segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Liberdade em Cristo (comentário do estudo 09)





Liberdade é um tema por demais explorado. Ao longo de séculos e milênios, tem sido abordado por homens pensantes de todos os níveis, poetas, filósofos, mestres, literatos, políticos, etc. Todos, de fato, anseiam ser livres, pois o senso de liberdade está incorporado à natureza humana.

Mas há muita incompreensão em torno do assunto. Há os que imaginam que liberdade só existe quando toda e qualquer restrição é eliminada. “Quero fazer o que bem entendo”, grita o filho aos pais, confrontado por regras estabelecidas para a preservação dos bons costumes. Todavia, mais cedo do que se pensa, a ilusão por liberdade sem restrições se desvanece, como prova a experiência de muitos jovens na escravidão das drogas.

Por outro lado, imagine o caos nos grandes centros se não existisse um código de trânsito; falta de lei é anarquia. De fato, a verdadeira liberdade só existe dentro dos limites da lei; que igualmente o digam aqueles que estão numa penitenciária amargando o fruto de seus crimes.

O pecado é o maior fator de anarquia e de escravidão. É por conta disso que só em Jesus há liberdade plena, pois “Ele Se manifestou para tirar os pecados” (1Jo 3:5) e colocar “ordem na casa”. Esse é o quadro oferecido em Romanos 8, como é afirmado na introdução da lição: “Paulo continua explicando que essa liberdade foi adquirida a um custo infinito. Cristo, o Filho de Deus, que assumiu a humanidade – a única maneira de Ele Se relacionar conosco – Se tornou nosso exemplo perfeito e o substituto que morreu em nosso lugar... Como resultado, os requisitos justos da lei podem ser cumpridos em nós (v. 4). Em outras palavras, Cristo tornou possível a vitória sobre o pecado, bem como o atendimento aos reclamos positivos da lei.” E nisso se efetiva a verdadeira liberdade.

I. Liberdade da condenação
Dizer que “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8:1), significa dizer que os que nEle estão foram justificados pela fé e estão salvos. Não andarsegundo a carne, mas segundo o Espírito” é o resultado dessa abençoada experiência. A justificação pela fé é algo dinâmico, que transforma a vida do crente e lhe dá o título da vida eterna.
O estudo pergunta o que significa a fórmula “nenhuma condenação”. Precisamente isto: “nenhuma condenação”. É uma fórmula jurídica, pois o processo da justificação é também jurídico. Deus olha para aquele que se une a Cristo e não vê nele culpa; então, ao declará-lo inocente, o grande Juiz o isenta da pena capital imposta pelo pecado: a morte eterna (lembre que “o salário do pecado é a morte”, conforme o apóstolo já declarara em 6:23).

O estudo deixa claro como é possível essa reversão da situação do pecador: “condenado no passado como transgressor da lei, passa a estar perfeito à vista de ­Deus, como se nunca houvesse pecado, porque a justiça de ­Jesus Cristo o cobre completamente. Não mais existe condenação, não porque essa pessoa não tenha defeitos, esteja sem pecados, ou que seja digna da vida eterna (porque não é!), mas porque o registro da vida perfeita de Jesus toma o lugar da pessoa; assim, não existe condenação.”

O segredo disso tudo é a pessoa estar “em Cristo”, isto é, manter “uma união íntima e pessoal com” Ele, de modo que a vida de tal pessoa não mais seja votada e voltada para o pecado, mas vive a própria vida de Cristo, votada e voltada para a justiça (ver Gl 2:20; Rm 6:10-13). Cristo Se torna seu grande modelo; e o “modo de vida” dEle passa a ser “seu próprio modo” de vida.

Então, no verso 2, Paulo expõe a razão pela qual não há condenação para o crente em Cristo: “A lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte.” Paulo se referiu à “lei do pecado” em 7:23 e 25, e aqui ela é posicionada em antítese à “lei do Espírito da vida”; à “lei do pecado” o apóstolo juntou o complemento “e da morte” não somente porque esta segue o pecado num processo regular da causa e efeito (“o salário do pecado é a morte”, 6:23), mas também por uma questão de contraste com “Espírito da vida”. Assim, o paralelo antitético da cláusula positiva com a negativa é perfeito:
Cláusula positiva = “a lei do Espírito da vida”
Cláusula negativa = “a lei do pecado e da morte”  

A questão é: a que ou a quem Paulo se refere com a fórmula “lei do Espírito e vida”? O estudo afirma que é ao “plano de Cristo para salvar a humanidade”; mas, considerando que tudo o que Cristo fez nesse sentido se efetiva através da operação do Espírito Santo, o “Espírito da vida” mencionado por Paulo é, inegavelmente o Espírito Santo, não só porque Ele é criador da vida, mas porque, no contexto desta passagem, Ele é a própria vida (ver versos 10 e 11). Outra evidência desse fato é que a “lei do pecado” mencionada por Paulo significa o poder atuante que rege a vida de servidão ao pecado; assim a “lei do Espírito” deve ser entendida igualmente como o poder atuante que rege a nova vida daquele que recebeu a Cristo como Salvador.

II. O que a lei não pode fazer
Abordei as funções da lei em relação ao pecado e ao pecador no comentário do estudo nº 08. Ali ficou bem claro que salvar não é a função da lei; agora, segundo o texto do estudo de hoje, Paulo afirma que isso lhe é “impossível” porque está “enferma pela carne”, ou seja, transgredida. Nessa condição, uma lei apenas condena, jamais absolve; não pode justificar o transgressor, por mais que ele se esforce por obedecer-lhe.

Naturalmente, aquilo que era impossível à lei, Deus realizou particularmente pela morte de Seu Filho na cruz. Mas, à luz do texto em consideração no estudo de hoje (Rm 8:3, 4), toda a vida que Jesus viveu desde a manjedoura de Belém até o Calvário foi essencial para a efetivação do ato salvífico de Deus. O estudo toca esse ponto ao declarar: “É apropriado exaltar a cruz, mas, no resultado do plano de salvação, a vida de Cristo ‘em semelhança de carne pecaminosa’ também é extremamente importante.”

A propósito, a fórmula “em semelhança de carne pecaminosa” não indica que Jesus assumiu, na encarnação, uma natureza humana decaída, e que Ele tinha, como nós, propensões para o pecado, como querem os perfeccionistas. Paulo não diz que Ele veio em carne pecaminosa, mas “em semelhança de carne pecaminosa”. O termo não indica mera aparência, como queriam os docéticos, e tampouco é sinônimo de equivalência ou igualdade. Se fosse isso que o apóstolo queria dizer, ele teria empregado o termo ísos, principalmente na forma neutra, ísa, que ele mesmo empregou em Filipenses 2:6, afirmando que Jesus não é semelhante a Deus, mas é igual a Ele.

Mas, voltando à citação do estudo, “a vida de Cristo ‘em semelhança de carne pecaminosa... é extremamente importante” porque no processo da justificação pela fé não é apenas a morte de Jesus que é levada em conta; Sua vida de perfeita obediência é igualmente um componente decisivo, não apenas porque, se Cristo não cumprisse rigorosamente cada reivindicação da lei de Deus Ele não poderia nos salvar, mas acima de tudo porque, no ato de nos justificar, Deus atribui a nós a vida de perfeita justiça de Seu Filho, enquanto atribui a Ele nossa vida de pecados. Então, Ele precisava viver essa justiça perfeita. Esse processo divino, maravilhoso, resulta em três consequências:
(1) Jesus morreu em meu lugar, (isto é, recebeu meu castigo)
(2) Jesus tomou os meus pecados, e deu-me Sua justiça (vida de obediência);
(3) recebo vida eterna, algo que só Jesus merece por nunca ter pecado.

Todo o processo que culmina com a justificação pela fé permite que o apóstolo afirme em 8:3 algo bastante significativo e ao mesmo tempo maravilhoso: enquanto a lei condena o pecador (subentendido em toda a exposição paulina até aqui), Deus condena não o pecador, mas o pecado. Mas se Ele condena o pecado, por que Aquele que nem mesmo conheceu pecado é que foi condenado? Porque Ele foi feito “pecado por nós” (2Co 5:21).

Não podemos jamais esquecer, todavia, que a justificação pela fé salva o pecador estando este no pecado, mas o salva para libertá-lo do pecado. A justificação é forense (ou jurídica) em sua natureza, mas ética em seus resultados. Tão logo o pecador é justificado pela fé, começa a santificação progressiva do cristão. O grande alvo: tornar-se cada vez mais semelhante a Jesus. Assim como Ele foi obediente à lei, o cristão também o será. É por isso que, no verso 4, o apóstolo afirma que tudo o que fez Deus em Seu Filho e por Seu Filho, para salvar o pecador, ocorreu “a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.

Essa finalidade é entendida de duas formas distintas: objetivamente e subjetivamente. A primeira tem que ver, antes de tudo, com o que Cristo fez por nós ao morrer na cruz, pagando o preço da nossa redenção; e com o benefício que auferimos quando cremos nEle e O aceitamos como nosso Salvador pessoal. Em termos práticos como se viu acima, isso significa que, quando o pecador, crendo em Cristo, O recebe como Salvador, seus pecados são atribuídos a Jesus, enquanto a vida justa de Jesus é atribuída a ele. Então, diante da lei, Jesus aparece como aquilo que o pecador é, um transgressor e, portanto, morre; e o pecador aparece como aquilo que Jesus é, um justo e, portanto, vive.
Em outras palavras, assumindo Jesus a culpa do pecador, este, no momento em que crê nEle, é inocentado, absolvido, justificado, enquanto Jesus é condenado, e paga o preço da transgressão do pecador. Este pode ser absolvido, ou justificado, precisamente porque, no momento em que crê em Jesus, ele é considerado um cumpridor da lei, já que a vida justa de Jesus lhe é atribuída. Assim, o preceito da lei foi cumprido no pecador, e ele tem o direito à vida assegurada àquele que lhe obedece.

Como se entende o texto, a segunda forma tem que ver com o que Deus faz em nós, evidenciada pela nova vida que o pecador, uma vez justificado pela fé, vive pelo poder da graça nele operando. Paulo afirma nesse texto que o preceito da lei se cumpre em nós “que não andamos segundo a carne,” isto é, não satisfazendo os desejos pecaminosos, “mas segundo o Espírito,” ou seja, vivendo de acordo com a vontade de Deus, o que caracteriza a nova vida.

Andar segundo o Espíritonos levará à plena harmonia com a lei de Deus, que também é “espiritual” (7:14). Como criaturas nascidas de novo, e com a força que Jesus nos dá, palmilharemos o caminho da obediência. A linguagem de nossa vida será: “Quanto amo a Tua lei! É a minha meditação todo o dia” (Sl 119:97). Assim, o preceito da lei nele se cumpre. Com John Stott afirma: “...a lei só pode ser cumprida naqueles que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.’ ... A obediência é um aspecto necessário e possível do discipulado cristão. Embora a lei não possa garantir essa obediência, o Espírito pode” (Romanos, S. Paulo, SP: ABU Editora, 2000, p. 265).

Continua o referido autor evangélico: “...a santidade é o propósito supremo da encarnação e da expiação de Cristo. O objetivo de Deus ao enviar Seu Filho não foi apenas justificar-nos, livrando-nos da condenação da lei, mas também santificar-nos através da obediência aos mandamentos da lei... A santidade consiste em cumprir a justa exigência da lei... Romanos 7 insiste em dizer que não podemos guardar a lei porque a “carne” habita



Autor: José Carlos Ramos 
José Carlos Ramos é pastor e professor do SALT ora jubilado. Engenheiro Coelho, SP.




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