Ao longo deste trimestre, e até este momento, estudamos as virtudes mencionadas em Gálatas 5:22, 23 e em Efésios 5:8-10. Na sequência, examinaremos com mais atenção outras virtudes mencionadas em outros textos. A primeira delas, ainda nos escritos de Paulo, e as seguintes, apontadas por Pedro.
II. Empecilhos à produção do fruto do Espírito
Quando alguém semeia, sua intenção é colher o respectivo fruto. Ele espera que a semente germine, brote, cresça e resulte em boa colheita. Todavia, podem surgir obstáculos que o impeçam de alcançar seu propósito. Jesus nos alertou sobre isso quando contou a parábola do semeador (Lc 8:5-15; cf. Mt 13:3-8, 18-23; Mc 4:3-20). Ali, a semente representa a Palavra de Deus e ela cai em quatro tipos de solos, que são símbolos daqueles que são alcançados pelo evangelho.
(1) Uma semente caiu à beira do caminho. Este solo estava tão duro e batido que nem sequer acolheu a semente. E logo vieram as aves e a comeram. É como se aquela semente nunca houvesse sido lançada nele. Esse solo representa aqueles que têm contato com a Palavra, mas não a entendem. Eles não a compreendem porque estão desatentos e desinteressados. São como doentes que não sabem de sua condição e, por isso, não se interessam pelo remédio que lhes traria cura. Pela ação do diabo, a Palavra logo sai de sua vida, nada lhes aproveitando.
(2) Outra semente caiu sobre a pedra, um solo rochoso onde a camada de terra era muito fina. O solo a recebeu e ela chegou a germinar e a brotar, mas, quando precisava crescer, não havia espaço para as raízes. O sol fez seu trabalho, mas faltou umidade e os ingredientes necessários ao crescimento. Essa é uma representação daqueles em quem a religião é superficial. Aceitam o evangelho imediatamente e o fazem com muita alegria, mas são de pouca duração. Por baixo dos bons desejos há uma sólida camada de egoísmo. Como este solo conserva a semente e a pedra ao mesmo tempo, eles tentam servir a si mesmos e ao evangelho, e isso não é possível. Quando vêm as provações e as dificuldades próprias da vida cristã, eles logo desistem.
(3) Uma terceira semente caiu em um solo cheio de espinhos, o qual a recebeu. Ela vingou, cresceu e deu frutos, mas estes não chegaram a amadurecer. Qual foi a razão? O solo quis conservar simultaneamente a semente e os espinhos e, embora parecesse dar certo por algum tempo, no fim revelou-se um fracasso: seu fruto não tinha nenhuma serventia. Os espinhos cresceram com a boa planta. Ela crescia, é verdade, mas eles também cresciam. E, com o tempo, eles a sufocaram. Que espinhos são estes? Jesus disse que são os cuidados do mundo, a fascinação das riquezas e os deleites da vida. Nesta vida, todos nós temos cuidados e preocupações, que podem ser legítimos e necessários. Podem nem ser pecaminosos em si mesmos. Todavia, tornam-se um entrave em nossa vida espiritual porque nós os priorizamos. Isso acontece quando estamos tão atarefados que não temos tempo para Deus: tempo para orar, estudar a Palavra, cultuar o Criador e testemunhar. Então, a semente do evangelho em nós fica sufocada. Nossa vida espiritual não prospera e o fruto do Espírito, as virtudes cristãs, não se manifestam como Deus planejou. O segundo espinho é a fascinação das riquezas, o que pode afetar ricos e pobres. Algumas vezes diz respeito mais a alguns pobres do que a alguns ricos. Isso ocorre porque os que ficaram ricos e descobrem que a riqueza não proporciona tudo aquilo que haviam imaginado. Por outro lado, os pobres, por não terem passado por essa experiência, ainda não sabem disso e estão lutando dia e noite na busca de mais bens. É uma “fascinação” – no grego, apatē, um “engano, logro”.17
Queremos mais coisas. Sonhamos com mais coisas. Trabalhamos para ter mais coisas. Oramos por mais coisas. E assim temos uma vida fascinante, mas de engano. Enquanto que aquilo que é o mais importante, nossa vida espiritual, permanece abafada. Outro tipo de espinhos são os deleites da vida, aquelas diversões e prazeres que “fazem guerra contra a alma” (1Pe 2:11) e minam nossa força espiritual. E disto o mundo está cheio e cada vez mais.18
Felizmente, ainda é tempo de modificar estes três tipos de solos, de modo que se tornem em terra boa e produtiva. Desse modo, a terra dura pode ser revirada e afofada, e as pedras e os espinhos podem ser retirados. Pela graça de Deus, podemos ter um coração receptivo à Palavra, um coração que a retenha apesar de suas exigências e que busque compreendê-la. Somente dessa maneira é que podemos frutificar e o fruto em nós pode amadurecer.
III. Cultivo do fruto do Espírito
Aprendemos que as virtudes cristãs são um fruto. Como os frutos de qualquer planta não surgem repentinamente já prontos e maduros, antes, vão crescendo e maturando pouco a pouco, da mesma forma as virtudes devem crescer e maturar gradualmente em nossa vida. Além disso, o fato de serem chamadas de “fruto do Espírito” nos ensina que elas não vão despontar por uma ação meramente humana; antes, derivam da obra do Espírito em nós. Elas são obra de Deus. Também devemos considerar que, embora uma semente tenha em si mesma um princípio de vida dado por Deus, e que é Ele quem realiza a obra de crescimento, frutificação e maturação, o homem tem sua parte a desempenhar. Assim, se você colocar uma semente sobre o asfalto, nada vai acontecer. Você precisa semear num lugar favorável. Precisa limpar o terreno e adubar e, conforme a espécie, podar de tempos em tempos. Semelhantemente, o cultivo das virtudes requer nossa cooperação. Deus age, e nós agimos com Ele. Paulo aconselhou: “Desenvolvei a vossa salvação... Deus é quem efetua em vós” (Fp 2:12, 13) e Pedro, ao começar sua lista de virtudes, o fez com a expressão “reunindo toda a vossa diligência” (2Pe 1:5), o que transmite a “ideia de empregar todo esforço possível. Devemos trazer a este relacionamento, ao lado do que Deus já fez, cada grama de determinação que pudermos carregar”.19
Ao encerrar esta série de estudos bíblicos, concluímos que a vida cristã – a vida daquele que foi justificado por Cristo e que se encontra no processo da santificação – não consiste apenas em renegar o pecado, mas também em desenvolver um bom caráter. Precisamos nos despir dos defeitos e vícios e nos vestir das virtudes (Cl 3:5-15). Devemos ser conhecidos não somente por aquilo a que nos opomos, mas também por aquilo que propomos.20 Desse modo, pode ser dito que a essência do caráter cristão consiste na produção do fruto do Espírito: as preciosas virtudes – que não são desenvolvidas automaticamente, antes, resultam da operação do Espírito de Deus em nossa vida e de nossa cooperação com Ele, com muita determinação, disciplina e esforço.
Que Deus o abençoe em seu desígnio de continuar cooperando com o Espírito Santo na produção do bom fruto e que isso seja para a Glória de Deus!
Emilson dos Reis atuou como pastor distrital em diversas igrejas no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Foi pastor e professor no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul e no Centro Universitário Adventista de São Paulo. É doutor em Teologia Pastoral e diretor da Faculdade Adventista de Teologia no UNASP, onde também leciona as disciplinas de Introdução Geral à Bíblia e Homilética. É autor dos livros: Introdução geral à Bíblia; Aprenda a liderar; Como preparar e apresentar sermões e O dom de profecia no púlpito.
Referências biblográficas
2. Michael Green, II Pedro: Introdução e comentário (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983), 61-63.
3. H.-G. Link e A. Ringwald, “Virtude, inculpável”, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 4 Vols., editado por Colin Brown, traduzido por Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1985), 4:775-776.
4. Ibid., 4:774.
5. Ibid.; Ray Summers, “II Pedro”, Comentário bíblico Broadman, editado por Clifton J. Allen, traduzido por Adiel Almeida de Oliveira (Rio de Janeiro: JUERP, 1984), 12:208.
6. Green, 64.
7. Link, 4:776.
8. Green, 64; Summers, 12:208.
9. Warren W. Wiersbe, Comentário bíblico expositivo, 6 vols. (Santo André: Geográfica Editora, 2006), 6:565.
10. Ibid., 6:566.
11. Summers, 12:208.
12. U. Falkenroth e C. Brwn, “Paciência, firmeza, perseverança”, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 4 Vols., editado por Colin Brown, traduzido por Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1985), 3:379-380.
13. Wiersbe, 6:566; Green, 66.
14. Wiersbe, 6:566; Summers, 12:208.
15. Green, 66; Wiersbe, 6:307.
16. W. Günther, “Piedade, religiosidade”, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 4 Vols., editado por Colin Brown, traduzido por Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1985), 3:547.
17. Fritz Rienecker e Cleon Rogers, Chave lingüistica do Novo Testamento grego (São Paulo: Vida Nova, reimpressão 1988), 72; W. Günther, “Enganar, lograr, desviar”,Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 4 Vols., editado por Colin Brown, traduzido por Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1985), 2:38.
18. Ver Ellen White, Parábolas de Jesus, 33-61.
19. Rienecker, 570-571.
20. Wiersbe, 6:307.
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