domingo, 1 de agosto de 2010

Expondo a fé (comentário ao estudo nº 06)




Romanos 5, que estudaremos nesta semana, é dividido em duas partes principais:
versos 1-11, em que são expostos os privilégios que emanam da justificação pela fé;
e versos 12-21, em que é feito um contraste entre Adão e Cristo (respectivamente o primeiro e o último Adão (à luz de 1Co 15:45), como cabeças de humanidade. Receber a punição do pecado ou o galardão da justiça depende de estarmos ligados ao primeiro ou ao Segundo.

Na primeira parte, sente-se uma nota de exultação e segurança: paz (v. 1), esperança e glória (v. 2), não confusão, amor de Deus e Espírito Santo (v. 5), salvação e reconciliação (v. 9-11).

Na segunda parte, o apóstolo considera que toda a miséria que se abateu sobre a humanidade, miséria em termos de pecado condenação e morte, tem sua origem no ato de desobediência do primeiro homem. A queda original colocou tudo a perder. Nessa parte, o tom alvissareiro é que, com Jesus, com Sua vida e sacrifício, há uma reversão total das perdas trazidas pela desobediência; e sabemos que tudo será, finalmente, em seu devido tempo, restaurado à perfeição inicial. Esta restauração, todavia, em sua dimensão espiritual, pode ser desfrutada aqui e agora, na medida em que deixamos de estar “em Adão” para estarmos “em Cristo”. Realmente, como Paulo afirmou em outra oportunidade e circunstância,
“...se alguém está em Cristo, é nova criatura (“é nova criação”, registra a Nova Versão Internacional); as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5:17).

I. Justificados, pois...

O resultado de termos sido justificados pela fé em Jesus se efetiva ao desfrutarmos os privilégios que Paulo alista nos primeiros 11 versos de Romanos 5, emanantes, como afirmado, da experiência da justificação.

 “Paz” no verso 1, não é meramente aquele sentimento de bem-estar e tranquilidade que gozamos quando tudo vai bem. Não tem que ver com estado de espírito, ou de consciência; é “paz com Deus” e se liga à dulcíssima experiência de reconciliação referida por Paulo mais adiante (v. 10, 11“
Paz com Deus” significa um relacionamento amistoso com Ele: de inimigos passamos a reconciliados.

Este grande privilégio é auferido “por meio de Cristo”, isto é, não apenas pelo que Ele fez por nós no passado, morrendo na cruz, mas também por Sua presente intermediação em nosso favor. Todas as bênçãos espirituais estão em Cristo e são desfrutadas através dEle. “Por meio de” (v. 1) e “por intermédio de” (v. 2) se equivalem. É a maneira de Paulo enfatizar o ato de Jesus para nos garantir o benefício do “acesso a esta graça.”

Ele fala também que “nos gloriamos” (v. 3), inclusive “nas tribulações”. Gloriar tem sentido positivo, e significa aquela segurança, aquela exultação que é sentida na perspectiva da glória que nos aguarda no futuro. O apóstolo já havia se referido à “esperança da glória” (v. 2), e agora ele vê a sublimação das “tribulações” como uma espécie de glorificação. É que a perspectiva da glória futura transforma as presentes “tribulações” em degraus que ajudam a esperança a avançar para o alto, a crescer. Há, portanto, uma ideia presente e futura da glória, e entre uma e outra se posiciona a esperança como ligação. Em outros termos, a glória futura é trazida para a dimensão presente pela esperança.

Devemos exultar nas tribulações por causa do ministério que elas cumprem em nosso favor. Paulo se refere a elas em termos de perseverança, experiência e esperança (v. 4), cada lance abrindo espaço para o seguinte. Perseverança, ou constância, seria equivalente à paciência, vista não meramente como uma qualidade passiva, mas essencialmente dinâmica, pois leva seu possuidor a suportar com ânimo as tribulações. Experiência, aqui, significa amadurecimento. Aquele que suporta com fé as tribulações cresce na fé, até atingir plena maturidade espiritual, quando o caráter se vê formado.

Finalmente, a esperança fecha o círculo, e a progressão do ministério das tribulações se completa: nós nos gloriamos na esperança e nas tribulações, que produzem perseverança, a qual produz experiência, que produz esperança na certeza da glória futura. O processo tem início com a esperança voltada para o presente, e conclui com a esperança voltada para o futuro. Toda a senda cristã está aqui delineada, desde o momento da justificação até o momento da glorificação.

Então, Paulo afirma que a esperança “não confunde” (v. 5), isto é, não leva à vergonha, precisamente o que Adão e Eva sentiram quando pecaram. Da mesma forma, o legalismo da justificação pelas obras, tanto quanto a vida degenerada e perversa do liberalismo, levam à vergonha (veja a parábola das bodas em Mt 22:1-14; cf. Dn 12:2). Não estar trajado com as vestes da justiça de Cristo resultará em vergonha (Ap 3:18; 16:15). A justificação pela fé é a certeza da glória porque é sustentada no amor de Deus.

II. Deus em busca do homem

Paulo abre o verso 6 empregando a conjunção “porque” para enfatizar a profusão do amor divino, revelada no ato de ter Deus amado o ímpio, como deixam transparecer as expressões “quando nós éramos fracos” e “sendo nós pecadores” (v. 8). A cruz é o clímax do amor de Deus, porque nela é revelado o amor pelos pecadores, não pelos justos (v. 7, 8). Fosse amor pelos justos, o único a ser poupado teria sido Jesus.

As implicações deste glorioso fato são as seguintes:

- O amor de Deus não é motivado pelas qualidades recomendáveis do ser amado, nem mesmo pelas qualidades que ele um dia revelará pelo poder da graça;
- É amor precedente, porque é o amor pressuposto na morte de Cristo pelo ser amado, enquanto este se encontrava ainda na miséria e no pecado;
- Não se trata do amor de complacência, mas do amor que acha sua oportunidade e incentivo no caráter de Deus (ver Is 43:25);
- É amor dinâmico, eficaz para salvar, porque a morte de Cristo, provida por este amor, foi em favor do ímpio para o transformar em justo e lhe assegurar o exaltado destino que lhe é proposto: o destino que o contexto desta passagem tem em vista;
- É amor manifestado na hora certa, “a seu tempo”, como diz Paulo. Quando mais carecíamos, Deus nos acudiu. O tempo da consumação (Hb 9:26) é aquele para o qual todos os tempos convergem, no qual o propósito de Deus em todos os tempos alcançou pleno cumprimento.

Os versos 7 e 8 desdobram o anterior. O texto fala em “justo” e “bom”. Imaginamos que é mais fácil alguém morrer por um “bom” do que por um “justo”, porque o “bom” desperta mais simpatia, afeição. Uma pessoa extremamente justa pode incorrer na antipatia de terceiros. Devemos, entretanto, lembrar que “bom” e “justo” neste contexto, são sinônimos. O pensamento é que, se é difícil alguém morrer por um bom, muitíssimo mais o será por um ímpio. “Sendo nós ainda pecadores” (v. 8) é paralelo a “quando éramos fracos” (v. 6). Não quer dizer que agora o crente não mais seja pecador (cf. 1Tm 1:15), mas indica, neste contexto, que Cristo morreu não constrangido por alguma boa qualidade nossa. Quando vivíamos em rebelião contra Deus, merecendo apenas a Sua ira, e não Seu amor, precisamente aí Ele nos amou.

“Muito mais agora” (v. 9) não indica que agora possuímos algum merecimento do amor divino. Uma vez que fomos justificados, reconciliados pela cruz, podemos ter muito mais certeza de que seremos salvos da ira vindoura. Se Deus nos amou quando nada de bom possuíamos, e fez tudo o que fez, desviando Sua ira de nós para a cabeça de um Inocente, como não nos amará agora que possuímos a justiça pela fé, e não nos livrará da ira vindoura?

Nos versos 10 e 11, Paulo vai desdobrando as razões por que nos regozijamos como justificados por Deus. Ele afirma que “éramos inimigos” quando fomos reconciliados. A reconciliação ocorreu quando estávamos alienados de Deus e sob Sua ira. Agora, reconciliados como estamos, “seremos salvos por Sua vida”. Não se tem em mente aqui os 33 anos que Jesus viveu entre nós, mas Sua vida presente, a vida a partir de Sua ressurreição. Está implícita a ideia do ministério celestial de Jesus em favor dos que creem (ver Hb 7:25).

Finalmente, no verso 11, Paulo declara que “
nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo”. Notemos a progressão: gloriamo-nos na esperança; gloriamos-nos nas tribulações; e finalmente  nos “gloriamos em Deus”. É a resposta do evangelho àqueles que preferem se gloriar em suas próprias consecuções e méritos e estão fadados à vergonha e confusão.

III. A morte tragada

Nos restantes dez versos de Romanos 5, Paulo tece um impressivo contraste entre Adão, aquele de cujo ato procedem o pecado e a morte, e Jesus, de cuja vida e morte procedem a justiça e vida eterna. Tanto a morte de Adão como a de Cristo trouxeram consequências para toda a humanidade. Nos versos 12-14, ele desenvolve um tipo de prólogo à elaboração do contraste que segue a partir do verso 15. Paulo conclui o prólogo afirmando que Adão “prefigurava Aquele que haveria de vir”. Adão é um tipo de Cristo porque ambos são cabeça de humanidade: de Adão procedem os perdidos, e de Cristo, os salvos.

Mesmo assim, o prólogo é sombrio, porque nele o escritor se limita a falar da consequência do pecado de Adão. A morte impôs seu domínio no mundo; ela “reinou” (v. 14), porque “havia pecado no mundo” (v. 13). Então, a luz brilha e expulsa as sombras a partir do v. 15. Como diz a lição, nos versos 12-14 “Paulo tenta levar os leitores a perceber quão mau é o pecado e o que ele trouxe ao mundo por meio de Adão. Então, mostra [a partir do v. 15] o que Deus nos oferece em J esus como único remédio para a tragédia trazida sobre nosso mundo pelo pecado de Adão.”

A pergunta 5 requer como resposta o resultado mais funesto do pecado. Eu diria que essencialmente não é a morte; esta é consequência secundária, derivada daquela mais funesta: a separação de Deus. Ou, talvez, uma coisa e outra se equivalham, pois Deus não é só a fonte de vida: Ele é a própria vida (Jo 14:6). Uma vez dEle separada, a criatura está separada da vida e fadada ao desaparecimento. O pecado de Adão alienou a humanidade da comunhão com Deus e o resultado foi a morte para todos; “...a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (v. 12). A universalidade do pecado é atestada pelo fato de que todos morrem.

O estudo também afirma que “a morte foi tragada pela vida.” Isso é verdade num aspecto, mas em outro, também é verdade que a morte foi tragada pela morte (ver Hb 1:14). De fato, a morte de Jesus na cruz foi a morte da própria morte. Deus confrontou a morte gerada pelo pecado com a morte que gera vida.

IV. A lei desperta necessidade

O estudo de hoje se fundamenta em Romanos 5:13, 14. O texto é adequadamente explicado na lição, principalmente no que concerne à instituição do “regime da lei” e ao tempo transcorrido entre Adão e Moisés, por quem a lei foi dada (Jo 1:17).

No verso 13, Paulo afirma que “o pecado não é levado em conta [ou não é imputado] quando não há lei”, especificamente o pecado na forma de transgressão, ou desvio de uma lei formalmente declarada. Não significa que, antes do Sinai, a lei de Deus não existisse, pois houve, naquele período da história, ocasiões em que Deus imputou aos pecadores o seu pecado. Senão, pergunto: o que foi exatamente que Deus fez com Caim, e com os antediluvianos, e com os habitantes de Sodoma e Gomorra, senão imputar-lhes o pecado? (isso, pelo menos em parte, responde a pergunta 6). A lei sempre existiu em seus princípios, os quais são tão eternos quanto o próprio Deus, pois são uma expressão do Seu caráter. Mas na forma escrita, a lei passou a existir a partir de Moisés. “Lei”, nesta segunda parte do verso 13, tem o sentido de um código escrito, formalizado, tal como os Dez Mandamentos.

Aqui uma lista dos princípios expostos nos Dez Mandamentos:

1º Mandamento – Lealdade       
6º Mandamento – Respeito à Vida
2º Mandamento – Adoração correta       
7º Mandamento – Fidelidade
3º Mandamento – Respeito a Deus
8º Mandamento – Honestidade
4º Mandamento – Santidade
9º Mandamento – Veracidade
5º Mandamento – Respeito à autoridade
10º Mandamento – Contentamento


Os princípios do Decálogo são normativos para a humanidade e estão em vigor no transcurso de toda a história. Violentar qualquer um destes princípios é pecado, e o pecado requer a intervenção de um Salvador. Em qualquer época, portanto, a lei despertou necessidade, como estabelece o título da lição de hoje. A salvação é pela graça desde que foi dada a promessa de Gênesis 3:15.

A pergunta 7 nos leva de volta ao conceito de que a lei incrementou a seriedade do pecado, como já comentei em lição anterior.
Reitero o que foi dito antes, com o seguinte:

A entrega da lei no Sinai propiciou que o pecado se manifestasse na forma de transgressão (Rm. 4:15; Gl 3:19); o pecado de Adão foi exatamente isto: a transgressão de um mandamento expressamente promulgado (Gn 2:16, 17). A partir do Sinai, portanto, o pecado se torna mais efetivamente definido como ato pecaminoso, (embora sem deixar de ser também um princípio que determine uma condição), como transgressão, à semelhança do pecado de Adão.

Há uma multiplicação deste tipo de pecado, pois agora não será apenas um que agirá como transgressor, mas todos os que se aperceberem da lei e de seus reclamos. Pelo pensamento paulino, podemos inferir que, quanto maior é o conhecimento da lei maior é a multiplicação da transgressão, isto é, quanto mais a lei se deixa revelar, mais ela se vê violada. Este é, sem dúvida, um dos mais fortes argumentos paulinos contra qualquer tentativa de salvação pela lei. Para Paulo, o papel da lei no processo da salvação humana é exatamente este: realçar o pecado como fator de perdição e incrementar a necessidade de um Salvador.

V. O segundo Adão

As perguntas 8 e 9 da lição tratam do contraste entre Adão e Cristo e seus respectivos atos. O paralelo entre ambos realça, por meio de contraste, o valor do plano de Deus. O contraste é entre o pecado do primeiro e a justiça do Segundo, e suas opostas consequências para a raça humana: morte e vida. Tanto o pecado de Adão como a justiça de Cristo são vistos como atos históricos que resultam em dois poderosos princípios que atuam no homem: o pecado e a graça. Adão e Cristo emergem como cabeças de duas completas e distintas humanidades: a perdida, vinculada a Adão pela ascendência biológica (todos descendem dele), e a restaurada, vinculada a Cristo pela fé.

O contraste é assim desenvolvido:


Vs.
Adão
Cristo
15
Ofensa
dom gratuito
15
morreram muitos
dom abundante sobre muitos
16
Julgamento
Graça
16
uma só ofensa
muitas ofensas
16
Condenação
Justificação
17
reinou a morte
reinarão em vida
18
uma só ofensa
Um só ato de justiça
18
juízo sobre todos
graça sobre todos
18
para condenação
para a justificação que dá vida
19
desobediência
obediência
19
muitos se tornaram pecadores
muitos se tornarão justos
20
a lei entra para avultar a ofensa e abundar o pecado
a graça se mostra superabundante
21
o pecado reinou pela morte
a graça reinou pela justiça para a vida eterna

O que toca a cada um de nós do paralelo entre Adão e Cristo com estes contrastes de pecado (ou ofensa) e de justiça; de julgamento e de graça; e de vida e morte? Tudo, pois de cada um de nós é requerida a decisão de estarmos ou em Adão ou em Cristo. Não há uma terceira opção, como se alguém pudesse dizer: “não quero estar vinculado nem a um nem a Outro”. A neutralidade é impossível. A vinculação a Adão é biológica, e a Cristo é por fé. Mas, um vez optando por Cristo, a fé suplanta as forças orgânicas naturais.

No entanto, observemos bem o que cabe a cada um deles, Adão e Cristo. É o que também caberá a nós inevitavelmente, pois também é impossível que estejamos em um e recebamos o que cabe ao outro; se estamos em Adão não receberemos o que cabe a Cristo, e vice-versa. Então, temos que ser sábios na escolha e pedir a Deus forças para escolher quem deve ser escolhido. Como diz a lição, “Paulo enfatiza que a justificação não é comprada: ela vem como um presente. É algo que não merecemos, de que não somos dignos. Como todos os presentes, temos que aceitá-la e, no caso desse dom, nós o buscamos pela fé.”

Autor José Carlos Ramos - Pastor e professor do SALT ora jubilado. Engenheiro Coelho, SP




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