sexta-feira, 12 de março de 2010

O fruto do Espírito Santo é justiça (comentário)





A expressão “fruto do Espírito” foi empregada uma única vez nas Escrituras (Gl 5:22).  Todavia, há outras expressões e outros textos que tratam do mesmo tema (Ef 4:1-3, 25, 32; Cl 3:12-15; 2 Pe 1:5-8). Eles apresentam as virtudes que brotam na vida daqueles que passaram pela experiência da conversão e em quem o Espírito de Deus está atuando, completando a boa obra que um dia Ele iniciou (Fp 1:6; cf. Rm 8:1-17). Um destes apresenta um trio de qualidades. Ele diz: “... andai como filhos da luz (porque o fruto da luz consiste em toda bondade, e justiça, e verdade), provando sempre o que é agradável ao Senhor” (Ef 5:8-10). Como a virtude da “bondade” já foi estudada, vamos nos concentrar nesta semana na “justiça” e, na semana seguinte, na “verdade”.

Os termos hebraicos que aparecem no Antigo Testamento para “justo” e “justiça” são tsaddiqtsedheqtsedhâqâh, e os termos gregos correspondentes no NT sãodikaios e dikaiosyne, todos tendo a idéia fundamental de conformidade a um padrão, de estrito apego à lei.

A JUSTIÇA DE DEUS


Esta qualidade é repetidamente atribuída a Deus (Ed 9:15; Ne 9:8; Sl 119:137; 145:17; Jr 12;1; Lm 1:18; Dn 9:14; Jo 17:25; 2 Tm 4:8; 1 Jo 2:29; 3:7; Ap 16:5), pois embora não haja qualquer lei acima dele, certamente há uma lei em sua própria natureza divina, da qual derivam todas as leis que são reputadas por justas.1


A justiça de Deus pode ser considerada de duas maneiras: 


(1) justiça absoluta (ou essencial) – aquela inerente a Deus e que se refere à perfeição moral e à excelência de Seu caráter, à retidão pela qual ele se sustenta a si mesmo contra as violações de sua santidade (Dt 32:4; Sl 97:1-2; cf. 89:14); e 


(2) justiça relativa –  aquela que ele manifesta em relação a suas criaturas, governando-as com retidão inflexível, dando a cada um conforme o seu merecimento e agindo de modo que todos assim o vejam e o reconheçam.2  Tal manifestação de justiça é uma necessidade de sua natureza santa que sempre o inclina a agir desse modo.3


JUSTIÇA E MISERICÓRDIA


Por ser justo, Deus não pode, simplesmente, fechar os olhos ao pecado, escusá-lo ou perdoá-lo.4  Ele quer perdoar, quer manifestar misericórdia, mas “em caso algum Deus concede Sua misericórdia independente de Sua imutável justiça”.5  Ao mesmo tempo em que quer dizer sim ao pecador precisa dizer não ao pecado e demonstrar que conquanto esteja a favor dos homens, está contra o pecado.6  Ao Deus exercer misericórdia não há violação ou desistência das exigências legais, isto é, não há abolição de sua lei moral, nem redução da pena, mas, sim, a substituição de quem recebe a punição.


Desse modo, a magnitude da misericórdia pode ser vista em três ações divinas: 


(1) ao permitir que outra pessoa assuma o lugar do pecador e receba o castigo em seu lugar; 
(2) em providenciar tal pessoa; e 
(3) em oferecer-se para ser aquela pessoa.7  


Portanto, como nosso substituto, Cristo pagou nossa dívida à justiça de Deus.  O documento de dívida foi cancelado e encravado por Ele na cruz (Cl 2:14) e, assim, ao aceitarmos esta substituição somos salvos.


JUSTIÇA E SALVAÇÃO


A Bíblia Sagrada descreve a salvação como uma experiência, a qual Deus deseja que todos os homens tenham em sua vida. As expressões “justificação” e “santificação” não descrevem dois fenômenos separados um do outro, mas sim aspectos integrantes da experiência da salvação. Enquanto que o termo “justificação” é uma referência ao perdão que Deus concede ao pecador que arrependido aceita a Cristo – o Justo – como seu único Salvador,8 a expressão “santificação” pode ser usada como sinônimo de “crescimento na graça” ou “desenvolvimento do caráter”. 


No primeiro caso, a justiça de Cristo é imputada (colocada na conta do pecador, de modo que este nada mais deva a Deus – pois seu débito foi totalmente pago por Cristo). 


No segundo, a justiça de Cristo é comunicada ao mesmo indivíduo (isto é, ele recebe constantemente da ajuda do céu para viver uma vida justa, de obediência à vontade de Deus).9


Na justificação, Deus trata com o passado de nossa vida. No momento em que arrependido confesso meus pecados e reclamo o sacrifício de Cristo em meu favor, Deus me perdoa, me justifica, e todos os meus pecados, dali para trás, são perdoados. Não há mais, da parte de Deus, nenhuma condenação sobre mim. Estou em paz com Deus (Rm 8:1 e 5:1). 


Contudo, por maravilhosa que seja esta experiência, ela é incompleta. Por que? Porque a vida continua e, se agora eu estou limpo, mas continuo sozinho na luta contra o mal, vou acabar cometendo todos aqueles pecados novamente. Aqui é que entra a santificação. Se na justificação eu sou completamente perdoado quanto ao meu passado, na santificação eu recebo ajuda para viver o dia a dia – o presente – como Deus espera. Deus nunca oferece o Seu perdão sem, junto, oferecer o Seu poder. É como se Deus estendesse as mãos com dois presentes, o perdão em uma mão e o poder na outra. Mas, freqüentemente, estamos tão ávidos pelo perdão que nos concentramos apenas nele e, então, o agarramos e nos afastamos, deixando de estender a mão para apanhar o poder para viver nova vida. Esquecemos que a vitória somente será nossa quando nos apropriarmos de ambos.


JUSTIÇA E SANTIFICAÇÃO


A Palavra de Deus apresenta a santificação como uma necessidade: “Sem a santificação ninguém verá o Senhor” (Hb 12:14). Todos nós desejamos ver a Deus, e um dia o veremos (Ap 22:4) na cidade santa, mas, para que isso aconteça, devemos andar no caminho da santificação (1 Jo 3:3). Deus deseja que, enquanto aguardamos a vinda de Jesus, sejamos santificados no Espírito, na alma e no corpo (1 Ts 5:23). 

É um fato que ninguém pode ser santificado sem primeiro haver sido justificado; e ninguém pode ser justificado sem imediatamente entrar no processo da santificação. O apóstolo João escreveu: “Se sabeis que ele [Deus] é justo, reconhecei também que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele” (1 Jo 2:29). Como a justiça é inerente ao caráter de Deus, tudo que Ele faz é justo e, em razão de que o filho deve exibir o caráter do pai porque participa da natureza do pai,10 aquele que nasce de Deus também pratica a justiça. 



Aquele que foi regenerado pelo poder de Deus não só abandona o mal, também se esmera em efetuar o que é reto. Anteriormente, os membros de seu corpo eram usados para realizar o pecado, mas, agora, os pés, as mãos, os lábios, todo o ser, enfim, dedica-se a praticar o bem (Rom. 6:13, 18-22).


A idéia de santidade acompanha a idéia bíblica de santificação. A idéia de santidade é separação, isolamento ou qualidade do que é diferente. O Antigo Testamento aplica a palavra “santo” fundamentalmente a Deus – e, conseqüentemente, a coisas e pessoas que se relacionam com Ele; como o templo, o dízimo, o sábado, a nação, os sacerdotes, etc. Em o Novo Testamento, esta palavra aparece relacionada à conduta cristã (Rm 12: 1 e 1 Ts 4:3), e se refere à qualidade da pureza ou inocência. Assim, em uma vida que está sendo santificada, deve haver separação para Deus e uma conduta que revele pureza (1 Jo 3:3).


Quando alguém recebe a Jesus, quando alguém crê em Seu nome, recebe também poder para ser um filho de Deus (Jo 1:11-12). Este poder nos é dado por Deus. É poder de Deus. Vem de Deus. É com este poder que Deus lhe dá que você vai viver no presente, no dia a dia, uma vida de obediência, de santidade, de pureza. É este poder que o tornará vitorioso sobre as más tendências – hereditárias ou cultivadas – sobre o mundo, o diabo e suas tentações. Ao aceitarmos a Cristo, o poder de Deus que opera em nós é tão maravilhoso que nos tornamos uma nova criatura (2 Co 5:17). Cristo passa a reinar em nós (Gl 2:20). E é justamente esta presença e este poder em nós, que santificam nossos pensamentos, emoções, palavras e atos de vida. Sim, Deus não nos perdoa para que continuemos na mesma vida infeliz, inútil e pecaminosa que antes levávamos, mas Ele nos restaura, eleva-nos à uma posição onde temos todos os elementos necessários para viver uma vida feliz, útil e santificada.


Ilustração: Uma família mudou-se para uma nova residência. O pai proibiu o filho de brincar nos fundos do quintal, pois havia um poço desativado que se encontrava aberto. Enquanto o pai providenciava a compra de alguns materiais para tapar o poço, o menino desobedeceu, caiu e machucou-se. Quando o pai voltou, encontrou-o lá em baixo: triste, ferido, sem condições de sair sozinho dali. Que pensaríamos se o pai apenas dissesse: “Está bem meu filho, eu o perdôo!” e deixasse o menino lá? Mas o pai não somente o perdoou, tirou-o daquela situação e tratou de suas feridas.  O mesmo faz Deus por nós. Ele não só nos perdoa, como nos dá condições de vivermos uma vida que dê satisfação, a nós e a Ele.


Alguns, erroneamente, pensam que a justificação é obra de Deus e que a santificação é obra dos homens. Pensam, e quem sabe, até oram: “Senhor, eu falhei, mas creio em Jesus para perdão dos meus pecados. Se me perdoares, deixa o resto comigo; podes contar que serei obediente.” Creem que o perdão vem de Deus, mas a obediência, a santificação, é por nossa conta. Todavia, a Bíblia nos ensina que é Deus quem nos santifica (Ez 20:12; 1 Ts 5:23). Tanto a justificação como a santificação são um resultado da ação de Deus. 


A salvação é obra de Deus em todos os seus aspectos, do início ao fim. O mesmo Deus que nos perdoou é o que nos santifica. Contudo, assim como para sermos perdoados tivemos que aceitar pela fé o Seu perdão, do mesmo modo, para sermos santificados necessitamos aceitar pela fé o Seu poder para viver nova vida.


Quando começa a santificação? Qual a sua duração? Quando termina? Já vimos que ela tem início no momento em que aceitamos a Cristo como Salvador, no mesmo instante em que somos perdoados. Não há nenhum espaço de tempo entre a justificação e o início da santificação. Contudo, ao contrário da justificação, que é instantânea, a santificação é um processo que somente termina quando morremos, ou se estivermos vivos, na volta de Cristo, quando então receberemos outro presente de Deus: a glorificação. 


Mas, além de durar toda a vida, a santificação é progressiva, isto é, à medida que o tempo passa, não somente haveremos de conhecer mais sobre o caráter e a vontade de Deus, também confiaremos nEle cada vez mais, e seremos cada vez mais puros e consagrados, mais semelhantes a Cristo.


JUSTIÇA E FÉ


Entretanto, se é Deus quem nos justifica e nos santifica, qual é a nossa parte na experiência da salvação? Em Hb 12:2, Jesus é apresentado como o Autor da fé. No capítulo anterior, Hb 11, houve uma descrição de dezenas de homens e mulheres que tiveram fé. Agora, em contraste, Jesus é apresentado não apenas como possuindo fé, mas como sendo o originador da fé. Assim como nós possuímos vida, sendo ela originada e doada por Cristo (At 3:15), assim é com a fé. Como não podemos dar origem à vida, não podemos dar origem à fé. A vida é um dom de Deus, assim também é a fé. Deus dá a todos os homens uma medida de fé, que pode ser desenvolvida ou não, dependendo da vontade do receptor. Se usarmos esta medida de fé, ela aumentará.


Uma ilustração pertinente é a da fé comparada a uma mão.11 Do modo como Deus nos dá nossas mãos, Ele nos dá fé. Mas somos nós que decidimos o que fazer com nossas mãos, decidimos usá-las ou não. Assim é com a fé. Portanto, este ingrediente tão necessário para a salvação – a fé – é um presente de Deus para todos nós, contudo, podemos usá-la ou não, conforme nossa vontade.


Portanto, você tem uma parte a desempenhar. Essa parte não é uma contribuição, mas o preenchimento de uma condição. É algo que depende unicamente de você. Depende de sua vontade, de sua escolha. O poder de decidir, de escolher, foi dado ao homem. Desse modo, você pode decidir usar a fé que Deus lhe deu e crer em Suas promessas e em Sua Palavra, ou deixar esta fé atrofiar-se. Você pode tomar a decisão de permitir Deus trabalhar em seu coração e levá-lo ao arrependimento (At 5:30 e 31), ou pode escolher endurecê-lo. Você pode decidir agarrar o perdão que Deus lhe estende gratuitamente (At 5:30 e 31; Mt 6:12; Is 55 7; Ef 4:32), ou pode desconfiar que isto é bom demais para ser verdade, e recusar a oferta divina, tentando obter este perdão (justificação) de alguma outra forma. Você pode escolher receber o poder que Ele também lhe oferece (Jo 1:11-12 ) e, assim, por causa deste poder operando em sua vida, obedecer aos Seus mandamentos e efetuar tudo o que Lhe é agradável, ou pode rejeitar este poder, procurando inutilmente cumprir a vontade divina unicamente com a sua sabedoria e força pessoal. Você pode decidir abrir amplamente as portas de seu coração e dizer: “Eu creio Senhor”, e assim receber gratuitamente a salvação (Ef 2:8 e 9) e a vida eterna (Rm 6:23); ou pode recusar tais dádivas, tentando adquiri-las por seus próprios esforços.


JUSTIÇA E OBEDIÊNCIA


Examinando Rm 3, especialmente o v. 28,  que é a conclusão de um argumento, verificamos que as boas obras e a obediência, não são requisitos para sermos justificados, perdoados. Ao justificar alguém, Deus não leva em conta suas boas obras, não importa quantas sejam. Antes, Deus olha para a fé (v. 31). Notemos, porém, que o mesmo apóstolo, no mesmo capítulo, e tratando do mesmo assunto da salvação, nos ensina que o fato de as obras não serem consideradas na justificação, não significa que o cristão não será obediente ou não dará atenção aos mandamentos de Deus. Antes, pelo contrário, sua fé irá estabelecer a lei de Deus através da obediência à mesma. A fé em Cristo para perdão de pecados não anula a obediência, mas a produz. Assim, sempre que alguém possui a verdadeira fé, como conseqüência natural, produzirá obras ou obediência. A obediência não vem antes da justificação, mas depois. A justificação não deriva das obras, mas as produz. Em outra carta, Paulo ensina que somos salvos por causa da benignidade e do amor de Deus; justificados por graça e não por obras de justiça praticadas por nós (Tt 3:3-8). Contudo, ele acrescenta que, embora as obras não justifiquem nem salvem, elas se fazem presentes na vida de quem creu. “Os que têm crido” devem ser solícitos (cuidadosos, diligentes, ativos) na prática de boas obras.


Desse modo, o caminho daquele que foi justificado é como a luz do Sol pela manhã (Pv 4:18). O Sol vai crescendo de glória em glória, de um estágio a outro, até que, quando está no meio do céu, se encontra em toda a força e brilho. Ele não deu um salto, mas veio pouco a pouco. Assim é com o cristão. A partir da aceitação de Cristo e da justificação, haverá um contínuo desenvolvimento do caráter, quando haveremos de refletir mais e mais plenamente a imagem de Cristo. Este é o plano que Deus tem para a nossa vida. Vamos aceitar? Vamos estender a mão da fé para agarrar as muitas dádivas e recursos que Ele tem à nossa disposição?



Autor: Emilson dos Reis




Referências bibliográficas
  1. Louis Berkhof, Teologia Sistemática, 2ª ed. (Campinas: Luz Para o Caminho Publicações, 1992), 77; ver também G. H. Lacy, Introduccion a la teologia sistemática, 2ª ed. (S. L.: Casa Bautista de Publicaciones, 1976), 91-92.
  2. Heber Carlos de Campos, O ser de Deus e os seus atributos, 2ª ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2002), 340-341; B. L. Goodard, “Justice”, Evangelical Dictionary of Theology, editado por Walter A. Elwell (Grand Rapids: Baker book House, 9a reimpressão, 1992), 593.
  3. Campos, 349, 355; Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, 2 vols., traduzido por Augusto Victorino (São Paulo: Teológica, 2002), 1:442.
  4. Aracely S. de Melo, Justificação Pela Fé (s. l.: s. e., 1978), 7.
  5. Ibid., 8.
  6. Otto Webwe, Fundations of Dogmatics, 2 vols., traduzido por Darrell L. Guder (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, reimpressão 1988), 1:436.
  7. Strong, 1:442-443.
  8. Ellen White, Fé e obras, 93.
  9. Ibid., 3.
  10. John R. W. Stott, As epístolas de João: Introdução e comentário (S. Paulo: Edições Vida Nova e Editora Mundo Cristão, 1985), 101.
  11. Ellen White, Caminho a Cristo, 95.



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