- Um profeta que não vivia com o povo de Deus nem foi reconhecido como profeta por nenhum escritor bíblico. Proclamava-se capaz de ver e ouvir Deus, mas deixou de atender às instruções mais claras que recebeu diretamente do Senhor, chegando a enxergar menos do que um asno.
- Um rei pagão e trapalhão, a quem o povo de Israel tinha ordens de não atacar, se dispôs a pagar uma quantia incalculável para que o suposto profeta derrotasse os israelitas numa batalha espiritual.
- O povo de Israel foi vitorioso e abençoado enquanto Deus conteve ou dirigiu o estranho profeta, mas caiu fragorosamente diante da sugestão maliciosa do mesmo profeta de se reunir com os midianitas para uma festa em homenagem a Baal.
I. Um rei temeroso e iludido
Época: os fatos narrados em Números 22 a 24 ocorreram durante a última grande parada de Israel, antes de entrar em Canaã. Como aconteceu nas duas paradas prolongadas anteriores (em Sinai e Cades), esse foi um período de preparação, recapitulação das promessas, das leis e também com a ocorrência de apostasia. Isso se deu perto do fim do ano 40 desde a saída do Egito.
Local: Planícies de Moabe, com área de cerca de 150 km2. Algum tempo antes, esse território tinha sido conquistado pelos amorreus, mas conservava o nome dos antigos dominadores. Corresponde a uma parte do que hoje é a Jordânia.
Israel havia peregrinado desde o sul até Basã, ao norte, que se situava a leste do Lago da Galileia, e então voltado para o sul e acampado nessas planícies, em frente a Jericó. Nessa movimentação, havia derrotado os poderosos reis Ogue (de Basã, ao norte) e Seom (dos amorreus, mais ao sul).
O tempo (os 40 anos de peregrinações) estava quase cumprido. Em algum momento viria a ordem para levantar o acampamento, atravessar o Jordão e entrar na Terra Prometida, mas antes de isso ocorrer Israel teve que enfrentar inimigos ocultos como o rei moabita (dos descendentes de Ló), os líderes midianitas (descendentes de Abraão e Quetura), e Balaão, por eles importado a peso de ouro da Mesopotâmia, para lançar maldições contra o povo de Deus.
O rei Balaque (significa saqueador) sabia que não conseguiria vencer Israel numa guerra convencional, por isso teria que apelar para uma guerra espiritual.
Mas ele não confiou nos seus deuses, mandou emissários empreenderem uma viagem de cerca de duas semanas (650 km) para trazerem, a qualquer custo, Balaão, que vivia em Petor, na Mesopotâmia (atual Iraque), o qual conhecia o Deus de Israel.
Ellen White disse: “Balaão havia sido um bom homem e profeta de Deus, mas apostatara e se entregara à cobiça, enquanto professava ainda ser servo do Altíssimo” (Patriarcas e Profetas, p. 439). [Aliás, não deixe de ler todo esse capítulo 40 do livro Profetas e Reis, que dá algumas informações sobre Balaão, as quais diferem de todos os comentaristas bíblicos.]
Voltando a Balaque, nesta primeira parte, a lição leva a duas reflexões:
1. Até o rei moabita havia ouvido sobre os grandes feitos do Deus de Israel e as vitórias de Seu povo, por isso os temia.
2. Como em tantas outras circunstâncias, esse temor, que deveria levar à obediência, acabou desembocando numa solução completamente estranha: chamar um suposto profeta para amaldiçoar o povo abençoado por Deus.
II. Balaão
A Bíblia não dá muitas informações biográficas. Cada personagem aparece pronto, construído, desempenha seu papel e passa para a história, deixando as consequências dos seus atos que interagem com a marcha do povo de Deus.
É isso que ocorre com Balaão. Tudo o que sabemos sobre ele vem da análise de sua participação nesses episódios com Balaque:
1. Devia ser muito famoso como homem de grande poder espiritual para que Baraque tivesse informações sobre ele e tamanha admiração, a ponto de contratá-lo com enormes despesas.
2. Ele vivia longe do povo de Deus, num país distante, mas se comunicava com Deus de maneira direta. Deus lhe respondia e ele entendia claramente a vontade de Deus.
Ele buscava a Deus por sua própria iniciativa (Num. 22:8, 19; Num. 23:3, 15) e Deus ia ao seu encontro (Num. 22:22; 24:1, 2).
3. Apesar dos seus defeitos evidentes (teimoso, ambicioso, mercenário, dissimulado) foi portador de uma importante profecia messiânica.
Não há nenhuma impossibilidade nisso, pois na Bíblia a profecia e outros dons de revelação são considerados sinais de inspiração, mas não de santidade. Deus pode usar qualquer pessoa (ou até um animal, como no caso de Balaão) sem que isso signifique atestado de santidade ou de salvação.
4. Outras informações sobre Balaão aparecem em textos que serão estudados na próxima lição (Nm 25; Num. 31:8-16; Ap 2:14) e outros do Novo Testamento (Jd 11; 2Pe 2:15).
III. Confronto sobrenatural
Nesta parte, a lição analisa o episódio da jumenta, que o apóstolo Pedro (2Pe 2:16) chamou de a insensatez do profeta.
Veja esta contribuição de Gordon Wenham: “Da mesma forma que Balaão cavalga sua mula até ser detida pelo anjo do Senhor, Balaque igualmente impulsiona Balaão a amaldiçoar Israel até que é detido pelo seu encontro com Deus. Da mesma forma como Deus abriu a boca da mula, Ele colocou as Suas palavras na boca de Balaão, para declarar a Sua vontade. Este paralelismo entre Balaão e a mula sugere que a capacidade de declarar a palavra de Deus não é necessariamente sinal de santidade de Balaão; revela apenas que Deus pode usar qualquer pessoa (e até um animal) para ser Seu porta-voz.”
Noutro ponto, o mesmo teólogo destaca: “Os atos e palavras da mula preveem os problemas que Balaão estava para enfrentar. A mula ficou três vezes entre a espada do anjo e a vara de Balaão. Logo Balaão iria se encontrar três vezes entre os pedidos de Balaque e as proibições de Deus. Mediante esse terceiro encontro com Deus, Balaão ficou sabendo que Deus usa uma espada, e que a desobediência significa morte.”
O mesmo Deus que abriu a boca da jumenta também abriu os olhos de Balaão para que visse o Anjo temível que estava no caminho com sua espada desembainhada. Finalmente, Balaão fez alguma coisa certa e se prostrou com o rosto em terra, e o Anjo lhe disse que a jumenta tinha salvo sua vida.
Em seguida, Balaão disse: “pequei” (Num. 22:34) e, surpreendentemente, o Anjo do Senhor lhe disse: “Vai com esses homens” (Num. 22:35, comparar com v. 20), mas para declarar as palavras de Deus e não para se submeter aos desejos de Balaque.
Feito esse acordo com Deus, Balaão concluiu a viagem e se apresentou a Balaque, antecipando que ele não estava livre a não ser para falar o que o Senhor colocasse em seus lábios.
IV. “A morte dos justos”
Esta parte da lição se refere aos capítulos 23 e 24 de Números, os quais apresentam as primeiras três bênçãos ou profecias de Balaão proferidas à vista do povo de Deus.
Como preparação, Balaão orientou Balaque a construir sete altares e sobre cada um sacrificasse um bezerro e um carneiro, e ainda pediu que Balaque se envolvesse pessoalmente e ficasse junto ao holocausto até que Deus desse ao profeta as palavras que deveria dizer.
Balaão se afastou e buscou a orientação de Deus. Como resposta, veio uma profecia. O mesmo aconteceu após mais duas tentativas ou insistências de Balaque, sempre precedidas da mesma preparação.
1. A primeira profecia (Num. 23:7-10):
Este povo habitará só (“não será considerado como qualquer nação”, diz a NVI). Conforme a profecia, antes dada a Abraão, não se poderá contar o número dos seus descendentes. Deus tem um fim glorioso para todos os que fazem parte (verdadeiramente) do Seu povo (tanto que o próprio Balaão gostaria de ser incluído nessa bênção).
2. A segunda profecia (Num. 23:21-24):
O Senhor é o Deus e o Rei de Israel. Ele já havia provado isso por muitas evidências e jamais desapontaria o Seu povo. Esse povo se levantará como um leão e prosseguirá vitorioso até derrotar o último dos seus inimigos.
3. A terceira profecia (Num. 24: 5-9):
Assim como Israel estava acampado de forma ordeira e bela, o futuro da nação seria de progresso e prosperidade, com completa supremacia sobre seus inimigos. Israel seria abençoado e seria também uma bênção entre as nações.
O relato bíblico informa que, após pronunciar esse oráculo, Balaque perdeu completamente a paciência com o profeta que trouxera de tão longe, prometendo régio pagamento para que amaldiçoasse Israel. Interrompeu-o batendo palmas (Num. 24:10) e o despediu sem pagamento nenhum.
V. Estrela e cetro
Antes de ir embora, Balaão fez uma profecia final, apoteótica, sem aqueles elaborados sacrifícios preliminares, e é dessa quarta profecia de Balaão que trata a lição a seguir.
4. A quarta profecia (Num. 24:15-25):
Uma estrela procederá de Jacó, o Rei que reinará em Israel no futuro (o profeta sentia uma lacuna cronológica entre a sua visão e a vinda do Messias) vencerá a todos os inimigos (e Balaão cita os inimigos daquele tempo como exemplos da dominação e vitória final do Messias).
No decorrer dos séculos, essa profecia foi considerada uma visão do Messias, cujo nascimento seria marcado pelo aparecimento de uma estrela do oriente.
É impressionante Deus ter dado essas profecias através de um ex-profeta ganancioso ou apostatado em vez de colocar as palavras nos lábios de um consagrado profeta de Israel.
As profecias de Balaão foram citadas por profetas posteriores (Jr 48:45 cita Nm 24:17; Dn 11:30 cita Nm 24:24; e Sl 110 contém várias alusões a Nm 24:15-19).
Nota final: Veja no estudo da próxima semana outra reviravolta surpreendente na vida de Balaão e seu fim trágico, o que justifica as menções nada elogiosas do Novo Testamento ao personagem desta semana.
Márcio Dias Guarda
Mestre em Teologia
Editor de Livros na Casa Publicadora Brasileira
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