domingo, 3 de maio de 2009

Pecado II




I. Introdução


Para o crente, nenhuma doutrina há mais importante que a do pecado. As doutrinas fundamentais do cristianismo se relacionam intimamente; esta é uma daquelas cujo conhecimento se impõe como grande necessidade. É importante possuirmos boa compreensão sobre a doutrina do pecado, pois ela derrama luz sobre todas as demais.


“A ideia que temos do pecado determina, mais ou menos, nossa ideia de salvação. Errar, portanto, quanto à compreensão da doutrina do pecado é errar também na da salvação. Um exemplo: Pessoas há que julgam que o pecado seja devido ao meio em que o ser humano vive; logo, melhorando o meio, o pecado desaparece. Se assim fosse, os homens não necessitariam de um salvador, mas de um benfeitor. Neste caso, dinheiro e boa vontade poderiam salvar a humanidade. Sabemos, porém, que não é assim porque, infelizmente, os ricos não são, em geral, os santos da Terra. Outros há que julgam que o pecado é oriundo da ignorância. Os homens pecam, dizem, porque não conhecem coisa melhor. Ora, se assim fosse, a educação seria a salvação da raça; o combate ao analfabetismo seria a melhor pregação do evangelho, e naturalmente os mais instruídos e mais cultos seriam os mais santos. Os que pensam assim estão longe da verdade.”1

O pecado traz funestas consequências não é devido ao ambiente nem ausência de educação, e sim pela corrupção do coração. A natureza humana foi corrompida. A tendência pecaminosa impera. O mundo é a comunidade dos não redimidos. A causa de todas essas atrocidades está na separação de Deus. E que nos separou e separa de Deus? A Palavra de Deus responde: “As vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o Seu rosto de vós, para que vos não ouça” (Is 59:2).


Moody, o eloquente evangelista do século passado, contava com frequência a seguinte fábula que bem ilustra o drama da separação entre o homem e Deus devido ao pecado. “Certa vez, a Lua se sentiu envolta em trevas. Contrafeita, dirigindo-se ao Sol, interrogou exasperada: Por que você não mais me envia o brilho de sua luz? Surpreso, o Sol respondeu: Deve haver algo inusitado, pois continuo enviando, como sempre, os meus raios fulgurantes. A Lua se esforçou por descobrir onde estava o problema e viu que havia um eclipse. Entre ela e o Sol, estava a Terra, impedindo a passagem da luz.” Deus não abandonou o homem. Mas entre ele e o Senhor está o pecado que o impede de receber a bênção da presença divina.”2


Ellen G. White afirma: “A corrente poluída representa aquele que está separado de Deus. O pecado não somente separa de Deus, mas destrói no ser humano tanto o desejo como a capacidade de conhecê-Lo. Através do pecado, todo o organismo humano fica transtornado, a mente é pervertida, corrompida a imaginação; as faculdades se degradam. Há ausência de religião pura, de santidade de coração. O poder convertedor de Deus não opera na transformação do caráter. A pessoa fica debilitada e, por falta de força moral para vencer, é poluída e aviltada.”3 Que descrição! Neste mundo tão conturbado, em que os homens a cada vez menos se entendem, percebe-se que só uma causa tão terrível como o pecado explica a nossa realidade e os eventos que contemplamos.


A cada dia, este mundo mostra o fiel retrato das consequências do pecado. Às vezes, me pergunto o que pode ainda ocorrer para piorar tão drástico e cruel cenário... Isso demonstra que gradativamente o Espírito de Deus vai Se retirando da Terra. O pecado se torna mais terrível e suas inevitáveis consequências o acompanham. A despeito do que alguns pensam, Deus tem sofrido muito com essa realidade do pecado e suas tenebrosas consequências ao mundo que Ele criou tão primorosamente.


A existência do pecado é um fato inegável, não apenas no mundo, mas na natureza humana. O pecado é um mistério em sua origem, cuja causa se encontra na rebelião contra Deus.


II. Definição de Pecado


O melhor entendimento quanto ao pecado ocorre diante da devida percepção de sua origem. Satanás, o precursor dessa experiência, alcançando os primeiros seres criados, sugeriu-lhes o pecado. Na origem, detectamos a definição. Eva transgrediu uma orientação direta de Deus. Seu pecado não consistiu em apenas comer do fruto, mas em duvidar da palavra de Deus. Percebe-se que o inimigo de Deus se utilizou do argumento dos sentidos, apelando para os olhos e ao paladar, enquanto Deus deixou apenas a declaração da Sua palavra (Gn 3:1-5).  Pela falta de fé na Palavra, o homem que foi criado para viver para glória de Deus caiu e, com isso, desvirtuou completamente o propósito de Deus para ele.


“Em outras palavras, com a queda, o ser humano passou a ter carência de um estado de vida exatamente como aquele para o qual fora criado. Imagine um carro sem motor ou que não obedece aos comandos que lhe são solicitados. Não consegue desempenhar a função nem atingir o objetivo para o qual foi produzido. Essa regressão à narrativa de Gênesis nos ajuda a compreender que a natureza da queda não é apenas teológica, mas também essencialmente ética, já que os termos bem e mal indicam referenciais de escolha ética.”4


Não se pode incluir numa definição tudo quanto se pode dizer sobre o pecado. No sentido mais lato do termo, é um estado mau do ser ou da personalidade. Por causa deste estado mau, o homem desobedece às leis de Deus. Mas não devemos confundir os atos pecaminosos, que representam a manifestação desse estado, com o próprio estado. “Pecamos porque somos pecadores. Não somos pecadores porque pecamos. Pecado, no singular, é a maneira de viver longe de Deus, que resulta em pecados, no plural, que é praticar coisas erradas.”5 A palavra grega mais conhecida e usada para pecado é hamartia, que significa erro, falta.6 Essa palavra comumente é usada sempre no conceito religioso e ético como ato pecaminoso.7


Existem pelo menos oito palavras básicas usadas para descrever o pecado no Antigo Testamento, e doze palavras no Novo Testamento. Vejamos algumas das passagens bíblicas que tratam do assunto:


Errar o alvo: Êx 20:20; Jz 20:16; Pv 19:2.
Rebelar-se: 1Rs 12:19; 2Rs 3:5; Is 1:2.
Culpa: 1Sm 3:13; Is 53:6.
Desprezar o Senhor: Nm 15:30, 31.
Cambalear e tropeçar: Is 28:7.
Praticar injustiça: Pv 15:9.
Errar o caminho: Sl 58:3.
Ter um coração perverso: Mc 7:21; Hb 3:12.
Fazer mal a alguém: At 9:13; Rm 12:17; 13:10.
Desgarrar-se de Deus: 1Pe 2:25.
Ser enganado por Satanás: Ap 12:9.
Cair deliberadamente: Gl 6:1.
Separar-se de Deus: Ef 2:1.8


A Bíblia define o pecado envolvendo o significado de todas essas palavras acima citadas quando afirma: “‘Todo aquele que pratica o pecado também transgride a Lei, porque o pecado é a transgressão da Lei’’ (1Jo 3:4). O pecador se rebela diretamente contra Deus porque Sua Lei reflete Seu caráter. E se o pecado é a transgressão da Lei, logo se opõe a Deus. Portanto, o pecado é uma rebelião frontal à pessoa de Deus.


“O pecado está relacionado com a Lei, e esta Lei não foi promulgada por nós mesmos, não é mera ideia ou abstração, não se trata de mera verdade ou razão, nem da adequação das coisas, mas, sim, a natureza e vontade de Deus. A Lei, como se revela à consciência, implica um legislador, um ser de cuja vontade ela é a expressão e que detém o poder e o propósito de manter em vigor todas as suas exigências. Não apenas isso, mas alguém que, pela própria perfeição de sua natureza, tem que mantê-las em vigor. É inútil argumentar contra tais convicções. É inútil dizer: Não há Deus, não há um ser de quem dependemos e diante de quem somos responsáveis pelo nosso caráter e conduta.”9


III. Responsabilidade Pessoal e Solução do Pecado


A negligência da seriedade do pecado se agrava quando ignoramos nossa responsabilidade pessoal frente a ele.  Quando se diferencia ato de estado, percebe-se que a condenação do pecado está presente no início da “gestação”. Davi tinha essa consciência quando assim se expressou: “Em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5).


O pecador não é pecador porque peca. Ele peca por ser pecador. Pecado não consiste apenas no ato, mas na natureza. O pecado não implica apenas em atos pecaminosos (Êx 20:3-16), mas também em atitude pecaminosa (Êx 20:17; Mt 5:22, 28) e em nossa natureza pecaminosa (Rm 5:8; Ef 2:3).


Até pouco tempo se acreditava que o pecado original era uma herança do pecado de um só homem (Adão). Isso sempre causou repulsa ao pensamento de que uma criança inocente já nascesse em pecado. Atualmente, se crê e se aplica este conceito ao fato de que a pessoa, ao nascer num mundo em que já existe o pecado, embora sem culpa dele, terá esta tendência para fazer o mal, que pode ser superada com a graça de Deus. “Como seres humanos, temos pelo menos duas coisas em comum. Primeiro, nascemos. Segundo, nascemos pecadores. Nosso problema de pecado começou por ocasião do nascimento, pois nascemos separados de Deus.”10


A visão do pecado original se equivoca quando atribui à criança inocente a necessidade de um batismo para que o pecado por herança seja perdoado. Embora a Bíblia apresente as consequências universais do pecado sobre o mundo e o ser humano, o que o torna pecador, tendo em si a tendência pecaminosa, a Escritura não apoia na íntegra o conceito do pecado original. Apesar de acreditarmos pela palavra profética que “o pecado é a herança dos filhos, sabemos que foi ele que nos separou de Deus.”11


Diante de tão terrível realidade do pecado, não há várias, mas uma única solução. No decorrer da história, nos são apresentadas as várias tentativas e atitudes para solucioná-lo. Indulgências, autoflagelos, pensamento positivo, autorreflexão entre outras. Mas somente Jesus pode nos livrar do pecado, e não há outro (Jo 14:6; Rm 8:1). Ele Se habilitou quando Se ofereceu, e venceu quando consolidou o objetivo (Hb 9:27). Diante da impossibilidade de nos alcançar com a justiça, simplesmente porque “nossa natureza se acha decaída, e não podemos nos tornar-nos justos”12, Cristo surge como única solução.


O autor de Hebreus apresenta Jesus como o maior e o melhor. Ele é superior aos anjos, a Moisés e o santuário e seus serviços encontram cumprimento e alcance pleno em Jesus. Ele é nossa expiação, propiciação e plena salvação. Nos versos 27 e 29 do capítulo 9 de Hebreus, Cristo aparece como centro das realidades inevitáveis ali apresentadas. “Cristo Se ofereceu para levar os pecados de muitos” (Hb 9:27). Por isso, sem Cristo é inteiramente impossível a solução frente ao pecado. Ele não tem a solução, mas Ele é a solução. “É-nos impossível, por nós mesmos, escapar ao abismo do pecado em que estamos mergulhados. Nosso coração é ímpio e não o podemos transformar.”13


Sem Jesus, a consequência do pecado é a morte. A Bíblia diz em Romanos 6:23 que “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor.”


E se não tenho a certeza de quais são os meus pecados? A Bíblia diz no Salmo 139:23, 24 “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho perverso, e guia-me pelo caminho eterno.”


Confesse os seus pecados a Deus, e será perdoado. A Bíblia diz em 1 João 1:9 “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.”


Há algum pecado imperdoável? A Bíblia diz em Lucas 12:10: “E a todo aquele que proferir uma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas ao que blasfemar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado.” Aqui é referida a recusa da própria consciência. A rejeição do trabalho do Espírito Santo de nos convencer do mal.


Para simbolizar nosso desejo de deixar o pecado, devemos ser batizados. A Bíblia diz em Lucas 3:3: “Ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão, pregando o batismo de arrependimento para remissão de pecados.”


Se você sente que é um pecador já sem remédio, o que deve fazer?


Primeiro: Reconheça seu pecado. Diz o salmista: “Lava-me completamente da minha iniquidade, e purifica-me do meu pecado. Pois eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim” (51:2-4).


Segundo: Peça que seu pecado seja perdoado. Deus diz que pode começar uma vida nova em você. “Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais alvo do que a neve. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que se regozijem os ossos que esmagaste. Esconde o Teu rosto dos meus pecados, e apaga todas as minhas iniquidades. Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito estável. Não me lances fora da Tua presença, e não retires de mim o Teu santo Espírito. Restitui-me a alegria da Tua salvação, e sustém-me com um espírito voluntário” (Sl 51:7-12).


Terceiro: Acredite que Deus perdoou você e pare de se sentir culpado. A Bíblia diz em Salmo 32:1-6: “Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui iniquidade e em cujo espírito não há dolo. Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia. Porque a Tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor se tornou em sequidão de estio. Confessei-Te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. Disse: confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e Tu perdoaste a iniquidade do meu pecado. Sendo assim, todo homem piedoso Te fará súplicas em tempo de poder encontrar-Te. Com efeito, quando transbordarem muitas águas, não o atingirão”


Nossa confiança deve centralizar-se na Palavra do Senhor, na Sua promessa e obra. “Deus é fiel e justo para nos perdoar” (1Jo 1:9 b).


Conclusão


O pecado é a maior razão da deterioração da humanidade. Ele comprova uma involução diária e constante, e não uma evolução gradual ou modular, como alguns insistem em afirmar. O pecado é uma praga universal que tem guarida no coração humano, cuja perspectiva é a morte e degradação social, emocional, física e espiritual. Sua causa não se restringe ao ambiente, educação ou ausência de políticas sociais. É um dilema bem maior que alcança a todos. Sua contaminação tem proporções cósmicas, e seus resultados são visíveis em toda a natureza e, principalmente, no coração humano, que reflete sua deterioração por seus atos bárbaros que vemos comumente na sociedade.


O mais decepcionante é que, para muitos, o pecado não existe. Outros o definem como simples distúrbio das glândulas endócrinas. Disse alguém: “O homem chama o pecado uma causalidade; Deus o chama abominação. O homem chama o pecado uma fascinação; Deus o chama rebelião. O homem chama o pecado um equívoco; Deus o chama insensatez.” O pecado é tão sério que destoa nossa realidade, tornando Deus um réu, quando na verdade Ele é uma vítima. Deus não é culpado pelo sofrimento humano no Universo. O pecado custou a vida do Seu filho. E, graças a Jesus, temos acesso à única solução. “O divino Filho de Deus era o único sacrifício de suficiente valor para satisfazer plenamente as reivindicações da perfeita Lei de Deus.”14  Jesus Cristo, por intermédio de Seu sacrifício, nos oferece os méritos para sermos vencedores diante do pecado. Ele é nosso antídoto, porque foi o único que possuiu anticorpos suficientes para neutralizar o poder e a eficácia do pecado. Hoje nEle, já podemos ser libertos da culpa do passado que trazemos como herança, do poder do presente que na experiência enfrentamos e do ambiente em que estamos, que com esperança no futuro aguardamos.


bibliografia:


  1. A.B. Langston, Esboço de Teologia Sistemática, (Rio de Janeiro: Juerp, 1986), p.148.
  2. Enoch de Oliveira, Bom dia Senhor, Meditações matinais 1990 (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1990), p.163.
  3. Ellen G. White, Profetas e Reis, (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 118.
  4. Lourenço Stelio Rega, Paulo sua vida e sua presença ontem, hoje e sempre, (São Paulo: Editora Vida,2004),pp.54 e 55.
  5. Morris L. Venden, 95 Teses sobre a justificação pela fé, (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira,1990), pp.38 e 41).
  6. Isidro Pereira , S.J, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, p.29.
  7. Gerhard Kittel,  Theological Dictionary of The New Testament, (Grand Rapids,Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1974), Vol I , p. 293.
  8. Wayne Grudem, Manual de Teologia Sistemática, (São Paulo:Editora Vida, 1994), p. 46
  9. Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 621.
  10. Morris L. Venden, 95 Teses sobre a justificação pela fé, (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira,1990), p.32).
  11. Ellen G. White, Orientação da Criança, (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1996), p.475.
  12. Ellen G. White, Caminho a Cristo,, (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1996), p. 62
  13. Idem, p. 18.
  14. Ellen G. White, Exaltai-O[Meditações Matinais, 1992], p. 24.



Autor: Pastor José Orlando Silva

Mestre em Teologia Sistemática
Boa Viagem - Recife




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