíblia. Existem aqueles que imaginam que Deus não chama a todos porque não tem destinado a todos para ser salvos. Isso é grave equívoco que põe em cheque o amor e a fidelidade de Deus para com a raça perdida. A Bíblia afirma categoricamente que Deus deseja a salvação de todos (1Tm 2:4; 2Pe 3:9). Então, como a lição afirma, “todos foram chamados para ser salvos nEle [em Jesus], ‘chamados para serem santos’ mesmo antes da fundação do mundo.”
Todavia, embora Deus anseie pela salvação de cada ser humano, nem todos se salvarão. Por quê? Porque nem todos atenderão ao chamado de Deus. A salvação só é conferida a quem decide por ela, a quem a deseja. Deus ama a todos, ímpios e justos, mas os primeiros não correspondem ao amor divino e, quando não correspondido, “o amor é limitado em sua expressão mais plena”, isto é, ele não alcança tudo o que poderia.
“Chamados para serem santos” – Aqui vemos não somente a iniciativa de Deus (“chamados”), mas igualmente Seu propósito (“serem santos”). Deus nunca age sem um objetivo. “Para serdes santos” significa para alcançar a semelhança com Seu Filho, Jesus, o ideal mais elevando que pode ser colocado diante de alguém.
Aqui temos um processo de causa e efeito: porque somos chamados, nos tornaremos santos, desde que aceitemos, é claro, o chamado.Santo tem o sentido primário de separado para ser santo. O grande propósito de Deus para com o pecador ao chamá-lo através do evangelho que justifica é que ele seja santo, isto é, que finalmente reflita em sua vida a semelhança com Cristo. Neste ponto, devemos lembrar que a justificação pela fé, o grande tema da epístola, traz em seu bojo a experiência da santificação, e que uma coisa não pode ser desvinculada da outra, como não se pode pensar separadamente em uma árvore e seus frutos.
A lição observa que não é sabido como foi fundada a congregação de Roma. Aqui há três hipóteses, a terceira sendo a mais plausível:
(1) Uma antiga tradição atribui a Barnabé o privilégio da primeira pregação em Roma.
(2) Outra tradição alude a uma viagem de Pedro a Roma em 42, e que ele, então, teria fundado a congregação. Por motivos óbvios, essa tradição é muito apreciada pelo catolicismo.
(3) O mais provável, todavia, é que nem Pedro, nem outro apóstolo, nem algum antigo pregador de destaque, e muito menos Paulo, tenha sido o fundador daquela congregação. Ambrósio, comentarista latino do 4º século, lembra que os romanos “sem verem qualquer milagre, ou qualquer dos apóstolos, aceitaram a fé em Cristo.”
Seus primeiros membros foram, com toda a probabilidade, os judeus conversos do dia do Pentecostes (At 2:10).
“Sou grato a meu Deus, mediante Jesus Cristo, por todos vocês...” – Determinado número de membros daquela congregação havia sido ganho por Paulo, mas ele não agradece a Deus só por esses membros, mas “por todos [eles]”; ele era grato a Deus também por aqueles conversos do trabalho de outros pregadores, e, sem dúvida, orava por eles.
Paulo não foi exclusivista. Aos crentes de Corinto ele afirmou: “Eu plantei, Apolo regou, mas o crescimento veio de Deus” (1Co 3:6).
Para Paulo, o que importava era que Cristo fosse anunciado, de uma forma ou outra. Mais tarde, preso em Roma, ele afirmou: “Alguns efetivamente proclamam a Cristo por inveja e porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade; estes, por amor... aqueles, contudo, ... por discórdia, insinceramente... Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado...” (Fl 1:15-18).
“...em todo o mundo está sendo anunciada a fé que vocês têm” (Rm 1:8). O sentido é objetivo e não subjetivo. Paulo não estava dizendo que a fé cristã era proclamada em todo o mundo, mas que a qualidade de fé dos cristãos romanos era avaliada positivamente e admirada por todos. A gratidão de Paulo pela fé dos romanos demonstra que esta é um dom de Deus.
O fato de os cristãos romanos não terem presenciado nenhum milagre, nem visto nenhum dos apóstolos, e terem crido do jeito que criam, valorizava ainda mais a fé revelada por eles.
E certo estou, meus irmãos, sim, eu mesmo, a vosso respeito, de que estais possuídos de bondade, cheios de todo o conhecimento, aptos para vos admoestardes uns aos outros. (Rom 15:14) é referido pela lição como contendo três ingredientes essenciais de uma igreja plena de fé, zelosa e fiel:
Assim, aquela congregação não apenas possuía fé autêntica e admirável, mas se encontrava em constante progresso. É uma tremenda ironia da história que, mais tarde, aquela metrópole viesse a comportar a sede da apostasia cristã. O inimigo é astuto, e aos crentes cumpre uma vigilância incansável, inflexível, mesmo obstinada!
Engenheiro Coelho, SP, abril-junho de 2010
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