sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O fruto do Espírito Santo é paciência




Nosso estudo desta semana trata da longanimidade ou paciência (NVI) – virtude encontrada no próprio Deus e que Seu Espírito deseja implantar em nós.


I. A LONGANIMIDADE DE DEUS


A longanimidade de Deus é expressa no Antigo Testamento pela expressão erekh ’appayim (Êx 34:6; Nm 14:18; Sl 86:15; 103:8; Is 48:9; Na 1:3). Literalmente, significa “longo de rosto”, e a partir daí transmite a ideia de lentidão para a ira e para punir o erro. No grego a expressão é makrothumía (Rm 2:4; 9:22; 2Pe 3:15), literalmente, “grandeza de ânimo” – para amar e esperar, perdoar e esquecer. É o aspecto da bondade de Deus que tolera o pecador, apesar de sua demora no mau caminho. Fica entre os extremos da ira e da graça e se manifesta quando Deus adia, temporariamente, o merecido julgamento e continua a oferecer salvação e graça por longos períodos de tempo, dando espaço para arrependimento e conversão (1Tm 1:16; Ap 2:21).  Este procedimento pode ser visto em Seu trato com Israel (Nm 14:18; Sl 103:8, 9) e com os antediluvianos (1Pe 3:20) e, na atualidade, com o mundo em relação à vinda de Seu Filho (2Pe 3:9)2.


O Novo Testamento também traz a palavra anochē, empregada apenas em Romanos 2:4 e 3:25, em ambos os casos traduzida geralmente como tolerância e referindo-se à longanimidade de Deus, sem qualquer distinção nítida de makrothumía.  Significa conter, fazendo referência ao juízo. É empregada na literatura grega, às vezes, para se referir a uma trégua, a qual implica na cessação das hostilidades das partes em conflito. Semelhantemente, a longanimidade de Deus para com a humanidade é uma espécie de trégua divina temporária que Ele tem proclamado em Sua graça3. Todavia, há o perigo de o homem abusar da longanimidade de Deus, o que ocorre quando, em vez de gratidão e correto aproveitamento da oportunidade para arrependimento e reforma de vida, há manifesto desprezo para essa longanimidade.


Aqueles que assim procedem imaginam que, por ser Deus longânimo, e por frequentemente reter a condenação e a punição merecidas, não cumprirá as ameaças que fez, ou que, por alguma razão, estão excluídos da punição judicial de Deus (como foi o caso dos judeus que confiavam que sairiam ilesos por serem o povo da aliança e por seu parentesco com Abraão (Ver Mt 3:7-9; Lc 13:28, 29; Rm 9:6-8 cf. Gl 3:7)4.  Embora Deus seja longânimo para com a humanidade pecadora, essa longanimidade tem um limite temporal, além do qual sua ira permanece5. Se for desprezada ou abusada (1Pe 3:20), servirá para exasperar a ira de Deus e para confirmar a destruição anunciada, resultando em grande severidade no juízo, como o que ocorreu com Faraó.


II. A LONGANIMIDADE DE JESUS


Embora Jesus fosse muito longânimo, o evangelho revela que Sua paciência também tinha limites. Ele manifestava Sua indignação, fosse em palavras, ou em ações, em face de forças e poderes de vontade que se estabeleciam contra Deus. Assim, Ele Se irou contra Satanás (Mt 4:10; 16:23), contra os demônios (Mc 1:25; 9:25; Lc 4:41) e por causa da natureza demoníaca dos homens (Jo 8:44), notadamente os fariseus (Mt 12:34; Mt 15:7; Mt 23:33), por causa da “dureza do seu coração” (Mc 3:5, 6; cf. Lc 6:6, 7). Ele também Se irou contra aquelas cidades que recusaram Seus apelos para conversão (Mt 11:20-24), contra os vendedores do templo que, por sua profanação, mostravam que não tomavam Deus a sério (Mt 21:12, 13; Jo 2:13-17) e contra os discípulos por sua falta de fé (Mt 17:17).


Também em Seus ensinos, o esgotamento da paciência é visto mesclando Sua compaixão. Desse modo, o senhor da festa já havia esgotado sua paciência quando seu convite foi desprezado pelos convidados (Lc 14:21). O mesmo ocorreu quando o mau servo não correspondeu à grande misericórdia demonstrada para com ele (Mt 18:34-35). Ainda, nos eventos finais a serem cumpridos em Seu segundo advento, Ele é o Senhor que repudia toda ligação com aqueles contra os quais está irado (Mt 7:23; 25:12; Lc 13:27), e que em ira destrói Seus inimigos (Lc 12:46; 19:16; Mt 22:7) e que lança os rejeitados no fogo (Mt 13:41, 42; 49-50; 25:41), onde há choro e ranger de dentes (Mt 22:13; 25:30). Na linguagem apocalíptica, Ele é “o Rei dos reis e Senhor dos senhores” que “pisa o lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-poderoso” (Ap 19:15, 16), no “grande Dia” da “ira do Cordeiro” (Ap 6:15, 16), quando Sua ira é dirigida particularmente contra os que desprezam Seu sacrifício como o Cordeiro que tira o pecado do mundo.


III. A LONGANIMIDADE DO CRISTÃO


Repetidamente, o Novo Testamento nos orienta a ser pacientes com aqueles que estão à nossa volta, mas isso somente será possível se o Espírito de Deus habitar em nós. Deus, que é paciente para conosco, pode nos tornar pacientes para com os outros.


Precisamos ser pacientes com os fracos. 


No fim de sua carta aos Romanos, Paulo trata da ética cristã e menciona como deve ser a relação entre cristãos fortes e cristãos fracos. Ele acreditava que os fortes é que estão corretos, escreveu da perspectiva deles e colocou-se como um deles (Rm 14:14, 20; 15:1).


A diferença entre fortes e fracos diz respeito a assuntos não essenciais sobre os quais as Escrituras não se pronunciam com clareza. Nesses casos, cada um tem a liberdade de seguir sua consciência, mas isso pode vir a causar divisão entre os crentes. Os fortes na fé são aqueles que sabem distinguir com clareza, que são maduros em sua experiência cristã. Os fracos na fé são fracos em suas convicções, imaturos, incultos e até equivocados. Todavia, não devem ser ignorados nem censurados, antes, acolhidos na comunidade cristã, e essa aceitação deve ser sem discussões, debates ou julgamentos, mas respeitosa para com suas opiniões (Rm 14:1).


Os fracos devem ser aceitos: 
(1) porque o próprio Deus os acolheu (Rm 14:2, 3); (2) porque Seu Filho morreu e ressuscitou para ser o Senhor (Rm 14:4-9); 
(3) porque são nossos irmãos (Rm 14:10); 
(4) porque todos nós haveremos de comparecer diante do tribunal de Deus (Rm 14:10-13).


Outro princípio que Paulo apresenta é o de que não devemos agradar a nós mesmos (Rm 15:1-13). As razões para isso são: 
(1) Cristo não agradou a Si mesmo (v. 3-4); 
(2) porque Deus está disposto a unir fortes e fracos para que tenham o mesmo sentimento de uns para com outros e em sua adoração (v. 5, 6); 
(3) porque Cristo os acolheu (v. 7); 
(4) porque Cristo Se tornou servo. Como foi dito: “No essencial, unidade; em não essenciais, liberdade; em todas as coisas, caridade.”6

Precisamos ser pacientes quando anunciamos o evangelho


Revendo as narrativas bíblicas, percebemos que a proclamação do evangelho pode se deparar com três possíveis resultados: 
(1) Rejeição. Quem ouve não aceita e essa resposta é definitiva. O moço rico se enquadra nesta categoria (Mt 19:16-22).7 
(2) Procrastinação. A pessoa não aceita no momento. Todavia, depois, algumas vezes muito tempo depois, ela diz “sim” a Cristo. Foi o que ocorreu com Nicodemos (Jo 3:1-21).8 
(3) Pronta aceitação. O evangelho é imediatamente aceito. Esse foi o caso da mulher samaritana (Jo 4:1-43).9 


Portanto, nem todos os que ouvem o Evangelho se decidem a seu favor, e aqueles que o fazem nem sempre o farão de imediato. A aceitação ou não do Evangelho e a rapidez ou demora para que isso ocorra não depende apenas de Deus ou do mensageiro. Depende, em boa medida, da disposição do coração daquele que o recebe.


Devemos também considerar que as pessoas costumam filtrar as informações que recebem. Cada informação que nos chega precisa passar por alguns filtros, ou peneiras, antes de concordarmos com ela e a recebermos. Esses filtros ou peneiras são formados por nossas experiências, nosso conhecimento e as informações anteriores que recebemos e acatamos.


Sendo assim, podemos imaginar que, se vamos dar estudos bíblicos para um jovem que nunca teve uma experiência religiosa, nunca se filiou a uma religião e nunca leu nada a respeito do evangelho, encontraremos alguém com poucos filtros e a mensagem que lhe transmitimos vai sendo absorvida com certa facilidade. Por outro lado, se vamos levar nossa mensagem para uma pessoa de mais idade, que já pertenceu a várias denominações religiosas, que já leu milhares de páginas sobre as mais diferentes doutrinas, é certo que encontraremos alguém que possui muitos filtros. Nesse caso, cada aspecto da verdade que apresentamos depara-se com pensamentos diferentes e contrários, alguns deles bastante enraizados, e que se constituem numa barreira ou num filtro que impede ou dificulta a aceitação da nova informação que estamos transmitindo. É de se esperar que a conversão da primeira pessoa acima mencionada seja muito mais fácil e rápida do que a do segundo.


Você pode perceber isso em sua igreja local. Relembre as cerimônias batismais às quais você tem assistido.  Quantas crianças, adolescentes e jovens foram batizados? E quantos foram os de meia idade ou da terceira idade? De qualquer modo, não nos esqueçamos de que o evangelho “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1:16). 


Devemos fazer nossa parte, e da melhor maneira possível, orando com fervor para que Deus atue poderosamente por meio de Sua Palavra e de Seu Espírito na vida daqueles a quem buscamos evangelizar, de modo que reconheçam a verdade, creiam em Deus e cheguem à salvação.


Precisamos desenvolver a paciência. 


Nessa empreitada, podemos contar com a ajuda de Deus. Essa é uma das razões pelas quais Ele nos permite passar por provas e dificuldades: elas nos ajudam a cultivar um caráter paciente e constante e a desenvolver a maturidade cristã. Como disse Paulo: “Também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança” (Rm 5:3, 4).


Precisamos saber que a paciência tem seus limites. 


Há pessoas que precisam lidar com dinamite, como é o caso daqueles que trabalham na abertura de rodovias em nosso país. A banana de dinamite possui um pavio acionado por um chispa de fogo. Normalmente, o pavio é longo, de modo que, depois de aceso com o fogo, decorra um tempo razoavelmente longo para explodir, de maneira que aqueles que estão próximos possam procurar um lugar seguro a fim de não ser atingidos pela explosão. Se o pavio fosse muito curto, a explosão ocorreria de imediato e não haveria tempo para que as pessoas se protegessem. 

Todos nós já ouvimos falar em pessoas “com pavio curto”, isto é, pessoas que não têm paciência e explodem rapidamente, mesmo por motivos triviais. Ao contrário, Deus é longânimo, isto é, tem longo ânimo, longa paciência, ou, de acordo com nossa ilustração, tem um pavio longo. E Ele também nos convida a ser como Ele, pacientes, longânimos nos relacionamentos com nossos semelhantes. Assim, se, por um lado, é pecado ter “pavio curto”, explodir rapidamente, por outro, é parte do fruto do Espírito ser longânimo. Também devemos recordar que chega o momento em que mesmo o pavio longo é consumido pelo fogo e a dinamite explode. De igual maneira, embora Deus seja longânimo, chega o momento em que mesmo a Sua paciência se esgota.



Há situações em que é correto não termos mais paciência. Isso pode ser ilustrado pelo procedimento adotado pelas escolas. Quando um aluno é rebelde, indisciplinado, briguento, desrespeitoso com colegas e professores, viciado em drogas, o que é feito? As escolas costumam ter uma política para lidar com esses casos. Primeiramente, o aluno recebe uma advertência oral. Quando ele repete seu mau comportamento, recebe uma advertência escrita. Na ocasião seguinte, seus pais são comunicados. E assim, com paciência, vão tratando do seu caso. Todavia, se ele persistir no erro, acabará sendo expulso da escola. E isso será absolutamente necessário para o bem dos demais. Sua permanência na escola seria um grave erro por desconsiderar os direitos e o bem estar de todos os outros.
Portanto, Deus é muito longânimo para com os homens e para conosco, individualmente. É por essa razão que Ele nos concede tempo suficiente para o arrependimento e a mudança de vida, para formarmos um caráter como o de Cristo. Aproveitemos a oportunidade e permitamos que Seu Espírito nos molde e nos torne pacientes nos relacionamentos para com nossos semelhantes.




Autor: Emilson dos Reis


Referências bibliográficas


2. U. Falkenroth e Colin Brown, “Paciência, Firmeza, Perseverança”, Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, 4 vols., traduzido por Gordon Chown (São  Paulo: Vida Nova, 1985), 3:372.
3. Everett F. Harrison, “Romans”, The Expositor’s Bible Commentary, 12 vols. (Grand Rapids, MI: The Zondervan Publishing House, 1984), 10:29.
4. Barmby, J. e J. Radford Thomson, “The Epistle of Paul to the Romans”,  The Pulpit Commentary (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, reimpressão 1977), 18: 58-59.  Discorrendo sobre este tópico, Ellen White declarou que “passado o período de nossa prova, se formos achados transgressores da lei de Deus, encontraremos no Deus de amor um ministro de vingança. Deus não Se compromete com o pecado. Os desobedientes serão punidos... O amor de Deus agora se expande para incluir o mais baixo e vil pecador que, contrito, venha a Cristo. Estende-se para transformar o pecador num obediente e fiel filho de Deus; mas nenhuma alma pode ser salva se continuar em pecado.
“O pecado é a transgressão da lei, e o braço que é agora poderoso para salvar, será forte para punir quando o transgressor ultrapassar as fronteiras que limitam a paciência divina”. Ellen White, Mensagens Escolhidas, 2:313.
5. Idem, Profetas e Reis, 276, 417; idem, Testemunhos Seletos, 2:62-63; idemGrande Conflito, 36.
6. John R. W. Stott, Romanos (São Paulo: ABU, 2000), 432-454.
7. O jovem rico “recusou o oferecimento da vida eterna, e foi embora, e haveria o mundo, daí em diante, de receber sempre o seu culto.” Ellen White, O Desejado de Todas as Nações, 365.
8. “Durante algum tempo, Nicodemos não reconheceu publicamente a Cristo... Quando, afinal, Jesus foi erguido na cruz... Nicodemos viu em Jesus o Redentor do mundo.
“Depois da ascensão do Senhor, quando os discípulos foram dispersos pela perseguição, Nicodemos tomou ousadamente a dianteira. Empregou sua fortuna na manutenção da igreja infante... Tornou-se pobre em bens deste mundo; todavia, não vacilou na fé que tivera seu início naquela conferência noturna com Jesus”. Ibid., 115.
9. Ao estar a samaritana conversando com Jesus, junto ao poço de Jacó, “nela se começou a formara convicção acerca de Seu caráter. Surgiu-lhe no espírito a indagação: ‘não poderia Este ser o tão longamente esperado Messias?’ disse-Lhe: ‘Eu sei que o Messias (que Se chama Cristo) vem; quando ele vier nos anunciará tudo’. Jesus respondeu: ‘Eu o sou, Eu que falo contigo’(Jo 4:25, 26).
“Ao ouvir a mulher estas palavras, a fé brotou-lhe no coração. Aceitou a maravilhosa comunicação dos lábios do divino Mestre”.  Ibid., 124.


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