I. A PAZ QUE JESUS POSSUÍA
O Senhor Jesus possuía essa paz. Os fariseus não se mostravam entusiasmados com seu ministério. Todavia, no conflito com eles, Ele possuía a liberdade e a convicção para dizer: “Aquele que Me enviou está comigo; Ele não Me deixou sozinho, pois sempre faço o que Lhe agrada” (Jo 8:29). Às vésperas de Sua morte, reunido com os discípulos, Ele lhes disse: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em Mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; Eu venci o mundo” (Jo 16:33).
“O Senhor Jesus nunca esteve preso à opinião dos homens a respeito dEle. Embora Se importasse com o que pensavam sobre Ele, por saber que o destino eterno deles dependia disso, suas ações nunca eram calculadas para ganhar a aprovação humana. A vontade do Pai era sempre o mais importante. Se o Pai estava satisfeito, o Filho também estava. Por isso Se sentia contente ao lavar os pés aos discípulos bem como ao pregar o Sermão do Monte.”2
II. A PAZ QUE VEM DE DEUS
Dentre os muitos ensinos de Jesus, um dos mais conhecidos é o que se encontra em Mateus 11:28-30. Lemos: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o Meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo é leve”. Jesus não faz este convite a pessoas boas e obedientes, mas àqueles que são pecadores, que estão “cansados e sobrecarregados”. Não podemos ser bons sem Cristo. Devemos ir a Ele assim como estamos, não importando quantos nem quais sejam nossos pecados, e Ele é que vai nos transformar. A promessa é “vinde a Mim... e Eu vos aliviarei”. Quando vamos a Ele como estamos, aceitamos Seu jugo, isto é, Sua vontade para nossa vida, e nos dispomos a andar diariamente com Ele, aprendendo dEle, então temos o alívio, o descanso, enfim, a paz que Ele quer nos dar.
Escrevendo aos cristãos de Filipos, o apóstolo Paulo aconselhou: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp 4:6, 7). Ele diz que não importa qual seja o nosso problema, somos convidados a apresentá-lo ao Senhor; que em lugar de ficarmos ansiosos, devemos orar. É interessante notarmos que Paulo não apenas ensinava isso, ele vivia desse modo. Cerca de onze anos antes de escrever essas palavras, ele havia estado pela primeira vez em Filipos, na mesma cidade para onde encaminhou esta carta. Ali, acompanhado por Silas, permaneceu alguns dias.
O relato menciona a conversão de apenas uma família, a de Lídia, mas, também, que a multidão se voltou contra eles, que foram detidos pelas autoridades, receberam muitos açoites com varas e acabaram presos com os pés ligados ao tronco. Imagine a situação deles! O trabalho, segundo as aparências, não ia bem. Estavam cercados por criminosos. Talvez estivessem com fome e com frio. O corpo se encontrava ensanguentado e dolorido, numa posição extremamente desconfortável. Nenhum ser humano parecia se importar com eles, não havia ninguém para confortá-los ou animá-los. E, todavia, à meia-noite, eles cantavam louvores a Deus. Enquanto tudo à sua volta parecia escuro e desesperador, no íntimo do coração deles havia paz; a paz que excede todo o entendimento (ver At 16:11-40). Esse episódio se constitui numa valiosa ilustração da paz que Deus oferece e da diferença que há entre essa paz e a paz que há no mundo (Jo 14:27).
Aqueles que não são convertidos também podem ter momentos de paz. Todavia, sua paz depende das circunstâncias da vida. Quando a vida flui bem, eles têm paz; mas, se há algum contratempo, essa paz desaparece. Entretanto, a paz que Deus nos dá é diferente. Ela não depende do que se passa à nossa volta. É sobrenatural, uma dádiva de Deus, concedida àquele que crê. Não é ausência de dificuldades e problemas, mas um estado de espírito de repouso em Deus, mesmo em meio às turbulências da vida.
Paulo diz o que vai nos acontecer se aprendermos a levar tudo a Deus em oração e se isso for uma constante em nossa vida. Ele não declara que receberemos o que pedirmos, mas sim, que teremos algo melhor porque é a paz o que mais almejamos. Essa paz, que vem de Deus por meio de Cristo Jesus, e que excede todo o entendimento, guardará nosso coração e nossa mente.
III. LADRÕES DA PAZ
Existem algumas atitudes e procedimentos que roubam nossa paz. Devemos cuidar para que eles não tenham lugar em nossa vida. Examinemos alguns deles:
A inveja. Uma das principais atitudes que podem roubar a paz é a inveja de outros, inclusive de nossos irmãos em Cristo. A inveja destrói a fé (Jo 5:44). Com os olhos uns nos outros, não conseguimos olhar para Deus. A inveja produz isolamento.3 “É uma rebelião contra a direção providencial de Deus na vida dos Seus filhos. Uma pessoa invejosa está dizendo que Deus não tem direito de abençoar alguém mais do que ela.”4 Em contrapartida, “não se pode destruir um homem que se alegra com o sucesso dos outros. Ele tem uma perspectiva correta de si mesmo e de Deus. Pode se alegrar nos mais bem-sucedidos.”5
As Escrituras nos ensinam que a igreja é o corpo de Cristo e que, individualmente, somos membros desse corpo. E como os membros do corpo têm tamanho, formato e funções diferentes, assim também é entre nós. Um é boca, outro, ouvido, outro, olho, outro é pé, outro, mão, e assim por diante. Aquilo que um faz, o outro não o pode fazer. O pé não pode ouvir, e a mão não pode ver. O ouvido não pode mastigar, e o olho não pode caminhar.
Alguns membros do corpo, por sua própria localização, função e aparência são mais vistos do que outros. Eles chamam mais atenção. Por isso, os olhos azuis, os lábios sorridentes, as covinhas no rosto e o cabelo bem cuidado se destacam, enquanto o cotovelo e o menor dos artelhos do pé esquerdo nem são notados. O mesmo ocorre com os membros da igreja. Enquanto alguns estão sempre em evidência, outros passam despercebidos. Mas é assim mesmo, e isso depende dos dons, ministérios e grau de poder que Deus nos deu. Isso não deveria nos incomodar, pois não é da nossa competência. “Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como Lhe aprouve” (1Co 12:18). Nossa posição e função no corpo de Cristo não dependem de nossa escolha. Deus as estabeleceu. Foi do Seu agrado. Aceitemos isso como um fato. Não há sentido em a mão invejar o ouvido porque não pode ouvir; nem o pé invejar o olho por não poder enxergar.
Em lugar de ansiarmos por desempenhar outra função, para a qual não fomos qualificados, usemos da melhor forma o dom que recebemos, lembrando que mesmo aqueles que possuem os melhores dons não podem fazer tudo e, portanto, precisam de nossa ajuda. Haja cooperação de modo que os membros trabalhem lado a lado, combinando os dons de um com os dons do outro, para a execução das tarefas.
Mania de sucesso. Outro elemento nocivo para a paz é a mania de sucesso pessoal, baseada no padrão de sucesso do mundo. A Bíblia nos ensina que Deus e Sua causa terão um estrondoso sucesso. Ensina também que todos os Seus servos terão sucesso nas batalhas espirituais, mas não, necessariamente, em suas tarefas individuais. Em suma, “embora possamos fracassar de muitas maneiras, estamos engajados num projeto que é a mais alta prioridade de Deus, e o sucesso final é inevitável.”6
Há pelo menos dois tipos de fracassos:
(1) O primeiro é o fracasso aos olhos dos homens. Isso fere nosso eu. Mas “é possível fracassar aos olhos humanos e ter sucesso aos olhos de Deus”. Os grandes profetas, Isaías e Jeremias, foram também grandes fracassos; isso se analisarmos somente os resultados que colheram em vida. A grandeza de sua obra só foi reconhecida muito depois.
(2) Em segundo lugar, podemos ter sucesso aos olhos dos homens e ser um fracasso aos olhos de Deus.7 O Senhor não chamou você para ter sucesso segundo o padrão humano. Ele o chamou para ser fiel. Ele sabe tudo a seu respeito e o que Ele pensa é o que realmente conta. Foi Isaías, o fracassado segundo o padrão de avaliação do mundo, quem escreveu: “Tu, Senhor, conservarás em perfeita paz aquele cujo propósito é firme; porque ele confia em Ti” (Is 26:3).
O medo. Trata-se de uma inquietação, um receio de que algo de mal aconteça a nós ou àqueles que amamos. O medo é universal. Todos o possuem, em maior ou menor grau. Da leitura da Bíblia podemos presumir que o medo não existia antes da entrada do pecado em nosso mundo e que, quando Deus restaurar todas as coisas, ele não mais terá lugar. É uma das muitas consequências más que o pecado nos acarretou. O medo frequentemente é negativo e maléfico e se apresenta com muitas faces: ansiedade, dúvidas, timidez, indecisão, superstição, retraimento, solidão, hostilidade excessiva, inferioridade, covardia, suspeita, hesitação, depressão, acanhamento social8 – todas atentando contra a paz. Observando o comportamento humano, podemos perceber que frequentemente as pessoas têm medo não apenas do presente, mas também do passado ou do futuro. O medo do passado muitas vezes está relacionado aos pecados cometidos. Algum pecado do passado está constantemente invadindo o presente do indivíduo, martirizando-o com a culpa, o remorso e a vergonha, e, consequentemente, há o medo de ser descoberto ou lembrado, ou punido, ou de não ser perdoado.
Um homem procurou seu pastor e lhe abriu o coração contando um grave pecado cometido havia muitos anos e que ainda o atormentava. O pastor lhe perguntou se ele já havia confessado a Deus e pedido Seu perdão, ao que ele respondeu: “Já o fiz mil vezes”. O pastor então lhe disse: “O irmão deveria ter confessado e pedido perdão uma vez, e ser agradecido pelo perdão 999 vezes”.9
Este homem não havia recebido o perdão. Tanto isto é verdade que ainda estava angustiado. A paz com Deus, que é fruto do perdão, não lhe pertencia (Rm 5:1). Mas por que não havia sido perdoado, se pedira perdão mil vezes? O que aconteceu? Na verdade, ele confessou o pecado, pediu o perdão e Deus lho concedeu, mas ele não se apoderou dele. Faltou-lhe a fé. Aquela fé que é qual mão que se apodera do que Deus oferece. A mão de Deus está estendida oferecendo Seu perdão, mas precisamos estender nossa mão e agarrá-lo. Isto é obra da fé. Quando cremos, o perdão se torna nossa propriedade.
O perdão de Deus é instantâneo e completo. Isto significa que somos perdoados no momento em que, arrependidos e confiantes em Seu amor e nos merecimentos de Cristo, confessamos nossos pecados. Na mesma oração podemos até agradecer o perdão.10 Significa também que basta pedir perdão uma única vez. Somente se o pecado for repetido é que precisamos novamente confessar e suplicar o perdão divino.
Assim, a solução para nos livrarmos do medo do passado, para nos livramos dos pecados cometidos, é confiarmos no perdão de Deus. Sua promessa é: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1:9). A partir de então, Deus nos considera como se não houvéssemos pecado (Mq 7:18, 19). Nossos pecados não mais são levados em conta. E se Deus, que é tão puro e santo, faz assim, porque não adotamos também esta postura? Precisamos perdoar a nós mesmos.
São muitos os que têm medo do futuro, medo de problemas e dificuldades que poderão surgir: problemas de saúde, de ordem familiar, financeiros e tantos outros. Tratando deste assunto em um de Seus discursos Jesus disse: “Não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal” (Mt 6:34). Devido à presença do pecado em nosso mundo, nos defrontamos a cada dia com o mal e, já que temos nossa cota diária de dificuldades, em nada seremos ajudados se acrescentarmos os problemas de amanhã aos de hoje. Aliás, essa é uma forma segura de tornar insuportável o dia. Quando ficamos assim tão preocupados com o futuro, deixamos de desfrutar as bênçãos de Deus no presente. Deus nos dá um dia de cada vez e, com ele, o auxílio que nos é necessário. Precisamos ter sempre em mente que, assim como hoje Deus supre nossas necessidades e nos ajuda, quando chegar o amanhã Ele estará igualmente conosco, nos guiando e abençoando também.
O remédio para não termos medo do futuro é a confiança no poder de Deus e em Seu amor para conosco. O salmista nos aconselha dizendo: “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nEle, e o mais Ele fará... Descansa no Senhor e espera nEle” (Sl 37:5, 7). Somos instados a entregar, confiar, descansar e esperar. O que significa isso? Precisamos dar mais espaço para Deus atuar em nossa vida. Precisamos deixar Deus ser Deus. Quando você for tentado a temer o amanhã, vá a Deus! Ore! Entregue a Ele seus medos e suas preocupações. Entregue e descanse. Confie. Aprenda a esperar.
Noutro salmo, falando de sua própria experiência Davi escreveu: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo; o Teu bordão e o Teu cajado me consolam” (Sl 23:4). Medite nestas palavras. A mais sombria experiência pela qual podemos passar neste mundo é a da morte. É pressentirmos sua aproximação de nós ou das pessoas a quem amamos ou constatarmos que ela se apoderou de um de nossos queridos. Contudo, para o cristão, mesmo essa situação extrema não causa medo. Qual é o segredo? A presença de Deus e o consolo que somente Ele pode dar. E se é verdade que a própria morte não nos pode assombrar, é verdade também que as demais situações que possam surgir não o poderão fazer também.
Peçamos a Deus essa paz e sigamos a orientação que Ele nos dá para que Ela nos pertença.
Autor: Emilson dos Reis
Emilson dos Reis atuou como pastor distrital em diversas igrejas no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Foi pastor e professor no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul e no Centro Universitário Adventista de São Paulo. É doutor em Teologia Pastoral e diretor da Faculdade Adventista de Teologia no UNASP, onde também leciona as disciplinas de Introdução Geral à Bíblia e Homilética. É autor dos livros: Introdução geral à Bíblia; Aprenda a liderar; Como preparar e apresentar sermões e O dom de profecia no púlpito.
Referências bibliográficas
2. Erwin Lutzer, De pastor para pastor: respostas concretas para os problemas e desafios do ministério (São Paulo: Vida, 2000), 21-22.
3. Ibid., 73.
4. Ibid., 74.
5. Ibid., 76.
6. Ibid., 159.
7. Ibid., 138.
8. Tim LaHaye, Temperamento Controlado pelo Espírito, 8ª ed. (São Paulo: Loyola, 1983), 108-109.
9. Idem, 121.
10. Ellen G. White, Caminho a Cristo, 42ª ed. (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1995), 51.
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