A abordagem do tema básico, a justificação pela fé (1:16, 17), sugere a referida estrutura. Esta é dividida em sete partes, quatro das quais são as principais, por serem a divisão do corpo do documento. Para alguns, a terceira é parentética, ou mesmo uma digressão do tema básico. Mas isso é apenas aparente.
Esta parte é constituída pelos capítulos 9–11 e, neles, o escritor não se desvia do curso normal de suas considerações, mesmo porque ingredientes da doutrina da justificação pela fé são ali encontrados (9:30-32; 10:1-13). Um vez cumprido o doloroso dever de evidenciar que os judeus, por terem preferido contrapor o plano de Deus com um sistema espúrio de salvação, estavam tão perdidos quanto os gentios; e após explicar o meio divino de salvação e suas benditas consequências, nada mais justo que expor agora o propósito de Deus para com eles, e se antecipar às indagações que certamente se fariam ouvir: “Se as coisas são desse modo, então o que será de Israel?
Assim, Romanos é tanto uma unidade literária quanto temática. Suas sete partes são como seguem:
Judeus: legalismo - 2:1-3:8
Conclusão: judeus e gentios estão perdidos - 3:9-20
Salvação enquanto a vida transcorre: ênfase na santificação - 6:1-8:17
Salvação no futuro: a ditosa experiência da glorificação: - 8:18-28
Conclusão - 8:29-39
O estudo de domingo considera Romanos 1:16, 17; a lição explica objetivamente os termos-chave do texto. Acrescento que o v. 16 é continuação, uma sequ ência natural do 15; Paulo estava “pronto”, em qualquer tempo e circunstância, a pregar porque não se envergonhava do evangelho. Em qualquer época, quem desejou algum motivo para se envergonhar do evangelho encontrou. No tempo de Paulo era “escândalo para os judeus” e “loucura para os gregos” (1Co 1:23. Ver também Mr 8:38 e 1Tm 1:8). E nós hoje? Envergonhamo-nos?
Por que algumas pessoas têm vergonha do evangelho? Diferentes razões poderiam ser apresentadas como resposta:
Nenhuma dessas razões, todavia, define basicamente porque o evangelho pode se tornar um fator de vergonha. Fundamentalmente, o evangelho envergonha porque em primeira instância e em última análise os que dele se envergonham não sabem, por experiência, o que ele significa. Imaginam-no um simples código de doutrinas obsoletas, rejeitado pela maioria. Julgam que o evangelho seja meramente uma série de normas ou regulamentos – um “não faça isso ou aquilo” – numa época em tudo é permitido, em que só é proibido proibir.
Há pessoas que têm vergonha do evangelho porque desconhecem que nele se concentram o poder e a justiça de Deus. Não experimentaram na própria vida que o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.
Paulo podia dizer que não se envergonhava do evangelho precisamente porque não o considerava uma simples teoria. Sabia por experiência própria, pessoal, que “o evangelho é o poder de Deus para salvação.” Noutra ocasião, ele afirmou conhecer em sua vida o poder da ressurreição de Jesus (Fp 3:10). Como Paulo poderia se envergonhar daquilo que o salvara?
“Todos pecaram...” (3:23). Para Paulo, o ser humano precisa de salvação não apenas porque peca, mas porque já é pecador antes do ato pecaminoso. Este simples fato põe abaixo qualquer pretensão perfeccionista de elementos pretensiosos que, de vez em quando, se manifestam em nosso meio. Somos pecadores antes de pecar da mesma forma que não deixamos de sê-lo ainda que consigamos permanecer sem pecar (exceto, é claro, quando formos transformados de corruptíveis em incorruptíveis ao Jesus voltar).
Mas as falsas pretensões não se dão apenas com perfeccionistas. Outras teorias que o diabo inventa e espalha pelo mundo procuram obliterar essa realidade nua e crua de que todos somos pecadores. Por exemplo, a filosofia da nova era está alardeando por aí que tudo o que o ser humano tem a fazer para sublimar suas deficiências e limitações é liberar as energias positivas que trazemos em nosso íntimo, em nossa mente (será que trazemos mesmo?).
Não estou negando aqui o poder do pensamento positivo. Por exemplo, até mesmo em função de nossa fé, temos que ser otimistas, e isto nos fará bem. O que desejo salientar é que o ser humano não tem, de si mesmo, nada que o qualifique a triunfar sobre o pecado.
Assim, pois, se da perspectiva humana não há esperança para o pecador, pelo plano de Deus
O estudo tece um breve comentário sobre o que é a “glória de Deus” de que o pecador carece, conforme demonstrado em 3:23. Ao que ela diz, acrescento o seguinte: Para Paulo, inegavelmente, o evangelho restaura no homem o que o pecado lhe furtou, entre outras coisas, a imagem de Deus. O Evangelho supre no homem o que lhe falta, por causa do pecado (ver 2Co 3:18). Estamos aquém daquela perfeição original, a qual é o reflexo da divina perfeição, a glória de Deus, e a aceitação de Seu glorioso plano no-la traz de volta.
É o ser humano hoje pior ou melhor do que no tempo de Paulo? A lição fala da utopia de um mundo melhor como resultado do progresso e aprimoramento humanos. Fica tudo em utopia mesmo, porque, apesar de muita gente bem intencionada, vamos de mal a pior, como a Bíblia fala (2Tm 3:13) e a situação da humanidade confirma: Na verdade, o ser humano não tem condições em si mesmo para melhorar.
Embora hoje, quase dois mil anos depois dos apóstolos, o homem tenha aprendido maneiras ainda mais sofisticadas de pecar, basicamente ele é tão mau quanto era no passado. Por exemplo, quando Paulo nos oferece uma prévia de como seriam os últimos dias (2Tm 3:1-5), ele, de fato, se refere aos seus próprios dias (v. 5-9). Igualmente, em Romanos, como a lição sublinha, as práticas relacionadas em Rm 1:22-32, corriqueiras como eram naqueles dias, vulgarmente se repetem hoje. Se não, vejamos:
V. Arrependimento
Esta era a atitude dos judeus no tempo de Paulo. Eles se consideravam a nação eleita, enquanto chamavam os gentios de cães imundos. Não havia ninguém melhor que Paulo para conhecer perfeitamente aquilo que se poderia, com razão, identificar como presunção espiritual judaica. Ele antes se considerava “hebreu de hebreus” e irrepreensível “quanto à justiça que há na lei” (Fp 3:5, 6), e sabia, por experiência própria, quão danoso era esse tipo de jactância. Afinal, não se tornara ele um perseguidor dos cristãos por afirmarem estes que um crucificado havia, por Deus, sido eleito o Messias? E não eram os crucificados tidos como os piores elementos da sociedade? Portanto, uma afirmação como essa soava aos ouvidos de um “fariseu perfeito” como blasfêmia máxima. Daí o motivo para perseguir a igreja.
Assim, para abordar um assunto tão delicado, era Paulo, inegavelmente, a pessoa mais indicada. Agora transformado pelo evangelho, ele podia falar com autoridade sobre a real condição dos judeus, pois havia sido a expressão viva da pretensão que nutriam.
Bem, a pergunta 5 nos remete a Rm 2:1-3 e 17-24; e as de número 6 e 7 aos versos 4-10. Sobre as afirmações paulinas aí presentes, comento o seguinte:
Paulo começa afirmando que os judeus eram culpados de dois pecados principais: cegueira e hipocrisia (v. 1): fracassavam em ver sua própria condenação quando condenavam outros (os gentios), e julgavam outros (os gentios) quando eram tão pecadores quanto eles.
Infelizmente, os judeus pensavam que “sim”, que estariam livres do juízo divino. Eles presumiam da “bondade de Deus” (v. 4), imaginando que, com os gentios, Deus seria rigoroso, mas não com eles, por serem a raça eleita. Paulo os censurou pelo fato de terem deixado de aprender a grande lição de que o propósito da bondade de Deus é levar ao arrependimento (ver 2Pe 3:9), e não à presunção. Em outras palavras, os judeus não se arrependeram, por interpretarem mal a bondade de Deus. Com tal atitude, porém, estavam acumulando “ira para o dia da ira” (v. 5). Portanto, como careciam eles do evangelho!
No verso 6, Paulo expõe as feições do julgamento divino; gentios e judeus estão incluídos:
GRUPO | PROCEDIMENTO (obras) | RETRIBUIÇÃO |
SALVOS | Perseveram em fazer o bem e procuram glória, honra e incorruptibilidade - v. 7 | Vida eterna - v. 7 |
Praticam o bem - v. 10 | Glória, honra e paz - v. 10 | |
PERDIDOS | Facciosos, que desobedecem a verdade e obedecem à injustiça - v. 8 | Ira e indignação - v. 8 |
Fazem o mal - v. 9 | Tribulação e angústia - v. 10 | |
OBSERVAÇÕES | Aqueles que procuram glória e honra (procedimento no v. 7) recebem glória e honra (retribuição no v. 10). É evidente que Paulo estava falando daquilo que gentios e judeus fracassaram em atribuir a Deus (1:21; 2:23, 24), e deixou claro mais uma vez que o homem, glorificando a Deus, acaba sendo glorificado. Esse privilégio é auferido por aqueles que se submetem ao plano de Deus (5:2, 3). | |
Nos versos 9, 10, Paulo deixa o tratamento no plural (utilizado nos versos 7, 8) e emprega-o no singular para poder fazer referência a “judeu e grego” (cf. 1:17), ambos os termos no singular. Para Paulo, salvação e perdição ocorrem no nível da individualidade, e isto deve ser levado em consideração na interpretação de sua abordagem quanto ao futuro dos judeus nos caps. 9-11. |
OUVIR A LEI– Privilégios | NÃO PRATICAR A LEI– Deveres |
1. Tens por sobrenome judeu (v. 17) | |
2. Repousas na lei (v. 17) | |
3. Te glorias em Deus (v. 17) | |
4. Conheces a Sua vontade (v. 18) | |
5. Aprovas as coisas excelentes (v. 18) | |
6. És instruído na lei (v. 18) | |
7. Crês que és guia de cegos, e luz aos que se encontram nas trevas (v. 19) | |
8. Instrutor de ignorantes (v. 19) 9. Mestre de crianças (v. 20) | Não te ensinas a ti mesmo (v. 21) |
10. Tens na lei a forma de sabedoria e verdade (v. 20) | |
11. Pregas que não se deve furtar (v. 21) | Furtas (v. 21) |
12. Dizes que não se deve cometer adultério (v. 22) | Cometes adultério (v. 22) |
13. Abominas os ídolos (v. 22) | Roubas os templos (v. 22) |
14. Te glorias na lei (v. 23) | Desonras a Deus pela transgressão da lei (v. 23) |
Observação: Paulo foi mais prolixo ao abordar o conceito positivo que o judeu tinha de si mesmo. Parece que, nesse ponto, ele solta as rédeas para que, finalmente, o judeu pondere como ele agiu em vista de tantos privilégios. Com estas declarações, ele expõe devidamente a espiritualidade da lei. O sermão da montanha é aqui possivelmente evocado diante do que é dito no v. 22. O legalismo realmente não coloca o homem em harmonia com a lei, porque esta não se limita apenas a um código legal, com mandamentos que tocam meramente o exterior. Ela tem que ver, antes de tudo, com o que o homem é, com o seu caráter, e então com o que ele faz ou deixa de fazer. E assim é que, não vivendo o princípio da lei, os judeus eram, em vários aspectos, faltosos mesmo com a letra da lei, embora nela se firmassem. |
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