sábado, 30 de maio de 2009

Estudo sobre o discipulado cristão




Introdução


Nosso Mestre poderia ter escolhido outros métodos para que Sua mensagem, estilo de vida e missão fossem consolidadas. Mas escolheu seres humanos imperfeitos, falíveis e carentes da graça de Deus. Escolheu-os, não para que meramente O seguissem, mas para que vivessem, e apresentassem ao mundo os princípios de vida que estabeleceriam o cristianismo em todo o mundo.


Jesus era um mestre e como tal, não buscava seguidores nem alunos, mas discípulos. O mestre difere do professor porque este ensina com a informação, mas o mestre ensina com o exemplo. Palavras sem obras são como tiros sem balas, atroam, mas não ferem. O aluno retém a informação, mas o discípulo segue, torna-se adepto e crê na informação que recebeu e põe em prática o ensinamento, mesmo que essa decisão o leve à perda da vida. Quando Jesus disse: “Ide, portanto, ide fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28:19); Ele já tinha em mente o que queria com aqueles que O seguissem.


Billy Graham, renomado evangelista mundial, afirmou: “A salvação é de graça, mas o discipulado custa tudo o que temos”. “Jesus possuía um coração sereno. Os discípulos se inquietavam- sobre a necessidade de alimentar muitas pessoas, mas Jesus, não. Ele agradeceu a Deus pelo problema. Os discípulos gritaram de medo durante a tempestade; Jesus, não. Ele dormiu o tempo todo. Pedro puxou a espada para lutar com os soldados, mas Jesus, não. Ele levantou a mão para curar. Seu coração estava em paz.”1


A verdadeira educação é aquela que estimula o professor a viver o que ensina. Paulo Freire defende que ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo. Ele afirma: “O professor que realmente ensina, quer dizer, que trabalha os conteúdos no quadro da rigorosidade do pensar certo, nega, como falsa, a fórmula farisaica do “faça o que eu mando e não faça o que eu faço”. Quem pensa certo, está cansado de saber que as palavras, destituídas da corporalidade do exemplo, pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo.”2


Cristo nos convida para um discipulado coerente e radical. Não objetiva que simplesmente recebamos Sua informação, mas que vivamos Sua mensagem. A palavra predileta e mais usada de Cristo era discípulo.


A palavra grega traduzida como discípulo é mathetés, usada 269 vezes nos Evangelhos e em Atos. Para que a mensagem seja vivida, reiteradas vezes nos deparamos com situações em que a reputação, os bens e até a vida são colocados em jogo.


Todo o ensinamento exemplificado por Cristo em Sua vida visava a tornar Seus seguidores verdadeiros discípulos. Essa proposta se deu a partir do convite de Cristo, cuja mensagem central era que os discípulos deveriam deixar tudo e segui-Lo. O jovem rico era um seguidor e recusou ser discípulo quando Cristo lhe apresentou a proposta. “Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-Me. Tendo, porém, o jovem ouvido esta palavra, retirou-se triste, por ser dono de muitas propriedades” (Mt 19:21, 22).


Esse mesmo convite é feito a nós. O Senhor nos chama para que O priorizemos, não apenas obedecendo aos Seus ensinos, mas também O recebendo como o primeiro em nosso coração. Para que o discípulo se assemelhe ao seu mestre é indispensável que ele se volte para seus ensinamentos e pessoa. “Como a flor se volta para o sol, para que seus brilhantes raios a ajudem a desenvolver beleza e simetria, assim devemos volver-nos para o Sol da Justiça, a fim de que a luz do Céu incida sobre nós, e nosso caráter seja desenvolvido à semelhança de Cristo.”3 Eis a principal ação para que alguém se torne um autêntico discípulo.


II. O Verdadeiro Significado de Seguir


O Espírito Santo presenteou a igreja com dons. Dons conhecidos como espirituais. Dentre eles está o de liderança. Deus concede líderes à Sua igreja não por opção, mas por necessidade. Contudo, os lideres serão inúteis, caso não tenham seguidores que os apoiem e aceitem sua liderança. O exercício do dom da liderança visa a glorificar a Deus, assim como o milagre que o concedeu tem o mesmo objetivo.


“Os milagres servem para glorificar a Deus. Após todos os juízos divinos sobre o Egito, no contexto do êxodo, o faraó ainda decidiu perseguir os israelitas. Deus, então, disse a Moisés que o povo deveria marchar na direção do Mar Vermelho, pois Deus seria ‘glorificado em faraó e todo o seu exército’ (Êx 14:17, 18). Presente na forma de nuvem, de dia, e de uma coluna de fogo, à noite, Deus protegeu Israel e destruiu os egípcios. Se a morte dos primogênitos egípcios havia sido o clímax de uma série de maravilhas, a destruição do próprio faráo e de seu exército foi o clímax do clímax.”4


Assim como Deus realizou grandes e poderosos milagres usando a liderança de Moises e o seu povo liderado, Deus continua desejando que a liderança e o discipulado realizem milagres para sua igreja. Esses líderes são chamados por Deus para viver e motivar novos discípulos.


akolouOew significa seguir; seguir com o entendimento, compreender, deixar ser dirigido por.5 Já no grego secular o sentido primário de seguir tem sido enfatizado no aspecto intelectual, moral e religioso, como seguir um orador ou homem sábio, semelhante a um escravo ou servo que o segue.


Na religião e na filosofia encontramos o termo epestai, o qual não ocorre no NT. Este termo expressa o sentido de que ao seguir nos tornamos como Deus pela ação que Ele faz. 6 MaOeteuw Significa ser discípulo de, ensinar, instruir, receber lição.7 O seu substantivo é traduzido como discípulo e estudante. Há uma relação direta dessa palavra com a palavra didaskalos. Pois MaOetes tem um forte sentido de aprendizado e ensino.


O termo não ocorre no estabelecimento da tradução da LXX. O equivalente usual para MaOetes é encontrado somente em I Crônicas 25:8. No NT o termo MaOetes ocorre somente nos Evangelhos e Atos.


Quando o termo é usado, significa ou denota, com raras exceções, que um homem que se torna um MaOetes é atraído a Jesus e este se torna o seu mestre. 8


É uma entrega da vida por inteiro, por intermédio de um poder formativo. É um compromisso adquirido, provindo de uma vida e decisão interior. Essa foi a qualidade do chamado feito por Cristo, que se tornou a marca fundamental do Seu convite ao discipulado.


III. Discipulado Radical


Ao chamar os discípulos, Jesus os convidava visando o que se tornariam, e não o que eram. Cristo os chamou para que transformassem o mundo. Diante de seus temperamentos, Ele os viu como adequados quando transformados pelo Santo Espírito para conquistar o Império Romano e o mundo com Sua revolucionária e santa mensagem.


“Houve realmente treze homens que mudaram o mundo. Eles acabaram com o mundo antigo e desviaram o curso da história. Foram apóstolos de Jesus Cristo. Homens como nós: o tipo de homens que podem ser encontrados na rua, num elevador, numa reunião social. Tinham pés de barro. Contudo, eram revestidos de fé vibrante na presença de Jesus. Nas páginas que se seguem encontra-se a fascinante narrativa de seus pontos fortes e também de suas fraquezas, os quais podem animar todos aqueles que seguem a Cristo.”9


Esses homens foram chamados para fazer a diferença, mas não se faz a diferença sem viver essa diferença. Viviam sabendo que só vale a pena viver, se o fizermos em função de algo pelo qual estejamos dispostos a morrer. Não eram simples vidas, mas eram vidas com propósito e objetivo claro e inamovível.


Os que eram convidados para ser cristãos eram chamados a ser candidatos à morte. Barclay descreve o que significa ser um cristão da seguinte forma: “Nero envolvia os cristãos em piche e lhes punha fogo, usando-os como tochas vivas para iluminar seus jardins. Ele os costurava com peles de animais selvagens e atiçava seus cães de caça sobre eles para rasgá-los até a morte. Eram torturados no cavalete; eram feridos com alicates; sobre eles era derramado chumbo derretido para fritá-los; os olhos eram rasgados; partes eram cortadas e assadas diante de seus olhos.”10


O próprio Cristo apresentou de maneira contundente o que implica segui-Lo. “Qualquer que não tomar a sua cruz e vier após Mim, não pode ser Meu discípulo” (Lc 14:27). Segui-Lo consiste em renúncia própria; experimentar os mais inexplicáveis sofrimentos. “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo” (Jo 16:33).


Cristo foi um Mestre honesto na descrição das circunstâncias que Seus discípulos encontrariam. O que é de admirar é que, diante de tantos desafios que os discípulos enfrentariam, Cristo advertiu aos discípulos quanto ao ânimo deles. Com isso, Jesus anelava que eles tivessem uma experiência mais alta e singular.


“Os que estão consagrados ao serviço do Mestre necessitam de uma experiência mais alta, profunda e ampla, que muitos nem sequer pensam ter. Muitas pessoas que já são membros da grande família de Deus pouco sabem do que significa contemplar Sua glória, e ser transformados de glória em glória. Muitos possuem uma vaga percepção da excelência de Cristo, e, contudo, seu coração palpita de alegria. Anseiam por um mais completo e profundo sentimento do amor do Salvador.”11


Essa inspirada e animadora proposta nos assegura que o chamado ao discipulado radical nos conduzirá a uma experiência de glória e recompensa, porque aceitamos o senhorio de Jesus.


IV- O senhorio de Jesus leva à recompensa


Seguir Jesus sempre vale a pena. A despeito das circunstâncias ou desafios enfrentados. O final sempre será pleno de regozijo e alegria, mesmo que a vida do discípulo seja perdida. O discípulo Paulo, quando estava na estrada de Damasco, buscou o senhorio de Jesus quando indagou a Jesus Cristo: “Quem és Senhor?” (At 9:5).


Ao se encontrar com seu mestre, Paulo entendeu que sua vida dali por diante deveria ser de serviço e amor incondicional. Esse encontro definiu todo o discipulado de Paulo. Ao aceitar o senhorio de Cristo em sua vida, tudo seria diferente a partir de então. Sua vida estaria ao dispor daquele que o encontrou naquela estrada. “Este momento é fundamental na história do cristianismo, pois, a partir disso, a obscura seita dissidente do judaísmo, chamada Caminho (At 9:2), começou a dar uma guinada em seu rumo. O vinho novo deixou o odre velho e o instrumento para isso foi um fariseu que se encontrou com o Cristo ressuscitado! Um desconhecido líder religioso judaico se tornaria, depois de Jesus, a figura mais impressionante do cristianismo! A cristologia de Paulo não deve ser enfocada a partir de algum teólogo ou de trabalhos respeitados por sua erudição. Ela começa no caminho de Damasco.”12


A aparição de Jesus na vida de Paulo foi um fator de essencial importância para que entendêssemos que não há discípulo sem a aceitação do senhorio de Cristo na vida. Foi isso que fez uma extraordinária mudança na vida de Paulo, quando o tornou de perseguidor para perseguido. “A presença de Paulo em Atos 9 mostra dois momentos marcantes. O primeiro começa com Paulo “respirando ameaças” (bufando de ódio) e perseguindo cristãos, e termina com o próprio Paulo sendo perseguido por pregar a Cristo (At 9:29). Esses fatos ocorreram três anos após a crucifixão.”13


Aqueles que recebem Jesus apenas como Salvador não podem ser considerados discípulos, mas seguidores incompletos ou ingratos. Cristo Se apresenta como Salvador para ser Senhor daqueles que dEle recebem a salvação. Caso contrário, os pretensos seguidores estarão recebendo uma graça barata e sem efeito.


Na pregação da igreja primitiva, o Messianismo e o Senhorio de Jesus são dois elementos arraigados e marcantes que comprovam a ênfase da devida cristologia. Com a mesma naturalidade com que sempre O chamaram de Jesus, passariam a chamá-Lo dali por diante de “Jesus, o Messias” ou “Jesus Cristo” e “o Senhor”, “o Senhor Jesus”, “nosso Senhor Jesus Cristo” (Veja At 2:38; 3:6; 4:10; 1:21; 8:12 e 37; 7:60; 8:16; 9:17 e 34). Igualmente, perante os gentios, Jesus é exaltado como Messias14 e Senhor (Rm 10:9-12; At 10:36-43). A pregação sobre Jesus é a chamada a Palavra do Senhor (At 13:12; 28:31) ou “doutrina do Senhor”. “A pregação é a alegre nova do Senhor Jesus (At 11:20). Por este e outros meios, Cristo é Senhor sobre todos”.15


Não resta dúvida que anunciar Jesus como Senhor, é também reconhecê-Lo como Deus (Rm 9:5). Apesar de ser sempre usado pelos discípulos em relação a Jesus, esse termo ganhou uma conotação diferente após Sua ressurreição. “Os discípulos chamaram Jesus de Senhor mesmo antes de reconhecerem Sua divindade. Mas após a ressurreição, eles usaram essa palavra não como forma de tratamento, mas como nome próprio, em sentido bem diverso, e precisamente divino”.16 Vemos de forma inequívoca a Cristologia entre os primeiros cristãos ao usar este termo. “Com isto, os apóstolos transferiram a Jesus o nome e o conceito de Deus no Antigo Testamento, o que não lhes era estranho”.17


William Childs Robinson comenta que, quando Jesus “é referido como o Senhor exaltado, é de tal modo identificado com Deus que há uma ambiguidade em algumas passagens, não sendo possível saber quando se trata do Pai ou do Filho (At 1:24; 2:47; 8:39; 9:31; 11:21; 13:10-12; 16:14; 20:19; 21:14; cf. 18.26; Rm 14:11)”18 E Millard J. Erickson afirma que “especialmente para os judeus o termo Kirios dá a entender que Cristo é igual ao Pai”.19


Aceitar o senhorio de Cristo significa ter a vitória e a recompensa nEle. Ao salientar as dificuldades e desafios por segui-Lo, de igual modo Cristo ressaltou a recompensa e a vitória. “No mundo tereis aflições, tende bom ânimo, Eu venci o mundo” (Jo 16:33). Ou seja “os que Me receberem como Salvador e Senhor receberão a Minha vitória e recompensa. A vida eterna e todas as bênçãos têm relação com o conhecimento desse Mestre e Senhor (Jo 17:1-3).


Ao terminar seu serviço e discipulado, aquele que aceitou Cristo como Salvador e Senhor a partir da estrada de Damasco afirmou: “Combati o bom combate, completei a carreira e guardei a fé. Já agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a Sua vinda” (2Tm 4:7, 8).


Conclusão


Não há um final mais feliz do que esse. É plenamente garantido pela imutável Palavra do Senhor. Trata-se do estímulo para que sejamos discípulos fiéis, mesmo diante das dificuldades próprias de seguir Jesus. No entanto, para vivenciá-lo, necessitamos receber o discipulado de nosso Mestre. Aceitamos Seu Senhorio e usufruímos Sua salvação. Mesmo diante de circunstâncias e desafios, manter-se ao Seu lado é sempre a melhor escolha. A obediência e a incondicional lealdade definem nossa pronta escolha pelo Mestre que anseia não apenas nos ensinar, mas, além desse propósito, deseja a nossa presença com Ele por toda a eternidade. Aceitemos com alegria esse discipulado!


  1. Max Lucado, Simplesmente como Jesus, (Rio de Janeiro:CPAD, 2000), p. 17.
  2. Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, (São Paulo: Paz e terra, 2005), p. 34.
  3. Ellen G. White, Caminha para Cristo, (São Paulo: Tatuí, Casa Publicadora Brasileira, 1996), p. 68.
  4. Marcos Benedito, O Fascínio dos Milagres, (São Paulo: Unaspress, 2005), p. 33.
  5. Isidro Pereira , S.J, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, p.22.
  6. Gerhard Kittel, Theological Dictionary of The New Testament, (Grand Rapids,Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1974), Vol I , pp 210 e 211.
  7. Isidro Pereira , S.J, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, p. 354.
  8. Gerhard Kittel, Theological Dictionary of The New Testament, (Grand Rapids,Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1974), Vol I , pp. 426 e 441.
  9. H.S.Vigeveno, 13 Homens que mudaram o mundo,(Califórnia, U.S.A, 1976), p.1
  10. Barclay, The gospel of Matthew, The daily study Bible, Reved Editton, vol I, p. 112
  11. Ellen G. White, Ciência do Bom viver, (Tatuí:São Paulo, 2005), p. 503.
  12. Lourenço Stelio Rega, Paulo sua vida e sua presença ontem, hoje e sempre, (São Paulo: Editora Vida,2004),pp. 119 e 120.
  13. F.F Bruce, Paulo, o apóstolo da graça, p. 91.
  14. Este termo traduzido para o grego é Cristo.
  15. José Carlos Ramos, Reflexões sobre a pessoa de Jesus, (Edições Salt-Pós Graduação: Unasp, 2004), p. 6
  16. Idem, p.6
  17. Ibid, p.6
  18. William Childs Robinson, Lord, in: Baker’s dictionary of theology, ed. Everett F. Harrison (Grand Rapids, Baker, 1960), p. 328.
  19. Millard J. Erickson, Introdução a Teologia Sistemática, (São Paulo: Vida Nova, 1992), p. 280.

Mestre em Teologia Sistemática
Boa Viagem - Recife




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