sábado, 9 de maio de 2009

Estudo sobre a Graça de Deus



I. Introdução

Os temas para estudo até aqui e nas próximas semanas estão entrelaçados e são apresentados em uma relação de interdependência. Depois de estudarmos as terríveis e desastrosas consequências do pecado e sua incômoda definição, podemos estudar nesta semana que Deus interveio para fazer o que o ser humano não podia fazer, ou seja, expiar seus próprios pecados. A intervenção de Deus em favor do ser humano é definida como graça. A palavra Káris significa disposição favorável, especialmente quanto ao amor exercido para com os inferiores, os dependentes ou os indignos. A graça é um favor. Essa palavra também significa estar na graça de alguém.1


No Éden, a graça se escreve com sangue. Em toda a Bíblia, cada página é escrita com o fio da graça. Tirem da Bíblia a atuação da graça e ela se tornará um mero livro histórico tão comum quanto outro qualquer. As biografias passariam a ser regidas pelo acaso sem propósito e sem nenhuma ação sobrenatural de um Deus cuja finalidade é salvar. A graça revela a poderosa ação de Deus impulsionada por Seu sempiterno e incondicional amor.


Embora Berkouwer declare a importância do aspecto subjetivo, também insiste em que: “a justificação não provém de duas fontes: a declaração divina e a fé humana.”2 A salvação oferecida por Cristo pela manifestação de Sua graça pode ter dois lados, mas nunca duas fontes. A salvação se origina exclusivamente na graça de Deus baseada no sacrifício de Jesus Cristo na cruz do Calvário.


De fato, e sobretudo no Antigo Testamento, a benevolência ocupa o lugar de graça, exprimindo a constância da bondade de Deus, principalmente em relação ao povo eleito. São usadas duas palavras- chaves, que traduzem a ideia de misericórdia e favor de Deus: Hesed [bondade] (Lm 3:22) e Hen [favor] (Gn 33:8, 10, 15; Jr 31:2). Nesse sentido encontramos pessoas que a Bíblia diz que encontraram graça diante de Deus: Noé (Gn 6:8), Moisés (Êx 33:13), Davi (2Sm 15:25)...


O maior ato de graça da parte de Deus é o fato de ter Ele escolhido Israel como Seu povo e de ter feito com ele uma aliança, conservando-Se fiel a ela, apesar das transgressões do povo, deixando transparecer que a vontade de Deus é de salvar e não destruir. Por isso, poderíamos ler a graça como vontade de Deus de salvar o ser humano do pecado.


Novo Testamento alarga a perspectiva e a graça se torna vocação. Os termos gregos usados para indicar graça são eleos [= hesed] (Rm 9:15-18) e charis [= hen] (1Co 1:4). Nesses dois vocábulos estão os dois significados básicos presentes no Antigo Testamento: favor, bondade ou atitude de misericórdia de Deus para com a humanidade. É nas cartas que o conceito de graça é desenvolvido de maneira eloquente:


1Coríntios 15:10: “Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a Sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; Antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo.”


Efésios 3:7: [Desse evangelho] “fui constituído ministro, conforme o dom da graça a mim concedida segundo a força operante do Seu poder.”


1Pedro 4:10: “Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.”


II. O centro da graça


A ação favorável de Deus se deu em Cristo. Essa ação conjunta de Deus e Seu filho para salvar o homem (Jo 3:16 e Hb 9:28) constituem o centro da graça. Embora o hinduísmo não tenha fundador específico, se forem retiradas suas divindades, como Krishna, Rama e outras, ainda assim sua filosofia poderá sobreviver. Mas se retirarmos Cristo do evangelho, não restará nenhuma doutrina. Ser cristão significa dizer sim a Cristo, e fazê-lo sem reservas! Tal atitude não tem como causa nenhuma obra meritória. Ninguém está à parte da possibilidade de escolher a graça, nem é discriminado para não recebê-la. “Dado que Judeus e gentios são igualmente justificados pela graça de Deus, sem qualquer mérito pessoal deles, ninguém pode dizer: fiz isso pelo meu próprio esforço. A conclusão de Paulo em sua argumentação é que – o homem é colocado na posição certa à vista e Deus pela fé, inteiramente à parte das obras prescritas pela lei. Deus aceita os judeus em virtude da sua fé, e aceita os gentios fundado exatamente na mesma base.”3


Portanto, no coração da vida cristã existe esse relacionamento pessoal com Cristo, no qual nos entregamos a Ele em obediente amor. Então, tudo passa a girar em torno daquele com quem nossa vida está em direta e viva comunhão.4 A solução parte de Deus para salvar o homem e não há outra explicação que motive tal ato a não ser o amor. Assim como não existe outra palavra para definir sua ação a não ser a graça.


Deus estava em Cristo, quando Ele morreu na cruz. George Buttrick escreveu acerca de um quadro que se encontra em uma igreja italiana, embora não o tenha identificado. À primeira vista é como qualquer outra pintura da crucificação. Quando a pessoa o examina mais atentamente, contudo, percebe a diferença, pois “há uma grande e sombreada figura atrás da figura de Jesus. O cravo pregado na mão de Jesus atravessava até a mão de Deus. A lança que lhe traspassa o lado chega até Deus.5


Portanto, nosso Substituto, que tomou nosso lugar e morreu a nossa morte de cruz, não foi Cristo somente (visto que isso faria dEle um terceiro partido entre Deus e nós), nem Deus somente (visto que isso minaria a encarnação histórica), mas Deus em Cristo, que é verdadeiro e completamente Deus e Homem, e que, por causa disso, foi singularmente qualificado para representar tanto a Deus quanto o homem e mediar entre ambos.6 Portanto, Deus Pai e Deus filho são sujeitos na doação da graça.


Apesar de percebermos pouca menção em termos de detalhes quanto à morte de Cristo, e seus últimos dias de vida, observamos sua ampla influência e incontestável importância teológica. Henry Clarence Thiessen foi longe ao escrever que, “se todos os três anos e meio do ministério público de Cristo tivessem sido escritos tão detalhadamente como Seus últimos três dias, teríamos um volume “A vida de Cristo” de umas 8.400 páginas.7


Sem a cruz não há justificação. Para operar o ato de justificar foi necessário assumir o castigo do pecado. E assumir o castigo é satisfazer a própria exigência. Esse castigo foi a morte de cruz. Esta é a justiça de Deus, concedida gratuitamente ao Homem. Por esta razão é um dom de Deus. E a provisão da cruz se torna o fundamento sobre o qual recebemos perdão e purificação. É uma ação legal. A salvação é gratuita por causa do preço. Este só podia ser pago por Jesus.


A lógica da justificação está no fato de que a salvação é operada com justiça. Se o pecado veio pela ofensa de um só, nada mais justo que, pela perfeita obediência de Cristo, Seus méritos fossem estendidos a todos os que nEle creem” (Rm 5:14-18). O que nós não podemos fazer, Cristo fez por nós (Rm 1:17).


 “DeusO centro da graça está na providência de Deus em conceder um favor imerecido para salvar o homem por intermédio de Cristo. E foi a cruz o palco desse centro. Tudo gravita em torno do eterno ato de Deus em Cristo, em torno da pessoa e da cruz de Cristo. Essa providência foi profetizada logo após a fatídica queda (Gn 3:15), e na resposta de Abraão para seu filho, diante da grande prova. "Deus proverá para Si, meu filho, o cordeiro para o holocausto” (Gn 22:8).


III. O efeito da graça


Um carro sem rodas é como a graça sem o efeito. Embora a graça seja uma crença da fé cristã que é singular e comum entre os cristãos, sua diferença está em como consideramos seu efeito sobre a vida de quem a recebe. “Por graça suficiente entende-se aquele tipo e grau de influência do Espírito que é suficiente para levar os seres humanos ao arrependimento, à fé e a uma vida santa”.8


Afirmar que a graça foi recebida é fácil, mas apresentar seu resultado e efeito na vida revela como entendemos o que de fato aconteceu no Calvário. Para alguns, o Calvário foi uma simples demonstração de amor que visa suscitar no homem admiração, porque apresenta Jesus morrendo com o pecador, e não necessariamente pelo pecador.


Outros encaram a expiação no Calvário como objetiva e cuja ênfase está no evento histórico. Ainda equivocadamente, teólogos apontam para uma salvação universal, que é o ato de Deus que nos salva independentemente da nossa aceitação ou não. Essa graça sem efeito no coração de quem a recebe é barata e nula. “A menos que a morte de Cristo realmente realize algo, ela não é, de fato, uma demonstração de amor.”9


A Bíblia não apresenta uma graça que não muda o coração. “E, assim, se alguém em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram” (2Co 5:17). O problema do pecado não pode ser solucionado se a graça não restaurar o que o pecado corrompeu: o coração humano. E essa restauração ocorre pelo sangue derramado e o preço pago por Jesus na cruz. “Por Sua obediência perfeita satisfez Ele os reclamos da Lei, e minha única esperança está em olhar para Ele como meu substituto e penhor, que obedeceu perfeitamente a Lei por mim.”10 Com a manifestação da Sua graça, Cristo me atribui Sua obediência e poder do alto para efetivar a graça na minha vida.


A graça veio do sacrifício. De acordo com Paulo, “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (1Co 15:3). Ou seja, Cristo toma nosso lugar, paga o preço total e completo exigido pelo pecado. Aqui vemos o apoio bíblico da teologia da substituição. Este texto diz, literalmente, que Cristo tomou nosso lugar como sacrifício (hilasterion). De Seu sacrifício provêm todas as metáforas e figuras oriundas do milagre da graça. Jesus, como nossa propiciação, reconciliação, (Jo 2:2) Cordeiro de Deus (Jo 1:29), e Jesus como nosso sacrifício expiatório (hilasmos). “Movido pela perfeição do Seu amor, Deus em Cristo Se substituiu por nós, pecadores. É esse o coração da cruz de Cristo.” 11


“O firme propósito de Deus é oferecer salvação à humanidade toda, sem, contudo, tolher a liberdade do homem no tocante a aceitá-la ou rejeitá-la.” 12 Toda graça disponibilizada por Deus em Cristo tem um forte e inequívoco direcionamento: Salvação e restauração completa do homem. Com Sua morte na cruz, Jesus abriu uma porta na grande muralha do pecado e alcançou o perdão para os pecadores.


“Sem a cruz, o ser humano não teria conexão com o Pai. Nisto se baseiam todas as nossas esperanças... Quando o pecador alcança a cruz, olha para Aquele que morreu para salvá-lo e pode regozijar-se plenamente porque seus pecados foram perdoados. Ajoelhado ante a cruz, o pecador alcança a posição mais elevada a que a humanidade pode chegar.”13


Conclusão


De Gênesis a Apocalipse a graça é o principal assunto. Em cada relato, vida, fato histórico, crônica, salmo, poesia, evangelho, profecia e carta a determinada região, igreja, ou pessoa, vemos a manifestação da graça para criar e resolver a problemática do pecado. A frase que resume toda a Bíblia está em seu último versículo, que diz: “A graça do Senhor Jesus seja com todos” (Ap 22:21). Caso a graça fosse tirada da Bíblia, ela tornaria um livro da antiguidade, comum, a serviço da história e arqueologia. Esse é o tema que faz toda a diferença. Seu centro é Cristo na ação de salvar, e seu efeito ocorre no coração e vida humana. Para merecer a graça é necessário ser pecador, porque ela é um dom imerecido, concedido àquele que crê em Jesus e em Seu sacrifício substituto. Lutero tinha essa consciência quando afirmou em oração: “Senhor Jesus, Tu és a minha justiça, eu sou o Teu pecado. Tomaste sobre Ti o que era meu; e ainda colocaste sobre mim o que era Teu. Tu Te tornaste o que não eras, para que eu me tornasse o que não sou.” Isso é graça. Dom imerecido. Tão complexo e ao mesmo tempo tão simples. Absortos diante de tão maravilhosa graça, só nos resta reverentemente aceitá-la e usufruí-la, enquanto podemos encontrá-la.


  1. Isidro Pereira , S.J, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, p. 147.
  2. G.C. Berkouwer, Faith and Justification, (Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1954), p.18.
  3. F.F Bruce, Introdução e Comentário de Romanos, p. 82
  4. Raul Dederen, Cristologia, op. cit, p. 35.
  5. George A. Buttrick, Jesus Came Preaching, (London: Independent Press, 1957), p. 207.
  6. Jonh Stott, A cruz de Cristo, op. cit, p.152.
  7. Henry Clarence, Introductory Lectures in Sistematic,(Eerdmans: Grands Rapids)
  8. Charles Hodge, Teologia Sistemática , p. 972
  9. L. Morris, Evangelical Dictionary of Theology, p. 101
  10. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, (Tatuí: São Paulo, Casa Publicadora Brasileira, 1994), Vol 1, p. 296.
  11. John Stott, A cruz de Cristo, p. 149
  12. A.B. Langston, Esboço de Teologia Sistemática, (Rio de Janeiro: Juerp, 1986), p. 203.
  13. Ellen G. White, Review and Herald, 24/04/1902.



Autor: Pastor José Orlando Silva
Mestre em Teologia Sistemática
Boa Viagem - Recife


Um comentário:

  1. jesus disse que quem o ama segue meus mandamentos, e seguir os mandamentos é fazer a obra. quem crê já está salvo mas quem não crê já está condenado. a fé sem obras é morta. como ninguém cumpre os mandamentos, ninguém pode dizer que tem fé viva. então toda a humanidade só poderá contar com a graça imerecida de jesus. no dia do juízo, quando todo o joelho se dobrar diante da majestade de jesus, ele separará os seus amigos de seus inimigos, mas como jesus não é hipócrita e ensinou aos homens a amar seus inimigos, então ele perdoará a todos. ele é o bom pastor e não deixará para trás a ovelha perdida, o adão, ou seja, toda a humanidade.

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