sábado, 25 de abril de 2009

Revelação II




I. Introdução


Precisamos ter uma clara compreensão da revelação, caso contrário, toda a nossa vida cristã poderá ser afetada. A maioria das questões da teologia tem que ver com a doutrina da revelação. Nosso entendimento a esse respeito afeta a compreensão da mensagem cristã, nossa identidade e nossa missão.


A incompreensão da revelação também deturpa a pessoa de Deus, colocando-O como distante, inacessível e indiferente ao homem. Sendo Ele transcendente e infinito, não poderia ser conhecido? E não sendo conhecido, como poderíamos nos relacionar com Ele? Percebe-se que o cristianismo estaria fadado ao fracasso e à impossibilidade. Porque, como seres finitos, não poderíamos conhecer o infinito. No entanto, Deus Se revela. O Deus transcendente é também imanente. O Deus infinito e misterioso é o Deus que Se revela e Se comunica com Sua criação. 


II. Importância e necessidade da revelação


Deus é incognoscível, infinito, transcendente, insondável e inescrutável. “Porventura, desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até a perfeição do Todo-poderoso?” Por isso, é impossível buscar ou entender a Deus pelos métodos humanos (1Co 2:11; Rm 11:33, 34).


Mas, ao mesmo tempo, Deus pode ser conhecido (Jo 17:3; Os 6:3). Se o homem, por sua iniciativa, não pode alcançar a Deus, pelo profundo abismo que há entre aquele e Este; Deus toma a iniciativa para que o homem tenha acesso a Ele novamente. Deus Se revela para ultrapassar a barreira do pecado (Is 59:1, 2), que não existia desde o Éden (Gn 2).


Lutero afirmou: “O Homem usa máscaras para se esconder, e Deus a usa para Se revelar”. De fato, Deus só é conhecido a partir do ponto em que Se revela. Deus não é conhecido em Si mesmo. Ele só é conhecido como Se revela. A palavra revelar vem do verbo latim “velo” que significa cobrir, pôr um véu. Então, revelar significa descobrirremover o véu.


Tomás de Aquino tem quatro argumentos para se chegar à prova da existência de Deus:


1. Argumento cosmológico: As coisas existentes apontam para a existência de um Deus criador.


2. Argumento teológico: Há a necessidade de uma ordem, pois há um propósito nas coisas, há um desígnio.


3. Argumento ontológico: Tem que ver com o ideal de perfeição dentro do homem imperfeito. Isso sugere uma fonte maior que o homem.


4. Argumento antropológico: A inteligência interior do homem e a capacidade humana de transcender-se dentro de si mesmo. Como pode a personalidade advir da impersonalidade?


Estes quatro argumentos de Tomás de Aquino fazem parte da tradição que ficou conhecida como tomismo. Os argumentos da tradição tomista ainda são válidos hoje.


Esse argumento provém da crença de Tomás de Aquino da teologia natural, que influenciou a teologia liberal. Declara-se que a revelação geral é suficiente para a salvação. Apesar dos argumentos apresentados pelo teólogo Tomás de Aquino e das provas da existência de Deus serem válidas e úteis, não se pode considerar a revelação geral como absoluta e suficiente para conhecermos a Deus. A revelação geral aponta para a revelação especial, que é a máxima revelação de Deus ao homem, por Sua Palavra e por Jesus Cristo.


III. Revelação Geral e Especial


Agostinho, Lutero, Calvino, Charles Hodge e Warfield: Todos argumentam em favor da existência de uma revelação geral, mas esta é limitada. A revelação geral está disponível para qualquer um, basta abrir os olhos para ver.


Deus Se revela pela natureza (Sl 19:1), pela consciência (Rm 2:14, 15), pela Sua Palavra (Jo 5:39) e pela máxima revelação que o homem já pôde ver e conhecer (Jo 1:1). Essas “muitas maneiras” com que Deus Se tem revelado (Hb 1:1) nos apresentam o intenso desejo que Ele tem de estar bem próximo de cada um de nós e ser conhecido. Embora, pela natureza e consciência, possamos ter vislumbres de Deus, tais revelações não são suficientes para que alcancemos a salvação por intermédio delas. A máxima revelação é vista pela Palavra de Deus, porque testifica da revelação em pessoa do próprio Deus: Jesus Cristo.


A encarnação é o grande princípio da revelação de Deus. Este método de encarnar a verdade não foi escolhido arbitrariamente, porém foi o único pelo qual Deus pôde Se revelar ao homem em toda a sua plenitude. 1 A encarnação é parte vital de um plano anteriormente elaborado e a concretização de uma promessa. E seu grande mistério é Deus Se revestindo da humanidade com finalidade redentiva. 2


Neste sentido, é feita uma grande revolução na antropologia humana, sobre a qual qualquer resquício de antropocentrismo se torna inoperante. Álvaro Barreiro usa um sinônimo de “clemência” para expressar essa questão, escolhendo a palavra “condescendência”.  Ele afirma: “Em Jesus Cristo, o verbo eterno de Deus, que assumiu a nossa carne, manifesta-se a condescendência de Deus para conosco. Deus ’desceu‘ das alturas da Sua riqueza e da Sua glória até os abismos da nossa pobreza e humilhação para nos revelar e oferecer todo o Seu amor, ‘desceu até nós para nos fazer subir até Ele; assumiu nossa natureza humana para nos tornar participantes da Sua natureza divina’.” 3


Não era plano de Deus revelar somente Seus pensamentos, senão manifestar Sua própria pessoa. E somente em Jesus tal pensamento seria alcançado. A encarnação fere os moldes racionais. “Como se poderia obrigar alguém a aceitar que, em Jesus de Nazaré, um Ser histórico, o homem como interrogação infinita e o mistério infinito de Deus se unam como resposta absoluta? Que aqui o mesmo ser é Deus e Homem?” 4


IV- A máxima revelação de Deus no mistério em Cristo


O “mistério” aponta especialmente para algo que, antes esteve oculto na mente de Deus, era parte de Seu propósito fazer conhecido, não a uma elite privilegiada, mas a todos os homens. “Este mistério maravilhoso, a encarnação de Cristo e o Seu sacrifício, deve ser declarado a todos os filhos e filhas de Adão”. 5 Contudo, apesar de a revelação ser apresentada por Deus, ela não esgota o mistério. Ele continua sendo um mistério insondável. Essa declaração é amparada pelo fato de que a mente carnal não pode percebê-lo; para tanto, faz-se necessária a intervenção e revelação do Espírito Santo.


“Se é verdade que o mistério é manifestado e cumprido em Cristo, é também verdade que só pelo Espírito é ele apreendido pelo homem”. 6 “Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (1Co 2: 10). Ainda é declarado que a revelação dada aos profetas e apóstolos tem como objetivo a compreensão pela igreja. “...segundo uma revelação me foi dado conhecer o mistério... pelo qual... podeis compreender o meu discernimento” (Ef 3:3, 4).


O mistério envolve o fato de que em Jesus coabitam duas naturezas distintas em uma única personalidade, como disse Gregório de Nazianzo: “Em Cristo há um algo e outro algo, mas não um alguém e outro alguém”. 7 Por isso, pode-se afirmar que o fato mais marcante em todo o Universo e em todos os tempos é o mistério da piedade, a encarnação de Deus na pessoa de Jesus Cristo. “Grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” (1Tm 3:16).


Por esta razão, ficamos pasmados diante de tão insondável mistério, que a mente não pode compreender, como o declarou Ellen White: “Quando quisermos estudar uma questão profunda, fixemos a mente na coisa mais maravilhosa que já ocorreu na Terra ou no Céu: a encarnação de Cristo, o Filho de Deus”. 8


A única regra infalível de fé e prática, que é a Palavra de Deus, como expressa nas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, testifica de Jesus e Sua ação salvífica em favor do homem. E nisto consiste a maior revelação de Deus.


Conclusão


O objetivo de toda a Bíblia é simplesmente apresentar a problemática do pecado e sua única solução, revelada no plano da redenção. A salvação tem uma direção: revela uma ação nessa direção, que não poderia ter outro foco a não ser o homem. Nesse sentido, João afirma: “Deus amou o mundo” (Jo 3:16), que, no contexto desta declaração é o ser humano. A ação que é o verbo amar, não é direcionada a coisas, mas a pessoas. Karl Barth declara que “Jesus Se tornou homem porque tinha finalidade em direção ao homem”. 9 Por isso, afirma Langston:


“A obra propiciatória de Jesus é a maior revelação do grande propósito de Deus em salvar a humanidade. A encarnação e a propiciação de Jesus constituem a maior prova da boa vontade de Deus de generosamente oferecer a salvação a todos. Com isso, não queremos dizer que todos serão salvos, porque, como veremos adiante, a salvação de alguém depende de outra coisa além da vontade de Deus. Pela encarnação, tornou-Se Jesus Filho da humanidade, para que Seu trabalho propiciatório pudesse lançar as bases de uma salvação universal. ‘Portanto, ide fazer discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho mandado; e eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos’ (Mt 28: 19, 20); veja também Mc 14:15, 16. Não pode haver, portanto, nenhuma dúvida de que o propósito divino, desde o princípio, é o de salvar a humanidade toda, isto é, de oferecer a todos a salvação”. 10


A revelação é uma iniciativa de Deus para Se comunicar e Se aproximar do homem que estaria plenamente perdido por não conhecer o caminho da salvação. A pergunta de Tomé: “Como saber o caminho?” (Jo 14:5b) reflete a busca do homem e sua impossibilidade de encontrar o que busca. A resposta de Jesus apresenta a revelação máxima de Deus ao homem. Como vimos, muitas são as maneiras pelas quais Deus procura Se revelar a nós. Mas a maior delas é declarada na resposta de Jesus a Tomé, e a cada um de nós: “Eu sou o caminho” (Jo 14:6a). Ou seja, a revelação plena e completa que apresenta e nos leva ao Pai.        


  1. A.B. Langston, Esboço de Teologia Sistemática, (Rio de Janeiro: Juerp, 1994), 21.
  2. Ellet J.Waggoner, Cristo y Su Justicia, (Ohio: USA: Glad Tidings Publishers), p. 27.
  3. Álvaro Barreiro, Assumiu a Nossa Carne e Acampou Entre Nós, (Rio de Janeiro: Edições Loyola, 1999), p. 23.
  4. Teologia Para o Cristão Hoje, Instituto Diocesano de ensino Superior de Wurzburg, Vol. 1 (São Paulo: Edições Loyola, 1977), 155.
  5. SDABC, vol. 5, P. 1130; ênfase suprida.
  6. José Carlos Ramos, Reflexões Sobre a Pessoa de Jesus, (Edições Salt-Pós Graduação: Unasp, 2004), p. 55. 
  7. Citado por Manuel M.G.Gil, Cristo, el Mistério de Dios: Cristologia y Soteriología, (Madrid: Editorial Católica, 1976), 1: 255.
  8. Manuscrito 76, 1903, cit. no SDABC, v. 7, p. 904.
  9. Karl Barth, Church Dogmatics, (Louisville: Westminster John Knox Press, 1994), p.92.
  10. A.B. Langston, Esboço de Teologia Sistemática, op. cit, p. 202, 203.


Pastor José Orlando Silva
Mestre em Teologia Sistemática
Boa Viagem - Recife




Nenhum comentário:

Postar um comentário