sábado, 13 de março de 2010

O fruto do Espírito Santo é verdade (comentário)




A “verdade” é parte do fruto que se manifesta na vida de quem ama a Deus e procura agradá-Lo (Ef. 5:8-10). Na língua bíblica original, o termo é alétheia, o qual aparece 110 vezes no Novo Testamento. No Antigo Testamento, o vocábulo correspondente mais empregado é emeth, que ocorre 92 vezes. Ele e seus cognatos (palavras com a mesma raiz) transmitem a ideia de firmeza, estabilidade e fidelidade, e são aplicados tanto a Deus como aos homens. Etimologicamente, alétheia sugere algo que foi revelado e que pode ser conhecido como realmente é, em contraposição com aquilo que é apenas imaginário ou falso. Tanto alétheia como emeth podem transmitir a ideia de verdade como conceito cognitivo (do conhecimento), mas sua ênfase é o aspecto moral, a integridade, o caráter digno de confiança – a verdade como virtude.2


I. Deus e a verdade


O salmista se refere ao Senhor como o “Deus da verdade” (Sl 31:5), o que significa que Ele não vive oculto, mas Se revela e O vemos como sendo absolutamente fiel e digno de toda a confiança. Em sua oração sacerdotal, às vésperas de Sua morte, Jesus Se referiu a Seu Pai como o “Deus verdadeiro”. Ele disse: “E a vida eterna é esta: Que Te conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17:3). Tais palavras nos ensinam que quando conhecemos a Deus como Ele é, alcançamos a salvação, a vida eterna. Na linguagem bíblica “conhecer” alguém não é apenas uma atividade intelectual. Não basta apenas tê-lo visto poucas ou muitas vezes, saber seu nome, sua profissão, seu endereço. Conhecer implica em relacionamento. Eu conheço alguém quando, de fato, me relaciono constantemente com ele. É a mesma ideia ensinada pelo conhecido adágio: “para conhecermos alguém precisamos comer um saco de sal com ele”. Conhecer alguém leva tempo. Precisamos estar ao seu lado em diferentes situações, observando suas ações e reações. Precisamos ouvi-lo. Precisamos falar-lhe. De modo semelhante, adquirimos conhecimento de Deus. Leva tempo. Temos que falar a Ele e fazemos isto pela oração; temos que ouvi-Lo, e isto ocorre quando nos dispomos a estudar Sua Palavra, particularmente e coletivamente; precisamos observar e meditar como Ele tem agido na História, e como age atualmente na Igreja e no mundo.


Precisamos andar em Sua companhia a cada dia, o que equivale a seguir Suas orientações para nossa vida. É isto que nos leva a conhecê-Lo. O que ocorre quando conhecemos bem alguém que possui um bom caráter? Quanto mais o conhecemos, mais confiamos nele e mais o amamos; mais temos prazer em estar em sua companhia. O mesmo acontece em nosso relacionamento com Deus. Porque Ele é verdadeiro, quanto mais O conhecemos, mais confiamos nEle, mais O amamos, e maior prazer temos em estar em Sua companhia. E este conhecimento – vale dizer, relacionamento – produz em nós uma vida transformada e uma fé renovada. Busquemos, pois, conhecê-Lo, confiando em Sua promessa: “Buscar-Me-eis e Me achareis quando Me buscardes de todo o vosso coração” (Jr 29:13).


II. A Bíblia e a verdade


A Palavra de Deus é a verdade. No Novo Testamento, na mais longa oração registrada de Cristo, Ele disse a Seu Pai: “a Tua palavra é a verdade” (Jo 17:17). O mesmo foi dito nos Salmos. Neles, a Palavra de Deus é chamada de “lei”3, e o maior de seus capítulos, o 119, trata exclusivamente dela. Apresenta sua excelência e a exalta. Nessa oração ao Senhor, o salmista declarou: “A Tua lei é a própria verdade” (v. 142; cf. os vs. 151 e 160). E é justamente por essa razão que a Escritura nos ajuda a formar um caráter verdadeiro, iluminando nosso caminho (v. 105) e nos dando entendimento (v. 130); ela nos leva a buscar a Deus de todo o coração (v. 3), a odiar e a detestar a falsidade (v. 128), a vencer o pecado (v. 11) e a usufruir de paz (v. 165) e de grande alegria (v. 162).


III. O Espírito e a verdade


No último encontro com Seus discípulos, Jesus garantiu-lhes que, enquanto Ele não retornasse a este mundo, eles não ficariam sozinhos; antes, teriam a permanente presença do Espírito Santo – que Ele chama de Espírito da verdade – o qual não apenas estaria ao lado, próximo, mas mesmo habitaria neles. “Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê, nem O conhece; vós O conheceis, porque Ele habita convosco e estará em vós.  Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros” (Jo 14:16-18). E acrescentou: “... o Espírito da verdade, Ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir” (16:13).


O Espírito Santo ensina a verdade. Ele é o mestre da verdade. Um conceito teológico importante é o de “iluminação”, que é a ação do Espírito Santo sobre um indivíduo capacitando-o a entender a mensagem (revelação) de Deus. Observe, na citação que segue, de Ellen White, os possíveis efeitos do estudo da Bíblia quando desacompanhado dessa ação do Espírito:


“Sem a ajuda do Espírito Santo, porém, estamos continuamente sujeitos a torcer as Escrituras ou a interpretá-las mal. Muitas vezes, a leitura da Bíblia fica sem proveito, e em muitos casos é mesmo nociva. Quando se abre a Palavra de Deus sem reverência nem oração; quando os pensamentos e afeições não se concentram em Deus, ou não se acham em harmonia com Sua vontade, a mente fica obscurecida por dúvidas; e o ceticismo se robustece com o próprio estudo da Bíblia".4


A Palavra de Deus é a “espada do Espírito” (Ef 6:17) e para penetrar fundo no coração humano (Hb 4:12) necessita ser manejada por Ele. É necessário que Aquele que no passado inspirou Seus servos a escrever a Bíblia nos capacite hoje para que entendamos seu significado. Como está escrito: “... as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus” (1Co 2:11) e “o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em Meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14:26).


O Espírito Santo aplica a verdade. O mesmo Espírito de Deus que produziu as Escrituras e a preservou através dos séculos, deve agora aplicá-las aos ouvintes. A aplicação de um texto bíblico é a lição espiritual que o texto contém para aquele que o está estudando, em meio às suas lutas e necessidades. Conquanto os princípios bíblicos não sejam alterados com o correr do tempo, sua aplicação depende da época, da cultura, das circunstâncias e das necessidades dos ouvintes. A aplicação traz a verdade do mundo bíblico para o mundo contemporâneo. Deve brotar naturalmente das ideias da mensagem bíblica e estar relacionada à vida dos leitores e ouvintes.
Mostra como a verdade bíblica se relaciona à experiência deles, aos seus problemas pessoais.5 


Profetas e apóstolos fizeram aplicação da mensagem de Deus, e os pregadores da atualidade devem fazer o mesmo. Todavia, todos estes são apenas instrumentos do Espírito Santo. Ele é o grande aplicador da verdade. É Sua a obra de trazer algo à memória, revelar alguma necessidade, reforçar alguma verdade, fazer alguma sugestão, despertar a consciência, vivificar o coração, mover a vontade, dar forças para mudar e restaurar o homem à imagem de Deus.6


IV. Cristo e a verdade


Depois de falar aos Seus discípulos sobre Seu retorno ao Pai e de como um dia voltaria para buscá-los de modo que estivessem juntos para sempre, Cristo lhes disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por Mim” (Jo 14:6). 


Por que Cristo é a verdade?
(1) Porque Ele mesmo é divino; 
(2) porque Ele é a perfeita e completa revelação de Deus e de Sua verdade; 
(3) porque Ele é o caminho pelo qual os homens podem retornar para Deus; 
(4) porque Ele combina em Sua pessoa tudo quanto os homens precisam saber, crer e ser; 
(5) porque Ele Se contrapõe à falsa religião e Se constitui na concretização de toda a verdade de Deus – ao passo que Moisés, a lei e os profetas apenas apontavam para Ele.7


Jesus Cristo era o mistério que estava oculto, mas que, no tempo aprazado por Deus, seria revelado (Ef 3:4-5; Cl 1:26; Rm 16:26). Contudo, não era totalmente desconhecido, porque já estava indicado nos escritos proféticos do Antigo Testamento.8 Quando aqui esteve, Ele disse: “Examinais as Escrituras, porque são elas que de Mim testificam" (Jo 5:39). Sua vida e obra são o centro das Escrituras.  Todos os milagres e histórias, todas as profecias e parábolas giram em torno de Sua pessoa e de Seu plano para salvar. 


As Escrituras declaram que “havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual fez também o Universo. Ele é o resplendor da glória e a expressão exata do Seu ser” (Hb 1:1-3). Assim, “a revelação começada no Antigo Testamendo se consuma no Novo Testamento” e “agora se concentra em Jesus Cristo, que é dessa vez seu autor e seu objeto.”9 Podemos percebê-Lo desde o relatório da Criação – “porque nEle foram criadas todas as coisas nos céus e na Terra, ... tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele é antes de todas as coisas, e nEle subsistem todas as coisas“ (Cl 1:16, 17) – até a promessa final: “Certamente cedo venho” (Ap 22:20).10


Deus não apenas nos concedeu uma revelação especial escrita a Seu respeito, mas também desejou que O conhecêssemos de modo mais visível e palpável e, para tanto, enviou-nos Seu Filho. Por Seu intermédio, Deus procura suprir a dupla necessidade do homem em sua condição pecaminosa: sua ignorância de Deus (e, consequentemente, de si mesmo) e sua culpa diante de Deus. Ao revelar-Se por meio de Seu Filho, Deus deseja não somente tornar-nos bem informados, mas também santos. Por esta razão, o conhecimento de Deus, através de Cristo Jesus, opera a transformação no caráter, recriando a pessoa à imagem de Deus.11


Sem Cristo, a Palavra de Deus perderia sua razão de ser. O Antigo Testamento apontava para o futuro, indicando Sua vida e missão quando aqui viesse; e o Novo Testamento aponta para o passado, revelando que Ele de fato veio e cumpriu tudo quanto a Seu respeito estava escrito. Assim, é Cristo o fundamento e o centro das Escrituras. Ao passo que elas continham a teoria da verdade, Jesus veio demonstrar na prática a espécie de vida que Deus esperava que vivêssemos. De todas as formas de revelação pelas quais Deus Se mostrou a nós, aquela que nos veio por meio de Cristo é a mais completa e perfeita. Ele próprio afirmou: “Quem Me vê a Mim, vê o Pai” (Jo 14:9) e “Eu e o Pai somos um” (Jo 10:30). Quando os homens O viam demonstrar misericórdia, justiça sabedoria e perdão; sim quando eles O observavam curar, ensinar, animar, fortalecer e consolar, estavam recebendo a mais clara revelação do caráter de Deus. “Cada milagre, cada ação era sinal que transcendia o seu significado imediato, para atingir um significado oculto que revelara o Pai ao povo.”12 Todo ato humano de Cristo era uma palavra que Deus dirigia aos homens.


A revelação efetuada por Jesus, inclui Sua pessoa, Seus atos e também Suas palavras. “Sem dúvida a revelação pelos atos resultaria incompreensível se Jesus não explicitasse com Suas palavras o sentido de Seus atos e de Sua vida”.13 Como exemplo disto, nós O vemos no cenáculo, ao comemorar a última Páscoa, tornando claro o significado daquilo que realizava (Jo 13:12-17). Vemos, portanto, que um dos principais motivos pelos quais o Filho de Deus veio a este mundo, foi para revelar o Pai: “ninguém sabe quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho O quiser revelar” (Lc 10:22 )14 – e isto Ele fez de maneira magistral. Se desejarmos conhecer a Deus, tudo que temos a fazer é olhar para Jesus.15


VI. O cristão e a verdade


Logo depois de Se apresentar como a “verdade” (Jo14:6), Jesus chamou  os discípulos a um compromisso: “Se Me amais, guardareis os Meus mandamentos” e “se alguém Me ama, guardará a Minha palavra” (Jo 14:15, 23). Você não pode obedecer à Palavra de Deus e guardar Seus mandamentos apenas mentalmente, apenas crendo e concordando, ou apenas falando. Você precisa demonstrar isso também em sua conduta. “Aquele que diz que permanece nEle, esse deve também andar assim como Ele andou” (1Jo 2:6).


O cristão é alguém que deve estar completamente identificado com a verdade. 
Primeiro, porque ele foi gerado, em sua condição de filho de Deus, pela Palavra da verdade (Tg 1:18). 
Ele tem fé na verdade (2Ts 2:13), 
ama a verdade (Zc 8:19), 
apega-se à verdade (Hb 2:1) 
e anda na verdade (3Jo 4). 
Verdadeiras são suas ações (Ef 4:15-32) 
bem como suas palavras (Zc 8:16; Ef 4:25). 


Verdadeiros são seus motivos. No Sermão da Montanha, Jesus destacou a importância da motivação correta. Citando o exemplo dos hipócritas que faziam coisas boas – oravam, jejuavam e davam esmolas – todavia com a intenção espúria de ser vistos pelos homens e não para glorificar a Deus ou abençoar os necessitados, como aparentava, Ele ensinou que fazer o que é certo com o motivo errado, está errado (Mt 6:1-18).


Ao seguir a verdade, o cristão o faz em amor e, desse modo, cresce em tudo o que Deus planejou para ele (Ef 4:15). Ele também se regozija com a verdade (1Co 13:13), orando para ser sempre guiado por ela (Sl 25:5). Para ele, a verdade lhe serve de “escudo” (Sl 91:4) e o capacita a permanecer firme em sua luta contra o mal (Ef 6:14).


Portanto, aquele que tem a verdade como fruto do Espírito relaciona-se positivamente com Deus e Seu Filho; conhece a verdade e, ainda assim, está sempre buscando mais; e está empenhado em obedecer à Palavra e em ser transformado por ela.





Autor: Emilson dos Reis atuou como pastor distrital em diversas igrejas no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Foi pastor e professor no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul e no Centro Universitário Adventista de São Paulo. É doutor em Teologia Pastoral e  diretor da Faculdade Adventista de Teologia no UNASP, onde também leciona as disciplinas de Introdução Geral à Bíblia e Homilética. É autor dos livros: Introdução geral à Bíblia; Aprenda a liderar; Como preparar e apresentar sermões e O dom de profecia no púlpito.

Referências bibliográficas


2. Russell Norman Champlin e João Marques Bentes, eds., “Verdade (Na Bíblia e outras considerações)”, Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia, 6 vols., 3ª ed. (São Paulo: Candeia, 1995), 6:731-733. Ver também A. C. Thiselton, “Verdade”, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 4 vols., editado por Colin Brown, traduzido por Gordon Chown (São  Paulo: Vida Nova, 1985), 4:708-737.
3. Derek Kidner, Salmos 1-72: Introdução e comentário, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1981), 63.
4. Ellen G. White, Caminho a Cristo, 110. Em outro de seus escritos ela declarou: “Quando o Espírito de Deus cessa de impressionar o coração humano com a verdade, todo o ouvir é vão, assim como também é vã toda a pregação”. – Idem, História da redenção, 364.
5. Jerry Stanley Key, O preparo e a pregação do sermão (Rio de janeiro: JUERP, 2001), 294.
6. James Braga, Como preparar mensagens bíblicas (Deerfield, Florida: VIDA, 1986), 191; Key, 289.
7. Champlin, 6:735.
8. Dicionario enciclopédico da Bíblia, editado por A. Van Den Born (Petrópolis: Vozes, 1971), 1322.
9. Xavier Léon-Dufour, Vocabulário de teologia bíblica (Barcelona: Herder, 1967), 698.
10. White, Caminho a Cristo, 75.
11. White, A ciência do bom viver, 425.
12. Pedro Gilberto Gomes, ... e Deus rompeu o silêncio! (São Paulo: Paulinas, 1980), 25.
13. Léon-Dufour, 699.
14. "Por outro lado, o mistério de sua pessoa é inacessível 'à carne e ao sangue': Impossível de penetrá-lo sem uma revelação do Pai (Mt 16:17), que se nega aos sábios e prudentes, mas se outorga aos pequeninos (Mt 11:25).  Estas relações íntimas do Filho e do Pai, de que não tinha conhecimento o AT, constituem o ponto culminante da revelação que viera por Jesus." – Ibid.
15. Emilson dos Reis, Introdução geral à Bíblia: Como a bíblia foi escrita e chegou até nós, 3ª ed. (Artur Nogueira: Gráfica Nogueirense, 2007), 41-43.



de

Nenhum comentário:

Postar um comentário