domingo, 15 de novembro de 2009

Sacerdotes e levitas








O estudo da semana passada se encerrou com uma lição significativa, que custou aos israelitas milhares de vidas.


Era muito bom, maravilhoso mesmo, ser a nação escolhida de Deus. Que nação podia se gabar de ter o Deus vivo em seu meio? Que nação jamais cruzara o mar a pé, em seco? Quem jamais ouvira dizer de um povo que recebera do próprio Deus vivo as leis da Aliança? Quem já tivera o privilégio de caminhar pelo deserto amparado pela sombra confortante de uma nuvem que os acompanhava de dia, e de uma coluna de fogo que lhes iluminava o caminho à noite? Eles tinham o testemunho de que o único Deus verdadeiro e vivo estava com eles.


No entanto, esse privilégio, que os teólogos rotulam pela palavra imanência, vinha acompanhado de um “custo”: esse é um Deus “zeloso, que [castiga] os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que [O] desprezam, mas [trata] com bondade até mil gerações aos que [O] amam e obedecem aos [Seus] mandamentos” (Êx 20:5).


Eles se haviam orgulhado da imanência de Deus, mas agora estavam ficando apavorados com Sua transcendência. Com Deus não se brinca! É maravilhoso viver sob Sua bondade, mas é terrível enfrentar Sua ira. 

Se, em anos passados, o povo havia perdido de vista o necessário equilíbrio entre esses dois atributos, lançando sobre os pecadores os terrores da ira de um Deus zangado, hoje, o desequilíbrio pende para o lado da imanência. Para muitos, Deus é um “Paizão”, “o Cara lá de cima” (como diz certa figura da TV), que ama, perdoa e tolera. Não podemos nos esquecer de Sua transcendência. Nosso Deus é digno de toda a nossa reverência, respeito e obediência. Se não for essa nossa atitude, sofreremos o mesmo terror dos israelitas no deserto: “‘Nós morreremos! Estamos perdidos, estamos todos perdidos! Todo aquele que se aproximar do santuário do Senhor morrerá! Será que todos nós vamos morrer?’” (Nm 17:12, 13).



Divisão de trabalho


É nesse contexto que tem início o estudo desta semana. Um povo que toma consciência da grandeza e majestade de Deus e teme por sua sobrevivência.


E o Senhor, com Sua grande magnanimidade, atende ao anseio de Seu povo, dando-lhe a proteção de Seus sacerdotes e levitas: “Vocês [sacerdotes] terão a responsabilidade de cuidar do santuário e do altar, para que não torne a cair a ira divina sobre os israelitas” (Nm 18:5). Grande parte dessas atribuições já fora dada em capítulos anteriores (veja cap. 4), mas, devido ao trauma vivido pelo povo no episódio do capítulo anterior, Deus achou por bem repetir e ampliar essas determinações.


Assim, o Senhor encarregou certas pessoas em especial da tarefa de ministrar perante Ele em favor do povo. É verdade que, em certo sentido, todo o povo seria constituído de “um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Êx 19:6). “De acordo com o plano e propósito divinos, os israelitas deveriam ser um povo igualmente real e sacerdotal. Em um mundo ímpio, eles deveriam ser reis, no sentido moral e espiritual, no sentido de que deveriam prevalecer sobre o reino do pecado (Ap 20:6).”1


E Deus passou a determinar a divisão do trabalho no cuidado do tabernáculo. Entre essas responsabilidades, cabia aos sacerdotes a tarefa de impedir que pessoa alguma se aproximasse do santuário sem um propósito determinado, de apresentar suas ofertas e sacrifícios a Deus.


“Cabia aos sacerdotes oferecer os sacrifícios no altar de bronze no pátio e cumprir todos os deveres sagrados dentro do santuário: a oferta de incenso, cuidar dos pães da proposição, espevitar as lâmpadas e atender aos deveres relacionados com as solenidades como o Dia da Expiação”2


Até aquele momento, Deus Se havia comunicado com Moisés. Por ocasião da designação dos sacerdotes, Ele falou diretamente a Arão (Nm 18:1, 8, 20). “O Senhor deixou claro que era responsabilidade dos sacerdotes ministrar no tabernáculo e guardá-lo da profanação, e era responsabilidade dos levitas assistir os sacerdotes em seu ministério no tabernáculo.”3


A divisão das tarefas dos levitas já foi objeto de estudo anterior. Cada família tinha sua responsabilidade. Os meraritas cuidariam da manutenção e transporte das peças mais pesadas da estrutura. Os gersonitas teriam a tarefa de cuidar das cortinas, coberturas, etc. E os coatitas tinham sob sua responsabilidade os móveis e utensílios mais sagrados do tabernáculo. Todos esses componentes seriam primeiramente cobertos pelos sacerdotes por uma cortina colorida, em seguida, cobertos por uma capa de couro, e só então, os levitas assumiam sua parte no transporte (veja Nm 4) e manejo dos objetos.


Dons do serviço divino


O estudo destaca um ponto interessante: os levitas eram considerados um “presente” aos filhos de Arão. Primeiramente, Deus escolheu os levitas “como um presente para vocês” [os sacerdotes] (18:6). No verso seguinte, Deus afirma que deu a Arão e seus filhos “o serviço do sacerdócio como um presente”.


Certamente, o ministério da casa de Deus era um presente não só à família de Arão, mas a todo o Israel. Agora, o povo tinha a quem recorrer em seu relacionamento com Deus. Se não podiam se aproximar em atitude de desafio do tabernáculo e do altar, a fim de apresentar suas ofertas, eles tinham os levitas e sacerdotes para guiá-los sobre a maneira de fazê-lo e por eles interceder diante de Deus.


Havia certa solidariedade do povo de Israel para com os levitas e sacerdotes. “Os israelitas, em todas as suas festas, admitiam os pobres, os estrangeiros e os levitas, os quais eram ao mesmo tempo ajudantes do sacerdote no santuário, mestres de religião e missionários” (Minha Consagração Hoje [MM 1989/1953], p. 201).


Além dessas tarefas, cabia aos levitas ensinar o povo e participar nos cultos como cantores e músicos.


Guardadas as devidas proporções, talvez pudéssemos afirmar que, em nossos dias, o ministério também é um “presente” de Deus à Igreja. Da mesma forma que no tempo de Israel, embora o ministério seja constituído de homens iguais a qualquer um de nós, sujeitos às mesmas fraquezas, Deus não nos deixou sem um grupo especial de servos com a responsabilidade solene de ensinar e guiar Seu povo nos Seus caminhos, e sujeitos às mesmas sanções, em caso de serem infiéis ao seu mandato.


Sustento do santuário


A instituição do ministério sacerdotal traz embutida uma pergunta óbvia: Quem paga a conta? Isto é, de onde viriam os recursos para manter esse pessoal? Imediatamente depois de esclarecer a divisão das tarefas, Deus passa a responder a essa questão. Novamente, havia uma repetição de certas provisões dadas anteriormente (veja Lv 6:14–7:36; 27:6-33). Essa provisão compensava a inexistência de herança à tribo de Levi. Deus era sua herança. Aquilo que era oferecido a Deus se destinava ao santuário e àqueles que cuidavam de sua manutenção.


Havia dois grupos de fontes de renda sacerdotal: A parte das ofertas sacrificais que não era queimada, considerada santíssima, e que só os sacerdotes podiam comer, e as ofertas descritas simplesmente como santas, concedidas a qualquer membro da família sacerdotal, desde que estivesse ritualmente “limpo”.


Gordon J. Wenhan resume essas ofertas:
  1. A coxa direita e o peito do animal das ofertas pacíficas;
  2. As primícias das colheitas;
  3. Toda coisa consagrada por voto compulsório;
  4. Todos os animais primogênitos. Os animais impuros e os primogênitos humanos seriam resgatados.4
De acordo com Adam Clarke, algumas ofertas eram comidas apenas no santuário. Outras podiam ser comidas apenas em Jerusalém. Uma terceira classe de ofertas podia ser comida em toda a terra de Israel, e havia aquelas que podiam ser comidas em qualquer lugar.5


O resgate dos primogênitos se originou na saída do Egito, quando foram mortos todos os primogênitos das famílias egípcias, mas as famílias hebreias foram poupadas. Daquele dia em diante, Deus declarou que, tendo sido poupados, todos os primogênitos Lhe pertenciam (Nm 3:13). Após a organização do sacerdócio, os primogênitos foram substituídos pelos levitas. Mas perdurou a obrigação de resgatá-los mediante uma oferta especial.


Essas ofertas eram consideradas “uma aliança perpétua de sal”, isto é, uma aliança indissolúvel.


O plano do dízimo


Além das ofertas destinadas aos sacerdotes, Deus estipulou que, visto ter sido Ele a herança da tribo de Levi, sua parte seriam os dízimos de tudo que a terra produzisse (v. 21, 24). E desses dízimos, por sua vez, os levitas deveriam dar o dízimo aos sacerdotes (v. 26). Esse princípio está bem estabelecido na Bíblia. A ninguém cabe o direito de reter o que o Senhor reservou para Si mesmo nem utilizá-lo mediante critério próprio. Os dízimos são do Senhor, e Ele estabeleceu em Sua Palavra como serão aplicados.


“Uma mensagem muito clara, definida, me foi dada para nosso povo. É-me ordenado dizer-lhes que estão cometendo um erro em aplicar os dízimos a vários fins, os quais, embora bons em si mesmos, não são aquilo em que o Senhor disse que o dízimo deve ser aplicado. Os que assim o empregam, estão-se afastando do plano de Deus. Ele os julgará por essas coisas.”6


“Deus tem feito depender a proclamação do evangelho do trabalho e dos donativos de Seu povo. As ofertas voluntárias e os dízimos constituem o meio de manutenção da obra do Senhor. Dos bens confiados aos homens, Deus reclama certa porção - o dízimo.”7


“O dízimo fiel é a porção do Senhor. Retê-lo é roubar a Deus. Todos, alegre, liberal e voluntariamente, devem trazer o dízimo e ofertas à tesouraria do Senhor. Em fazendo isto receberão uma bênção. Não é seguro reter de Deus a parte que Lhe pertence.”8


“Para alguns, Deus confiou riquezas terrenas para serem mantidas em confiança e devolvidas a Ele quando requeridas para levar avante Sua obra na Terra. Ele requer de Seus mordomos um dízimo fiel de todo o seu capital, e em adição ao dízimo, apela por donativos e ofertas.”9


A novilha vermelha


No século 21, é difícil entendermos os rituais de tanto tempo atrás. Tudo pode parecer ser magia, acentuado pelo sacrifício de animais.


No entanto, devemos nos lembrar de que a questão da pureza era extremamente importante para os israelitas. Eles estavam no deserto, em condições extremamente precárias, e a contaminação de uma única pessoa poderia pôr em risco a saúde de todo o acampamento.


“Sem dúvida, a higiene era um dos propósitos por trás dessas leis, mas seu intento também era espiritual: ensinar aos israelitas a diferença entre santidade e pecado e encorajá-los a andar em santidade”10


Cabe neste caso o ritual estabelecido em Números capítulo 19. Escolhia-se uma novilha vermelha, sem mancha. Nenhum fio de pêlo de outra cor deveria ser encontrado na pele do animal, que também não deveria ter nenhum defeito, por mais singelo que fosse.


O ritual foi designado a Eleazar, não a Arão. Como sumo sacerdote, este não deveria se submeter a permanecer impuro até o pôr do sol. E nem Eleazar deveria, ele mesmo, abater o animal, tarefa que cabia a um leigo. A queima da novilha não tinha caráter sacrifical. O verbo usado não era o mesmo empregado para os sacrifícios. O animal era queimado fora do acampamento, distante do tabernáculo, e por um leigo.11 O que tinha valor ritual eram as cinzas. E o abate era realizado por um leigo, não um sacerdote.


Deviam ser acrescentados ao fogo madeira de cedro, hissopo e estofo carmesim. Gordon J. Venhan identifica o hissopo com a manjerona. 12 Wiersbe acrescenta que é uma planta porosa que absorve líquidos.13


Após o abate, Eleazar tomava com um dedo o sangue da novilha e o espargia em direção ao tabernáculo.


“O sangue da novilha não era aparado em alguma vasilha, mas na mão esquerda; então, era transferido para a mão direita e era aspergido, conforme disse Maimônides... Nos dias do segundo templo, esse rito era efetuado no monte das Oliveiras, fora do templo. Mas o templo estava bem diante dos olhos dos sacerdotes, e o sangue era aspergido na sua direção.”14


A aplicação das cinzas. 


Havia três casos nos quais uma pessoa podia se contaminar. Podia tocar um corpo morto; podia entrar na tenda em que alguém havia morrido; ou podia tocar algo que fora contaminado, isto é: quando alguém se contaminava em um dos dois casos anteriores e não se submetia ao ritual de purificação, tudo que essa pessoa tocasse seria também contaminado. Se, depois de três dias, essa pessoa não se submetesse à purificação, ela seria excluída do acampamento e apedrejada até a morte.


Depois de três dias da contaminação, essa pessoa deveria se dirigir, juntamente “com um homem cerimonialmente limpo, até onde estavam as cinzas. O homem misturava as cinzas com água corrente num vaso, mergulhava hissopo na água e o aspergia sobre a pessoa imunda. Esse mesmo ritual era repetido quatro dias depois, do sétimo dia. As pessoas purificadas lavavam a si mesmas e suas roupas e esperavam até o final do dia para voltar ao acampamento.”15


Adam Clarke faz uma conclusão aos comentários deste capítulo que este comentarista não poderia fazer melhor. Em resumo, ele diz que:
  1. A novilha vermelha significa a carne de nosso Senhor;
  2. O fato de ser imaculada, a infinita santidade de Cristo;
  3. O sexo do animal, a fragilidade de nossa carne;
  4. A cor vermelha, Seu sofrimento;
  5. O fato de não ter tomado jugo, Sua justiça em toda a Sua conduta, nunca ter estado sob o jugo do pecado;
  6. O fato de ter sido Eleazar quem sacrificou a novilha significava a mudança do sacerdócio da família de Arão, a fim de que um sacerdócio mais perfeito tomasse o lugar;
  7. O abate fora do acampamento aponta para a crucifixão de nosso Senhor fora da cidade;
  8. O consumo completo da novilha pelo fogo, o completo oferecimento de corpo e alma de Cristo como sacrifício a Deus;
  9. Assim como o fogo desse sacrifício ascendia a Deus, ele aponta para a ressurreição e a ascensão de nosso bendito Senhor;
  10. Assim como as cinzas da vítima comunicavam uma purificação legal aos que estavam contaminados, também o verdadeiro arrependimento é necessário para a expiação das ofensas. 16


  1. Francis D. Nichol, ed., Seventh-day Adventist Bible Commentary (Washington, D.C.: Review and Herald Publishing Association), v. 1, p. 595.
  2. Ibid., p. 883.
  3. Warren W. Wiersbe, Comentário Bíblico Expositivo (Santo André: Geográfica) v. 1, p. 448.
  4. Gordon J. Venhan, Números: Introdução e Comentário (São Paulo: Mundo Cristão). V. 1., p. 151.
  5. Adam Clarke, Holy Bible, A Commentary and Critical Notes (London: Thomas Tegg and Sons) v. 1, p. 690.
  6. Ellen G. White, Conselhos Sobre Mordomia (São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2001. CD-ROM) p. 102.
  7. Ibid., Atos dos Apóstolos (São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2001. CD-ROM) p. 74.
  8. Ibid., Medicina e Salvação (São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2001. CD-ROM) p. 216.
  9. Ibid., Olhando Para o Alto [Meditações Matinais, 1983] (São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2001. CD-ROM) p. 107.
  10. Wiersbe, Ibid., 450.
  11. Ibid.
  12. Venhan, Ibid., p. 154.
  13. Wiersbe, Ibid., p. 450.
  14. R. N. Champlin, O Antigo Testamento Interpretado Versículo por Versículo (São Paulo: Candeia), p. 677.
  15. Ibid.
  16. Clarke, Ibid., p. 693.



Lícius O. Lindquist
Mestre em Teologia Pastoral
Editor das Lições da Escola Sabatina





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