A carne produz obras, e elas abrangem quatro áreas: (1) Sexo: prostituição, impureza [comportamento anormal] e lascívia [atrevido desprezo pelo decoro]. Essas três palavras abrangem todo tipo de comportamento sexual ilegal, de casados e solteiros, públicos ou particulares. Esses pecados eram praticados abertamente e tinham grande destaque no ambiente pagão e na adoração pagã. (2) Religião: idolatrias e feitiçarias [bruxaria: uso de remédios ou drogas com propósitos mágicos]. (3) Social: inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções e invejas [também o v. 26].
Esses são males sociais. Retratam o colapso nos relacionamentos pessoais. (4) Alimentação: bebedices e glutonarias. Esses eram pecados que predominavam no mundo pagão e eram sancionados pelas religiões pagãs. Quem pratica as obras da carne será excluído do reino de Deus (Gl 5:19-21)3.
Todavia, Deus envia Seu Espírito ao pecador e, quando este, consentindo com Sua obra recebe Cristo como seu Salvador e Senhor, crucifica a carne com suas paixões e concupiscências (v. 24) e passa a andar segundo os ditames do Espírito (vs. 16, 25). Agora, contrastando com as obras da carne, produz-se no homem o fruto do Espírito: “Amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei” (Gl 5:22-23).
Essa mudança é tão grande que é comparada a uma nova criação. Na linguagem do mesmo apóstolo: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5:17). Ainda, em sua carta aos Colossenses, ele emprega outra figura para ilustrar a mesma verdade: a de um homem que se despe de suas roupas e se veste com outras. Ele abandona suas vestes velhas, rotas e sujas: prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno, avareza, ira, indignação, maldade, maledicência, linguagem obscena e mentiras, e se reveste – como eleito de Deus, santo e amado que agora é – de vestes novas, limpas e agradáveis: ternos afetos de misericórdia, bondade, humildade, mansidão, longanimidade, espírito de perdão, amor, paz e gratidão (Cl 3:5-15).
Enquanto a carne produz más obras, o Espírito produz bom fruto. Essas más obras provêm de nosso eu pecaminoso, mas o bom fruto é resultado da operação do Espírito em nosso íntimo. Não o podemos produzir sozinhos, por nós mesmos. O termo fruto denota algumas ideias: (1) é um resultado – primeiro há um caule com suas raízes e ramos, depois surge a flor e, finalmente, vem o fruto. Assim, antes do fruto do Espírito aparecer em nossa vida, há um desdobramento de ações da parte de Deus, Seu filho, Seu Espírito e Sua Palavra e a resposta positiva de nosso coração ao que Eles fizeram por nós. (2) O fruto passa por um processo de crescimento e amadurecimento. Com o passar do tempo, se espera que ele se desenvolva e ganhe sabor e qualidade. Tal crescimento é gradual e progressivo. Desse modo, é de se esperar que aqueles que são novos na fé tenham um fruto pequeno e verde e sem muita formosura e sabor, e que os mais experientes na vida cristã manifestem um fruto mais vistoso, maior e mais belo e apetitoso. Mas todos podemos crescer mais e mais na busca de um caráter semelhante ao de Cristo. O segredo é andar segundo a orientação do Espírito.
A expressão fruto aparece no singular, o que sugere que cada virtude mencionada é como que um gomo do mesmo fruto. Assim como os gomos de uma laranja são distintos uns dos outros, mas ao mesmo tempo estão interligados e compõem um único fruto, essas nove qualidades estão conectadas entre si e vão se desenvolvendo juntas. Elas podem ser classificadas em três grupos:
(1) Atitudes que o cristão experimenta e se referem a ele mesmo: amor, alegria e paz.
(2) Atitudes do cristão para com os outros: longanimidade [paciência + resistência às pressões da vida], benignidade [disposição] e bondade [palavras e atos].
(3) Atitudes do cristão em sua relação com Deus: fidelidade [confiabilidade], mansidão [humildade] e domínio próprio [autocontrole].
Desse modo, as três primeiras virtudes olham para dentro, as três seguintes para fora e as últimas três para cima – abrangendo todos os relacionamentos da vida4.
O FRUTO DO ESPÍRITO E OS DONS DO ESPÍRITO
Uma pessoa não convertida possui dons naturais. Dom natural é uma capacidade dada por Deus para fazer bem alguma coisa: ser um pedreiro, uma costureira, tocar um instrumento musical, saber operar um computador, cantar bem, ser um bom orador, um médico, um engenheiro. Tudo isso são dons naturais. O indivíduo tanto pode nascer com um dom potencial como pode adquirir tal habilidade, que desponta em meio às circunstâncias e necessidades de sua vida.
O crente, porém, além dos dons naturais, possui um dom ou um conjunto de dons espirituais. Dom espiritual é a capacidade dada por Deus para que se possa realizar bem uma tarefa, mas que tenha um significado espiritual e que, necessariamente, auxilie a igreja a cumprir sua missão neste mundo. Os dons espirituais são concedidos somente àqueles que, tendo ouvido o evangelho, creram em Cristo e O receberam como Salvador e Senhor de sua vida5.
Embora tanto o fruto como o dom espiritual derivem da obra do Espírito Santo na vida do crente (Gl 5;22-23; 1 Co 12:4), eles são distintos. Enquanto o dom diz respeito ao fazer, o fruto se refere ao ser. Ao passo que todos os cristãos devam revelar as nove qualidades do Espírito em sua vida, Deus não espera que cada cristão tenha todos os dons. Antes, enquanto um cristão tem um dom, outro cristão pode ter outro dom. Paulo escreveu: “Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento; a outro, no mesmo Espírito, a fé; e a outro, no mesmo Espírito, dons de curar; a outro, operações de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a um, variedade de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las” (1Co 12:8-10). O verso 11 acrescenta que tal distribuição é feita de modo individual: “Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente.”
Apenas no início da era cristã, como cumprimento de uma promessa específica de Cristo (Mc 16:17) e para suprir uma necessidade imediata de testemunhar do evangelho a outras línguas (At 1:8), é que todos os crentes receberam o mesmo dom de uma só vez (At 2:1-4). Isso foi repetido, naqueles primórdios, umas poucas vezes, conforme o relato do livro de Atos.
Portanto, a clara evidência de que alguém é de fato um cristão e está em íntima ligação com o Espírito Santo não é possuir este ou aquele dom espiritual, mas, sim, manifestar em seu caráter o fruto do Espírito.
O FRUTO E O ENSINO DE CRISTO
O Senhor Jesus também usou a ilustração do fruto em Seus ensinos, especialmente em João 15. Ele comparou a Si mesmo como uma videira e a nós como seus ramos e, então, disse: “Permanecei em Mim, e Eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em Mim... porque sem Mim nada podeis fazer... Nisto é glorificado Meu Pai, em que deis muito fruto” (v. 4-5, 8). De uma análise deste capítulo surgem algumas verdades:
(1) A produção de bom fruto em nossa vida depende de nossa relação com Jesus. Se recebermos constantemente de Sua seiva, de Sua vida, daremos muito fruto (v. 5). Contrastando este texto com Filipenses 4:13, podemos chegar à conclusão de que: “Sem Jesus, nada! Com Jesus, tudo!”
(2) A produção de fruto em nossa vida deve resultar na glorificação do nome de Deus. (v. 8). No sermão da Montanha Ele havia ensinado: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”(Mt 5:16).
Nisto temos o exemplo do próprio Jesus que, na véspera de Sua morte, em Sua oração sacerdotal, disse a Deus: “Eu Te glorifiquei na Terra, consumando a obra que Me confiaste para fazer” (Jo 17:4). Aquilo que somos reflete o que fazemos e tanto um como outro devem promover a glória de Deus. As pessoas que observam nosso modo de falar, nosso proceder, nosso trabalho, nossos relacionamentos, devem dar glórias a Deus.
(3) A produção de fruto deve ser seguida de uma poda, para que produza mais fruto ainda. A podadeira de Deus, mediante a qual Ele nos limpa, é a Sua Palavra (v. 2, 3). Quando lemos e ouvimos Sua Palavra, ela nos ensina, repreende, corrige, educa, aperfeiçoa e habilita (2Tm 3:16, 17). Quão importante, então, é termos, constantemente, tempo para o estudo das Escrituras Sagradas e disposição de coração para seguir seus ensinos.
(4) A falta de fruto evidenciará que o ramo está separado da videira e, por essa razão, finalmente, ele será destruído pelo fogo (v. 6). As Escrituras nos ensinam que somos pecadores (Rm 3:23) e que merecemos a morte (Rm 6:23), mas, também, que há um meio de escape, um único meio, e este é Cristo. Ele mesmo disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por Mim” (Jo 14:6); e Pedro, pregando a respeito de Cristo, declarou: “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).
Foi Cristo que pagou nossa dívida para com Deus, quando, na cruz, levou sobre Si os nossos pecados (Is 53:5, 6). Todavia, para que isso tenha valor para nós, precisamos aceitá-Lo como nosso substituto. Aquele que O rejeita, separa-se dEle, torna-se um ramo seco, sem fruto, cujo destino é o fogo. Ao contrário, aquele que a Ele se une, recebe de Sua vida, produz abundante fruto e viverá na eternidade.
Rejeitemos, portanto as obras da carne. Apeguemo-nos a Cristo continuamente, por meio do estudo de Sua Palavra, pela meditação e pela oração, e consintamos com a obra do Espírito em nós, para que nosso fruto cresça e apareça para a glória de Deus.
Referências bibliográficas
- Charles C. Ryrie, A Bíblia Anotada: edição expandida (São Paulo: Mundo Cristão; Barueri, SP:Sociedade Bíblica do Brasil, 2007), 1140.
- John R. W. Stott, A mensagem de Gálatas: somente um caminho (São Paulo: ABU, 2003), 133.
- Ibid., 134-135.
- J. Sidlow Baxter, Examinai as Escrituras: Atos a Apocalipse, 6 vols. (São Paulo: Vida Nova, 1995), 6:163.
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